1. Pular para o conteúdo
  2. Pular para o menu principal
  3. Ver mais sites da DW

Chagall e a Alemanha, relação de amor e ódio

(ns)5 de fevereiro de 2004

O Museu Judaico de Frankfurt apresenta 140 quadros de Marc Chagall. Descoberto por galeristas e colecionadores alemães em 1913, Chagall teve seus quadros expostos nas mostras de "arte degenerada" durante o nazismo.

O grande 'Commedia dell' Arte'Foto: AP

O pintor judeu nascido em Witebsks, hoje Bielorrússia, viveu principalmente na Rússia, França e nos Estados Unidos. As relações com a Alemanha, porém, foram tão importantes para o seu reconhecimento mundial quanto difíceis. Elas espelham de forma exemplar os altos e baixos da história alemã.

Uma exposição que atravessa a história

São relações entre um dos grandes pintores contemporâneos e um país que, no início do século 20, viveu uma grande abertura às artes e à modernidade, o que terminou abruptamente com a ascensão de Hitler ao poder em 1933.

Passada a barbárie nazista, os quadros de Marc Chagall voltam aos museus alemães, sendo admirados por um grande público que vê nas suas imagens bíblicas e transcendentes um convite à conciliação.

A exposição de Frankfurt - dividida entre o Museu Judaico e o Museu de Ícones - é a primeira mostra ampla sobre "Chagall e a Alemanha", 18 anos após a morte do mago das cores. "É estranho que até agora nenhuma exposição tenha tratado do tema", observou a neta do pintor, Meret Meyer, na abertura da mostra, que reuniu 140 maravilhosos quadros dos principais museus do mundo.

Seu título Verehrt und Verfemt (admirado e abominado) não poderia ser mais adequado. Muitos quadros integram coleções particulares e são exibidos em público pela primeira vez. Mesmo Meret Meyer não conhecia muitos deles. A exposição abarca os três períodos: o início do século 20, o nazismo e o pós-guerra.

Berlim descobre Chagall em 1913

Auto-retrato de Chagall (1914)Foto: VBK

Marc Chagal tinha apenas 26 anos e era um pintor praticamente desconhecido quando foi convidado a expor em 1913 na Galeria Sturm, em Berlim. Ela pertencia ao crítico Herwarth Walden, que o conhecera um ano antes em Paris, por intermédio do poeta Guilleaume Apollinaire. Ele e outros escritores apreciavam a fantasia e as cores de Chagall. E como o pintor, influenciado pelo universo naïv de sua origem judio-russa, sempre conseguia transcendê-lo.

O pintor de vanguarda logo conquistou a admiração de um pequeno mas seleto público na Alemanha, constituído por famosos galeristas, críticos, colecionadores e diretores de museu da República de Weimar. O grandioso quadro da crucificação hoje conhecido como Calvário, de 1912, foi um dos primeiros que ele conseguiu vender. Ele foi comprado pelo industrial berlinense Bernhard Köhler, cunhado de August Macke e um dos grandes colecionadores e mecenas do grupo de artistas Blauer Ritter, Cavaleiro Azul.

O "Calvário" de um povo e de um artista

Inspirado no cubismo francês e na tradição iconográfica russa, com suas cores fortes e figuras flutuantes, o Calvário foi parar depois no Museum of Modern Art New York, e agora pode ser admirado em Frankfurt. Até 1933, mais de 200 obras de Chagall foram adquiridas por particulares e museus alemães. Algumas das hoje consideradas obras mestras do pintor pertenceram a coleções na Alemanha e agora fazem parte do acervo dos principais museus do mundo.

A Alemanha também foi decisiva para Marc Chagall em outro sentido: quando viveu em Berlim, de 1922 a 1923, ele aprendeu as técnicas gráficas que abririam novas perspectivas para sua arte. Foi em Berlim que Chagall fez o ciclo de gravuras Minha Vida.

Aquarela 'O rabino' de Marc Chagall. Um dos dois quadros de Chagall com rabinos como motivo foi retirado da Pinacoteca de Mannheim em 1933, e transportado pela cidade em um carrinho de mão, durante arruaças nazistas.Foto: AP

As obras de Chagall passaram a ser consideradas uma afronta à estética nazista com a ascensão de Hitler ao poder, em 1933. A difamação prosseguiu até serem tidas como exemplos de "arte degenerada" em 1938. Exibidos pelos nazistas em exposições assim intituladas, muitos de seus quadros foram confiscados de museus e galerias - entre eles várias obras mestras - e depois vendidos no exterior.

À esquerda 'Cruxificação em amarelo' (1942). À direita, 'A Obsessão' (1943)Foto: AP

Chagall reagiu à brutal discriminação dos judeus e ao Holocausto pintando novas imagens do Cristo morto e crucificado, metáforas do sofrimento de seu povo, como A crucificação branca, de 1938. Vivendo na França, o artista não conseguiu terminar suas gravuras sobre temas bíblicos - culpa e expiação, vingança e maldição - tendo que fugir dos nazistas em 1944. Só concluiu a série nos anos 50, após seu retorno dos Estados Unidos.

Redescoberta e reconciliação

Na década de 50 seus quadros são novamente expostos na Alemanha, atraindo um grande público, que até então fora privado da arte moderna. Os alemães associam quadros como Moisés recebe a tábua dos mandamentos e as gravuras sobre a Bíblia ao seu desejo de reconciliação. Ao mesmo tempo, os museus tentam recuperar quadros confiscados e adquirir outros. Em Frankfurt, uma fundação comprou o grande quadro de Chagall Commedia dell'Arte para o foyer do Teatro Municipal da cidade.

No marco dessa reconciliação almejada pelas autoridades da República Federal da Alemanha, os novos vitrais da Catedral de São Estêvão, em Mainz, são encomendados a um Marc Chagall bastante idoso, tornando-se o último trabalho que ele conseguiu concluir.

Pular a seção Mais sobre este assunto