Natural de Uppsala, cineasta sueco é protagonista essencial da história da sétima arte. No centenário de seu nascimento, ele continua uma fonte de revelações e descobertas – tanto artísticas como biográficas.
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Muitos consideram Ingmar Bergman o maior diretor de cinema do século 20. Para que isso ficasse oficialmente registrado, em 1997 o Festival Internacional de Cinema de Cannes concedeu ao sueco um prêmio especial: a "Palma de todas as Palmas".
Isso equivalia a nada menos do que consagrá-lo como "o melhor diretor de todos os tempos". É claro que tais superlativos são questionáveis, porém confirmam o cineasta como um dos mais importantes pioneiros da história da sétima arte.
Workaholic por trás das câmeras e no palco
Nascido em 14 de julho de 1918 em Uppsala e morto em 2007 na ilha sueca de Faroe, Bergman deixou uma obra imensa. Entre 1946 e 2003, dirigiu numerosos filmes, especialmente para a grande tela.
Desde cedo, porém, ele também experimentou com o formato menor para a televisão, e conta entre os diretores teatrais mais importantes da Europa. E ele escrevia: memórias, diários, e é claro, roteiros – um enorme volume de texto, enfim, ainda não totalmente desbravado.
Seus filmes ganharam inúmeros prêmios, em festivais europeus e também nos Estados Unidos, onde ele recebeu três Oscars. Não é nenhum segredo que muitos diretores das gerações posteriores adoravam o sueco, tentando repetidamente imitá-lo. Entre seus fãs, o mais famoso é Woody Allen. O americano, mais conhecido como diretor de comédias melancólicas, tem dois dramas à la Bergman: Setembro e A outra.
Arte, mulheres: um campo de batalha
O sueco não tinha fãs somente no mundo do cinema: representantes de outros setores culturais também não lhe pouparam elogios. A recém-publicada nova edição alemã de suas memórias, Laterna Magica – Ingmar Bergman: Mein Leben, foi prefaciada pelo Prêmio Nobel de Literatura Jean-Marie Gustave Le Clézio.
O romancista francês resume assim o cerne da arte bergmaniana: "Bergman é um ser humano livre de moral, ou melhor, não sociável, e apenas a convivência com as mulheres que ele escolhe lhe proporcionam um ofício, um amparo – um conteúdo existencial."
Bergman e as mulheres: esse é também um capítulo à parte, sobre o qual muito se escreveu. O sueco teve várias esposas, casos amorosos, parceiras, muitas vezes simultaneamente. Bergman também fez dessas relações tema do filme de sua vida. "Possivelmente porque a arte era para ele esse tecido de mentiras, ciumeiras, jogos eróticos e dramas meio engraçados e meio trágicos que a inteligência lúcida produz", analisa Le Clézio, "um tecido que é como um campo de batalha, em que não se conquista nada, mas se registra tudo."
Mestre da imersão psicológica
Em seus filmes, Bergman encenava esse campo de batalha das emoções com uma intensidade muitas vezes insuportável, sem poupar os espectadores. Ele foi um dos primeiros a mostrar e abordar erotismo e sexualidade com uma liberdade sem precedentes.
E associou esses mundos emocionais humanos às questões relativas ao sentido da vida. Doença e morte, a busca de Deus e se a religião pode realmente ser uma ajuda honesta para o ser humano: tudo isso inquietava o cineasta constantemente.
Só bem mais tarde ficou claro que Ingmar Bergman também fazia de sua vida uma obra de arte. O diretor de tantas obras-primas inesquecíveis sabia muito bem se autoencenar. O que ele escrevia era sua visão das coisas. Pouco se sabe que outros, seus atores e numerosos membros de equipe, tenham chegado a conclusões diferentes, perspectivas contrastantes.
Por trás da fachada, um novo Bergman?
O documentário Bergman – A year in a life (Um ano em uma vida), da também sueca Jane Magnusson, lançado em Cannes, em maio, apresentou alguns resultados surpreendentes. Por exemplo, a relação do sueco com o nazismo, que ele louvou por muito tempo. Ou o olhar sobre sua infância e juventude, que ele destrinchou em muitos de seus filmes e tantas vezes tematizou.
Essa visão, conclui Magnusson, era bastante subjetiva e – da perspectiva dos familiares de Bergman – provavelmente de uma distorção grosseira. Portanto, aquilo que o diretor dizia sobre sua vida e trabalho deve ser tratado com cautela. O que não diminui, no entanto, o poder artístico de seus filmes.
Premiado com a "Palma de todas as Palmas" no Festival de Cannes de 1997, diretor sueco é um dos grandes nomes da história do cinema mundial. Conheça algumas de suas obras-primas.
