Cercas na UE não detêm refugiados, diz Anistia Internacional
17 de novembro de 2015
Organização denuncia abusos de direitos humanos como consequência de controles fronteiriços estabelecidos por alguns países europeus. Negar o acesso ao asilo coloca em risco a vida de migrantes, afirma.
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A construção de cercas e outros tipos de controle nas fronteiras de alguns países da União Europeia (UE) alimentam "uma série de abusos de direitos humanos" e não contribuem para deter o fluxo de refugiados, afirmou a Anistia Internacional (AI) nesta terça-feira (17/11).
Num relatório sobre o tema divulgado em Bruxelas, a organização analisou os efeitos das novas cercas, especialmente a construída na fronteira da Hungria com a Sérvia, e o papel de gatekeeper de países como a Turquia e Marrocos.
"A expansão de cercas ao longo das fronteiras da Europa apenas aprofundou violações de direitos e agravou os desafios de administrar o fluxo de refugiados de maneira humana e ordenada", afirmou John Dalhuisen, diretor da AI para Europa e Ásia Central.
Mais de 235 quilômetros de cerca já foram construídos na Europa neste ano, sendo que 175 quilômetros estão localizados na fronteira da Sérvia com a Hungria.
A organização denunciou ainda que refugiados que tentaram entrar na Grécia, Bulgária e Espanha foram expulsos por autoridades fronteiriças sem acesso ao procedimento de asilo ou chance de apelar o retorno. Dessa maneira, leis internacionais foram desrespeitadas, afirmou.
"Essa expulsão é acompanhada, com frequência, de violência e coloca a vida das pessoas em risco", afirmou a Anistia Internacional.
O relatório conclui que as medidas que visavam controlar o fluxo migratório, além de negar o acesso ao asilo, expõem refugiados e migrantes a maus-tratos e forçam as pessoas a buscar alternativas que ameaçam a vida, como as travessias marítimas.
Mais de 760 mil refugiados já chegaram à UE neste ano, a maioria de origem síria e tendo chegado pela Grécia. Mais de 3,4 mil morreram na tentativa de cruzar o Mediterrâneo em 2015.
"A crise de refugiados representa um grande desafio para a UE, mas está longe de ser uma ameaça existencial. A União Europeia precisa responder não com medo e cercas, mas com a melhor tradição dos valores que pretende prezar", disse Dalhuisen.
CN/dpa/kna/afp
Refugiados impulsionam economia paralela na Sérvia
Enquanto cada vez mais refugiados atravessam a Sérvia, moradores voltam-se para os campos de refugiados em busca de lucro, ofertando serviços extremamente necessários. Diego Cupolo documentou a crise nos Bálcãs.
Foto: DW/D. Cupolo
Garotos do ônibus
O transporte foi o negócio que mais cresceu nos Bálcãs. Pessoas como Liridon Bizazli, um albanês que vive em Kosovo, aguardam no lado de fora do campo de refugiados de Presevo para vender passagens por 35 euros para a Croácia. Bazazli conta que não ganha mais do que 8 euros por dia em seu trabalho como garçom, mas a venda de passagens rende de 50 a 70 euros por dia.
Foto: DW/D. Cupolo
Um refugiado ajuda o outro
Apesar do valor que recebe, Bizazli afirma não se orgulhar de seu trabalho – e negociar algumas viagens gratuitas para refugiados, especialmente para famílias com crianças que não podem arcar com os custos. "Eu também já fui um refugiado, então entendo", conta. "Essas viagens de ônibus deveriam ser de graça. A Europa dá dinheiro para a Sérvia ajudar os refugiados, mas nosso governo não faz muito."
Foto: DW/D. Cupolo
Oferta e demanda
Negócios próximos aos campos de refugiados estenderam seus horários de funcionamento para atender à demanda criada pela chegada diária de 8 a 10 mil pessoas, como ocorre em Presevo. Mercados e restaurantes estão constantemente cheios de clientes, e os preços dobraram – em alguns casos até triplicaram. "Em nenhum outro lugar da Sérvia eu vi um hambúrguer custar tanto", conta Bizazli.
Foto: DW/D. Cupolo
De chips de telefone a carrinhos de mão
Tirando a comida, o primeiro item que um refugiado procura é geralmente um chip de telefone celular para contatar familiares e amigos. O resultado é um número incontável de pessoas que vendem cartões pré-pagos perto dos campos. Mas itens menos previsíveis também entram na lista: carrinhos de mão para os idosos ou aqueles que têm dificuldades de locomoção, como esta mulher curda da Síria.
Foto: DW/D. Cupolo
Fornecedores de calçados
Apesar da proximidade do inverno e da ocorrência de tempestades ser mais frequente, muitos refugiados seguem viajando sem calçados e convivendo com doenças nos pés e na pele, conta Stefan Cordez, coordenador da organização Médicos sem Fronteiras, em um campo de refugiados no sul da Sérvia. Vendo a oportunidade, muitos sérvios aproveitaram para vender calçados e meias perto dos campos.
Foto: DW/D. Cupolo
Tráfico de documentos
Em um esforço para controlar a crise, países na rota de migração devem registrar novas chegadas, o que ocasionalmente cria filas quilométricas fora dos campos de refugiados. Segundo Daniela Gabriel, uma voluntária independente em Presevo, motoristas de ônibus começaram a coletar os documentos de registro de migrantes ligados à Croácia e revendê-los para pessoas que querem contornar as fronteiras.
Foto: DW/D. Cupolo
Vítimas de informações falsas
Gabriel conta que alguns motoristas de ônibus e táxis cobram dos refugiados para levá-los à Croácia, mas os abandonam em cidades sérvias, alegando que eles devem fazer o registro em áreas não-existentes. Para evitar que os refugiados aceitem falsas propostas, Gabriel pendurou uma placa de sinalização na entrada do campo de Presevo e traduziu as informações para diversos idiomas.
Foto: DW/D. Cupolo
Assalto nas estradas
Outros voluntários, que pediram para não ser identificados, contam que receberam ameaças de morte por encaminhar os refugiados aos ônibus e alertá-los para evitar táxis que poderiam ser perigosos. Alexander Travelle, voluntário em Presevo, conta que, na semana passada, uma família de seis pessoas foi assaltada à mão armada por um taxista após pagar 80 euros por uma viagem até a Croácia.
Foto: DW/D. Cupolo
Cada um ganha o seu
Bizazli admite que paga à polícia local 100 euros por semana para vender as passagens no campo de refugiados Presevo. "É só dar o que eles querem que te deixam em paz", conta. Muitos voluntários, que pediram para permanecer anônimos, contam que também testemunharam taxistas pagando a policiais. "Mas isso não significa que todos os agentes de polícia estejam ganhando propina", afirmou um deles.
Foto: DW/D. Cupolo
Não há vagas, com exceções
Conforme o clima esfria, os hotéis ao longo da rota migratória acomodam cada vez mais refugiados. Voluntários contam que os proprietários são bastante seletivos quanto às pessoas que escolhem receber. Refugiados são mandados embora com frequência, a não ser que possam pagar as tarifas acima da média, já que um número maior de pessoas costuma dividir quartos individuais.