Cem dias fugindo do cargo
10 de abril de 2019A política é a arte do possível, disse o primeiro chanceler do Império Alemão, Otto von Bismarck. Para o presidente Jair Bolsonaro, muita coisa teria sido possível nos primeiros cem dias no governo. Isso se ele, primeiro, tivesse um plano a ser executado e, segundo, dispusesse da capacidade de executá-lo com determinação. E o mais importante: ele precisaria, antes de mais nada, ser alguém que quer fazer.
A liberdade para isso, ele tinha. Embalado por 58 milhões de votos e com a oposição em coma, Bolsonaro tinha o caminho livre para lançar os alicerces de um futuro melhor para o Brasil. E não faltava o que fazer, começando pelos cofres públicos vazios, os milhões de desempregados, as crises na educação, na segurança pública e na saúde.
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Só que, passados cem dias, Bolsonaro tem pouco a apresentar. Isso tem a ver, também, com o seu governo fragmentado, que reúne quatro grupos que têm muito pouco que ver uns com os outros. Um deles é o grupo religioso, melhor dito: os evangélicos. Há ainda os liberais da economia, os militares e os "antiglobalistas". Difícil imaginar alguém que conseguisse acomodar toda essa gente dentro de uma mesma casa. Mas não devemos esquecer que foi o próprio Bolsonaro que montou esse governo disfuncional.
E o chefe parece que perdeu a vontade de botar ordem na casa. Em vez disso, ele voltou a fazer campanha ao seu estilo, que consiste em publicar tuítes ofensivos e provocadores. Com isso, não apenas desperdiça tempo e energia, mas também queima seu capital político – sem alcançar nada.
Além disso, ele parece não ter muita vontade de governar. Ele dá a impressão de estar teso em suas aparições públicas e lê seus discursos a duras penas. Na sexta-feira passada, queixou-se em público que o seu cargo "é só problema" e que não nasceu para ser presidente, mas para ser militar. E por que então se candidatou à Presidência da República?
Certamente não porque seja alguém que quer fazer. Como lembrança: em seus 28 anos de deputado federal, não fez praticamente nada de construtivo e chamou a atenção apenas pelos seus impropérios verbais e pelas difamações de adversários políticos. Ele privilegia a destruição em detrimento da construção – até porque é mais fácil destruir do que construir. Para destruir, ninguém precisa ser um visionário.
Ele não quer negociar ou reconciliar, ele não vai ao encontro dos seus adversários para fechar alianças políticas e assim levar adiante a agenda de reformas de seu governo. A impressão que dá é que ele prefere deixar para lá a reforma da Previdência de Paulo Guedes e também não tem nenhuma ideia do que colocar no lugar dela.
Bolsonaro foge da arte da política. Ele é do contra e não pró, e só sai da sua letargia se for para tentar melhorar a imagem da ditadura militar. Só que a Presidência da República não existe para reescrever o passado, mas para escrever o futuro. Depois de deixar os primeiros cem dias passarem em branco, é hora de finalmente começar.
Thomas Milz saiu da casa de seus pais protestantes há quase 20 anos e se mudou para o país mais católico do mundo. Tem mestrado em Ciências Políticas e História da América Latina e, há 15 anos, trabalha como jornalista e fotógrafo para veículos como o Bayerischer Rundfunk, a agência de notícias KNA e o jornal Neue Zürcher Zeitung. É pai de uma menina nascida em 2012 em Salvador. Depois de uma década em São Paulo, mora no Rio de Janeiro há quatro anos.
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