Foto: picture-alliance/dpa/Ekstromer
Quando as mulheres esperam (1952)
Ingmar Bergman já havia dirigido dez filmes ao lançar "Quando as mulheres esperam": Aguardando os maridos, quatro mulheres falam sobre seus relacionamentos. Por meio de flashbacks e diferentes conceitos estéticos, o sueco proporcionava um vislumbre de sua visão de mundo. Moralidade e lealdade, luto e alegria de viver são temas que ele abordaria repetidamente.
Foto: Imago/United Archives
Noites de circo (1953)
Também em "Noites de circo", Bergman falou de angústia, casos de amor e escapadas eróticas – aqui, no entanto, num tom bastante sombrio, tendo um circo como pano de fundo. Emoções refletidas na arena da vida: mais uma vez a grande tela era um espelho da alma do cineasta. Nas bilheterias, porém, o filme foi um fracasso comercial.
Foto: Imago/United Archives
Sorrisos de uma noite de amor (1955)
Após o fracasso de "Noites de circo", Bergman dirigiu alguns filmes mais leves, tratando seus temas clássicos também na forma de comédia. Sobretudo "Sorrisos de uma noite de amor", uma comédia social situada na virada do século 19, foi um grande sucesso, não só nas bilheterias, mas também em Cannes, onde recebeu um prêmio especial de "humor poético".
Foto: Imago/United Archives
O Sétimo Selo (1957)
Foi com "O Sétimo Selo" que Bergman atingiu o estrelato, passando à categoria de diretores respeitados mundialmente. O longa é uma alegoria da vida: o indivíduo, sua busca eterna por Deus, e a morte como única certeza, disse Bergman sobre o filme encenado no fim da Idade Média, no qual a Morte aparece em pessoa.
Foto: picture-alliance/akg-images
Morangos silvestres (1957)
O ano de 1957 foi de triunfo para o diretor incansável, também ativo no teatro. Depois de "O Sétimo Selo", ele produziu uma segunda obra-prima. Em "Morangos silvestres", refletia sua vida na tela mais uma vez, além de mirar o futuro: Victor Sjöström, no papel do Professor Isak Borg (na foto com Ingrid Thulin) era uma visão de seu próprio "eu" como ancião.
Foto: picture alliance/United Archives
A Fonte da Donzela (1960)
Mais uma vez, um drama medieval. Novamente, um filme sobre culpa, religião, vingança e castigo. "A Fonte da Donzela" rendeu a Bergman o primeiro de seus três Oscars de Melhor Filme Estrangeiro. Uma forte cena de estupro, no entanto, fez com que o filme fosse temporariamente confiscado no estado alemão da Baviera.
Foto: Imago/United Archives
O silêncio (1963)
O rótulo de "cineasta dos escândalos" veio enfim com "O silêncio". Duas irmãs e o filho de dez anos de uma delas estão presos num hotel numa cidade cuja língua não entendem. Cenas de sexo explícito e a ligação entre sexualidade e religião abalaram muitos espectadores no início dos anos 60. "O silêncio" foi censurado e proibido diversas vezes.
Foto: Imago/United Archives
Persona (1966)
O próprio cinema se tornou tema no filme "Persona". Mais uma vez, duas mulheres, sua relação mútua e também delas com o mundo exterior. Sexualidade e fé são novamente pontos-chave da narrativa. Desta vez, contudo, o filme segue caminhos experimentais, além de refletir em profundidade sobre arte e cinema.
Foto: Imago/United Archives
Gritos e sussurros (1972)
Também neste filme, Bergman se manteve fiel: um profundo olhar sobre a psique feminina, grandes emoções, atores excepcionais numa peça intimista. Nas palavras do diretor François Truffaut, na época: o filme começa como "As três irmãs", de Tchekhov; termina como "O Jardim das Cerejeiras", e no meio tempo há muito Strindberg. "Gritos e sussurros" foi sucesso de bilheteria.
Foto: Imago/United Archives
Cenas de um casamento (1973)
Para os fãs de Bergman, algo como a síntese de sua carreira: o olhar por trás de um casamento de fachada, a realidade atrás das aparências. Um casal com dois filhos, que acabara de ser retratado em uma revista como casal feliz, já não tem mais afinidade. Produzido com poucos meios, ele foi lançado omo minissérie de TV, sendo depois adaptado para o cinema.
Foto: Imago/United Archives
Fanny e Alexander (1982)
"Fanny e Alexander" também foi lançado em duas versões, uma para o cinema e outra mais longa, para a TV. Aqui, mais uma vez, Bergman enfoca a infância e a casa de seus pais. Um filme familiar, poético e divertido, além de bem-humorado, apesar de também trazer algumas cenas sérias e cheias de amargura. Mais uma vez uma obra-prima cinematográfica do diretor sueco.