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Cem anos de Jorge Amado: entre a sensualidade e o comunismo

10 de agosto de 2012

Nenhum outro escritor influenciou tanto a imagem que os alemães têm do Brasil como o baiano Jorge Amado, com sua literatura de crítica às injustiças sociais e personagens sensuais e exóticos. Se vivo, ele faria 100 anos.

Jorge AmadoFoto: Getty Images

A recepção internacional do trabalho de Jorge Amado teve a França como país europeu pioneiro, onde seus livros começaram a ser traduzidos já no fim dos anos 1930. Foi nesse país que o autor brasileiro viria a se exilar entre 1948 e 1950, ao ter seu mandato como deputado federal cassado quando o Partido Comunista Brasileiro voltou à ilegalidade.

O ativismo político e o contato com intelectuais estrangeiros de esquerda foram determinantes para a recepção e circulação da obra de Amado na Europa. É na Alemanha Oriental que surgem as primeiras traduções para a língua alemã, em 1950, com os romances Jubiabá e Mar morto, primeiramente traduzidos do francês.

"Na Alemanha Oriental, Jorge Amado era um dos autores estrangeiros mais importantes, com quase todos os livros traduzidos e depois relançados numa coleção de obras selecionadas pela editora Volk und Welt", comenta o professor Marcel Vejmelka, da Universidade de Mainz, autor da monografia A obra de Jorge Amado nas Alemanhas Oriental e Ocidental: suas recepções e traduções.

Ao receber o Prêmio Stalin em 1951 (mais tarde renomeado Prêmio Internacional Lénin da Paz), Amado sedimentou sua carreira no Leste Europeu, passando a ser percebido e celebrado como um dos principais autores internacionais a denunciar as injustiças sociais do sistema econômico vigente.

Jorge Amado em 1948, quando era um herói do comunismo internacionalFoto: Getty Images

Comunista de um lado, exótico do outro

A recepção de sua obra na Alemanha Ocidental teria que esperar outra década. O primeiro livro a sair do outro lado do Muro viria depois do sucesso comercial de Gabriela, Cravo e Canela, publicado no Brasil em 1958.

O livro foi traduzido e lançado na Alemanha Oriental em 1961. Esta mesma tradução seria comprada e lançada na Alemanha Ocidental no ano seguinte. Aqui começa o caminho ambíguo da percepção de sua obra na Europa: por um lado, ele era o autor comunista que denunciava mazelas e injustiças; por outro, o autor de livros com narrativas e descrições picantes, festivas e sensuais, especialmente para a sensibilidade europeia, então pouco familiarizada com a cultura brasileira.

Vejmelka comenta que, na Alemanha Ocidental, Amado é lançado como 'contador de histórias', representando o exotismo e o erotismo que até hoje permanecem como marca distintiva – ou melhor: estereótipo – da literatura brasileira na percepção alemã. "A polaridade caraterística da obra de Amado – a crítica social e política em contraste com as histórias saborosas e sensuais – continua marcando a visão que se tem na Alemanha da literatura brasileira e também do Brasil."

Esta segunda percepção, a do exotismo, toma força e se torna predominante quando o mercado editorial alemão tenta enquadrar Jorge Amado (e outros autores brasileiros, como Guimarães Rosa) na onda de sucesso comercial do chamado "boom latino-americano", com os autores do que viria a ser conhecido como Realismo Mágico na década de 60.

Ainda que vindo de uma geração já ativa na década de 1930 e marcada pelo neorrealismo, certos elementos fantásticos em obras como A morte e a morte de Quincas Berro d'Água (1961) ou Dona Flor e seus dois maridos (1966) permitiam essa aproximação.

Entre as décadas de 60 e 80, esta visão seria incontornável, período em que Jorge Amado foi o autor brasileiro mais traduzido no mundo. Esta presença decaiu a partir do fim da década de 80 e com a Feira do Livro de Frankfurt de 1994, quando outros autores brasileiros, como Ignácio de Loyola Brandão e João Ubaldo Ribeiro, passaram a ter uma presença mais forte no exterior.

