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"Certas obras revolucionaram a música por dentro"

Rick Fulker (av)23 de abril de 2016

Numa época contrarrevolucionária, Nike Wagner escolheu "Revoluções" como slogan do Beethovenfest 2016 – na arte e na sociedade, da Francesa à "Primavera Árabe". Em exclusiva à DW, a diretora artística expõe sua visão.

Nike Wagner, diretora do Beethovenfest
No terceiro ano à frente do Beethovenfest, Nike Wagner combina ousadia e reflexão intelectualFoto: Monika Nonnenmacher

Nike Wagner ostenta uma linhagem musical invejável: a promotora cultural de 70 anos é nada menos que bisneta do autor de monumentos da arte ocidental como O anel do Nibelungo e Tristão e Isolda. Além disso, é uma das três descendentes de Richard Wagner (1813-1883) atuantes no escalão máximo da música erudita europeia.

Nascida em Überlingen, no sul da Alemanha, e criada na bávara Bayreuth, ela estudou musicologia, teoria teatral e literatura, e trabalhou como redatora musical, além de tentar a carreira como compositora de vanguarda. Após concorrer algumas vezes pela direção artística do Festival Wagner, acabando por perder para as primas, e de encabeçar durante dez anos o Festival de Artes de Weimar, em 2014 ela assumiu o Beethovenfest.

Percepção intelectual e sobriedade, aliadas a ousadia e humor seco, caracterizam Nike Wagner como personalidade cultural. Em entrevista exclusiva à Deutsche Welle, ela fala de seus planos para a próxima edição do festival realizado na cidade natal de Ludwig van Beethoven, a pequena Bonn. E já lança o olhar sobre 2020, quando o icônico compositor completa 250 anos de nascimento.

DW: O slogan do Beethovenfest em 2016 é "Revoluções". No momento vivencia-se por todo o mundo algo que mais parece contrarrevoluções. Como a senhora aborda esse tema?

Nike Wagner: Atualmente o conceito de revolução, de fato, soa questionável e impreciso, pois os extremistas de direita o ocuparam. Mas tradicionalmente as revoluções vêm da "esquerda", são sustentadas pela base – ou pelo povo – e não por golpistas, elites militares ou ativistas religiosos pré-históricos.

Para me contrapor a essa atual ambivalência, decidi evitar a cor vermelha na ilustração do slogan, optando, em vez disso, por um verde-primavera, de esperança, juntamente com a imagem da "Liberté", de Eugène Delacroix; mais especificamente, A Liberdade guia o povo, um quadro de 1830 referindo-se retrospectivamente à Revolução Francesa.

Há algo de revolucionário no programa do festival deste ano?

Existem duas coisas: revoluções sociais e revoluções artísticas. Muitas vezes elas coincidem, mas nem sempre. Nós trazemos muitas obras que ocasionaram revoluções no interior da música. Ludwig van Beethoven está presente desde logo, mas também Claude Debussy e Igor Stravinsky, indo até Luigi Nono.

Beethovenfest 2016: Delacroix e tons de esperança

Além disso, há os reflexos diretos das revoluções sociais da história europeia. Em primeira linha, da Revolução Francesa, cujos ideais de liberdade, igualdade e fraternidade marcaram Beethoven por toda a vida. Nós apresentamos obras importantes dessa época, entre elas a Missa de coroação para Napoleão, de Etienne-Nicolas Méhul. E, em numerosas variantes, a extremista Sinfonia nº 3 (Eroica), de Beethoven.

A Revolução Russa igualmente gerou uma enxurrada de obras musicais. A Ural Philharmonic Orchestra virá com a monumental Cantata pelo 20º aniversário da Revolução de Outubro, de Serguei Prokofiev. E haverá eventos sobre as revoluções de nosso tempo, a "Primavera Árabe". Além disso, apresentações de dança contando sobre as rupturas revolucionárias do fim da década de 60 nos Estados Unidos. Lucinda Childs vem com sua famosa coreografia Dance: arte minimalista, abstrata.

Tenho a impressão que, para cada evento do festival, a senhora sempre considera as conexões extramusicais, a história e a sociedade. Procede?

Em princípio, sim. Música – a arte em geral – não existe no vácuo, ela sempre está relacionada à sociedade, mesmo que tenha repetidamente ignorado ou negado isso, ao logo de sua história. Ao mesmo tempo, é inegável que toda arte representa uma esfera única, com seu próprio poder de influência.

A Terceira sinfonia de Beethoven tem presença forte no programa deste ano.

A Eroica é a grande obra de ruptura, não tem mais nada a ver com a primeira e a segunda sinfonias. E as ligações com as grandes peças musicais da Revolução Francesa da época são bem óbvias. Marchas fúnebres para os heróis e caídos da Revolução eram muito usais, e o segundo movimento da Eroica é uma marcha fúnebre. Além disso, Napoleão Bonaparte – a quem a Eroica era originalmente dedicada – permaneceu uma figura de grande interesse para Beethoven. Nota-se intermitentemente a identificação secreta do compositor com ele: Napoleão, o grande homem da política, e ele, Beethoven, o grande homem da música...

Beethovenhalle, principal palco dos festivais ficará fechado por dois anosFoto: beethovenfest.de

O Conselho Municipal de Bonn decidiu mandar sanear a Beethovenhalle a partir de outubro de 2016. Por um prazo de dois anos a sala de concertos permanecerá fechada. Alguns fizeram ressalvas ao cronograma, descrevendo-o como "extremamente esportivo". Qual é sua visão do planejamento até 2020 – ano de jubileu, em que se comemora o 250º aniversário de Ludwig van Beethoven – e os locais de apresentação a serem utilizados?

Eu pratico o "princípio esperança". Até onde sei, são grandes os esforços em Bonn para cumprir o apertado cronograma. Um fiasco é impensável, devido ao jubileu – todos os participantes sabem disso. Por isso terão que ser, justamente, "esportivos".

No que tange às salas temporárias para o Beethovenfest: para grandes concertos de orquestra, só existe o World Conference Center Bonn. Mas, enfim, um salão de congressos é um salão de congressos, precisamos ver o que se pode fazer. As primeiras impressões acústicas – a Beethovenorchester fez um teste lá – não foram tão más quanto pensávamos. Mas ainda estamos lutando por melhorias.

Sua programação para as edições do Beethovenfest até o ano do jubileu ficou comprometida?

De início, eu programo como se dispusesse de todos os locais de apresentações do mundo; depois vamos ver o que é realizável. Mas, de fato, eu considero a questão do local o maior problema de um festival que pretende se realizar em Bonn. Sem ruínas industriais pitorescas, sem sala de concertos de porte médio com configuração espacial variável... Mas alguma coisa ainda pode evoluir na jovem cidade natal de Beethoven.

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