"Quando se enfoca o nome de Jorge Amado no conjunto da literatura brasileira na Alemanha, ele ainda pode ser considerado o mais conhecido e lido, mesmo que não tenha, na atualidade, a importância e presença dos anos 60 a 80. Quando se compara com outros nomes individuais, há nomes que o ultrapassam, como Loyola Brandão nos 80, Patrícia Melo nos 90 e Bernardo Carvalho na atualidade. Mas quando se formula a uma alemão a pergunta básica 'Qual o escritor brasileiro que já leu ou cujo nome conhece?', Jorge Amado continua à frente", comenta Vejmelka.

Celebração a Iemanjá em Salvador: a presença da cultura africana no Brasil é tema recorrente na obra de AmadoFoto: picture-alliance/dpa

Novas traduções para o alemão

A presença da literatura brasileira como um todo encontra-se atualmente em seu ponto mais baixo na recepção alemã, mesmo depois da Feira do Livro de 1994, prova de que, sem um investimento cultural a longo prazo, tais eventos não asseguram a influência cultural brasileira num país estrangeiro.

Teo Mesquita, diretor do Centro do Livro e do Disco da Língua Portuguesa, baseado em Frankfurt, comenta que a presença da literatura brasileira na Alemanha atualmente é minúscula se comparada à que Jorge Amado teve, sozinho, por duas décadas, apesar de outros escritores brasileiros estarem hoje no catálogo de editoras alemãs.

"Espera-se que a presença do Brasil como convidado da Feira do Livro de 2013 marque um renascimento. Sem investimento constante, porém, veremos o mesmo que ocorreu após a feira de 94. João Ubaldo Ribeiro, por exemplo, é hoje mais conhecido porque viveu na Alemanha e viaja com frequência ao país. É necessário que autores brasileiros marquem presença por aqui, façam leituras, contatos", afirma o livreiro e editor português.

A editora S. Fischer Verlag aposta neste renascimento e começa a movimentar-se antes da feira. Acaba de ser lançada pela editora uma nova tradução para Tenda dos milagres (1969), a cargo de Karin von Schweder-Schreiner. A tradutora alemã, que já havia traduzido Tocaia grande e o infanto-juvenil O gato malhado e a andorinha sinhá, lançados na Alemanha em 1987, comenta a necessidade de novas traduções para vários trabalhos do brasileiro.

"É na verdade algo muito trágico, pois a maioria das traduções foi feita na Alemanha Oriental, onde os tradutores não tinham o direito de viajar e conhecer o Brasil. E para traduzir um autor como Jorge Amado é necessário ter uma convivência com o povo brasileiro. Eu tive a sorte de viver no Brasil por três anos, corresponder-me com Jorge Amado, conhecer o candomblé e os cheiros do Brasil", comentou a tradutora.

A boa notícia é que a editora S. Fischer informa que, até o próximo ano, estão programados lançamentos de várias traduções novas para livros do escritor brasileiro. Ainda que incerto quais títulos chegarão primeiro ao mercado, especialistas creem que o relançamento de livros como Tenda dos milagres e traduções novas para os romances do chamado "Ciclo do cacau" poderiam trazer um renascimento do fenônemo Jorge Amado na Alemanha.

Até o lançamento desta nova tradução, no mês passado, apenas dois livros de Jorge Amado encontravam-se em catálogo na Alemanha: Capitães de areia, na tradução de Ludwig Graf von Schönfeldt feita na década de 50, e uma edição antiga de Dona Flor e seus dois maridos.

Baiano de Itabuna

Jorge Amado completaria 100 anos nesta sexta-feira (10/08). Nascido em Itabuna a 10 de agosto de 1912, foi um dos autores mais importantes e populares do modernismo brasileiro, membro da Academia Brasileira de Letras e autor adaptado com sucesso para o cinema e a televisão.

A fundação que carrega seu nome em Salvador, cidade que descreveu tantas vezes, tem um papel cultural importante na cidade. Suas atividades políticas levaram-no ao exílio, mas contribuíram para a sua consagração internacional. Sua morte em 2001 teve repercussão internacional. Uma década depois e no centenário de seu nascimento, começa na Europa sua redescoberta.

Autor: Ricardo Domeneck
Revisão: Alexandre Schossler

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