Há 75 anos estreava na Europa a ousada sátira ao ditador nazista. Numa produção que enfrentou resistência, sua realização só foi possível por o cineasta não ter noção da real extensão do horror na Alemanha.
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Quando O grande ditador, de Charlie Chaplin, foi exibido pela primeira vez ao público europeu, em 16 de dezembro de 1940, em Londres, ele já vinha precedido pelas reações do outro lado do Atlântico: a sátira sobre Adolf Hitler havia sido lançada dois meses antes em Nova York.
"Uma obra verdadeiramente extraordinária de um artista verdadeiramente grande. E, de um certo ponto de vista, talvez o filme mais significativo que já foi produzido", elogiou na época o jornal The New York Times.
Na Europa, a Segunda Guerra Mundial se propagava, e ninguém sabia ainda como as tropas alemãs seriam detidas. Os espectadores foram confrontados, portanto, com um conteúdo que não poderia ser mais atual e ameaçador.
Horror real paralisador
Em 1940, Charlie Chaplin estava entre os maiores artistas e comediantes do cinema. Muitos se surpreenderam que ele tivesse escolhido um tema tão delicado para seu primeiro filme inteiramente sonorizado.
O próprio cineasta revelaria mais tarde que não teria como encenar sua obra, se na época toda a extensão do terror nazista já tivesse vindo à tona. "Se soubesse do horror dos campos de concentração alemão, eu não teria podido fazer O grande ditador", admitiu.
O autor americano Paul Duncan, especializado em biografar cineastas, compilou essa e outras histórias em The Charlie Chaplin archives (Os arquivos de Charlie Chaplin, em tradução livre). Através de ensaios, fotos e outros documentos, em parte inéditos, a publicação documenta a obra do cineasta britânico. O volume de 560 páginas, em formato gigante, é disponível em quatro versões: em alemão, inglês, francês e espanhol. Um capítulo central é dedicado a O grande ditador.
Solidariedade com os judeus
Sobre sua motivação para o filme, Chaplin comentou certa vez: "Para mim, a coisa mais engraçada do mundo pode ser ridicularizar fanfarrões e exibicionistas em altos cargos. Quanto maior o fanfarrão com que se trabalha, maiores são as chances de o filme ser engraçado. E seria difícil encontrar um fanfarrão do calibre de Hitler."
A antipatia mútua entre o artista inglês e o ditador nascido na Áustria tinha longa história prévia. Já na década de 20, o cômico fora atacado pela propaganda nacionalista da Alemanha. "Charlie Chaplin é judeu [...] Suas ações são as de um vagabundo, sempre entrando em conflito com as leis", afirmava o panfleto de agitação popular Der Stürmer, em 1926.
Desse modo era imputada a Chaplin "uma genealogia livremente inventada", nas palavras de Paul Duncan. O artista não era judeu, mas durante toda a vida se negou a rebater publicamente a afirmação. Segundo o político e cineasta inglês Ivor Montagu: "Ele diz que toda pessoa que rechaça isso, faz o jogo dos antissemitas."
Solidariedade com os judeus, portanto, era o que Chaplin desejava expressar com seu posicionamento e com seus filmes. Durante uma estada em Berlim em março de 1931, houve protestos anti-Chaplin diante de seu hotel, organizados pelos nazistas.
Bigodinho e outros pontos em comum
Desde cedo comentava-se nos meios políticos e cinematográficos como Chaplin e Hitler, ambos nascidos em abril de 1889, tinham algumas características em comum na aparência.
O escritor William Walter Crotch relatou na revista New Statesman and Nation: "Eu morava em 1921 em Munique [...] e com frequência me chamava a atenção na rua um homem que me lembrava vagamente uma versão militante de Charlie Chaplin, devido ao bigode característico e o andar quicante." Então o quitandeiro lhe contou que se tratava de Adolf Hitler, de Braunau, na Áustria, líder de uma minúscula facção política.
Assim, para Chaplin não foi um salto tão grande representar Hitler nas telas. No entanto, o diretor e ator teve que superar obstáculos de várias origens, antes que se batesse a claquete inicial para O grande ditador.
O projeto era controvertido para a opinião pública dos Estados Unidos, entre outras, os círculos conservadores protestaram. O voto definitivo coube ao presidente Franklin D. Roosevelt, que interveio pessoalmente junto ao britânico, pedindo-lhe que se aferrasse, por todos os meios, ao projeto cinematográfico – ao qual Chaplin até já pensara seriamente em renunciar.
Na Alemanha, a sátira de Hitler só chegaria às salas de exibição em 1958. Apesar de as duas sessões de teste para o público alemão terem sido bastante bem recebidas, logo após o fim da guerra, as autoridades americanas na Alemanha decidiram não lançar a película no país.
Mundos cinematográficos
Desde os primórdios do cinema, cenários elaborados são criados para filmes. Antes feitos de papel machê, hoje eles nascem no computador. Relembre universos fictícios de sucesso, de "Metrópolis" a "Jogos Vorazes".
Foto: picture-alliance/dpa/M. Close
Jogos Vorazes
Os quatro filmes da série "Jogos Vorazes" são o exemplo mais recente de um mundo fictício extremamente elaborado para o universo cinematográfico. Milhões de dólares foram gastos com o cenário. O resto surgiu, como na maioria dos novos filmes do gênero, a partir do computador. A quarta parte da série, "Jogos Vorazes: A Esperança - O Final", chega em novembro de 2015 aos cinemas mundo afora.
Foto: picture-alliance/dpa/Studiocanal/M. Close
Primeira viagem à Lua
O diretor francês Georges Méliès é considerado o pioneiro dos mundos fictícios na telona. Seu mais famoso filme, "Viagem à Lua", de 1902, mostrou aos surpresos espectadores daquele tempo do que o cinema era capaz. Não só a Lua aparece na tela como um corpo celeste, como também há detalhes de uma paisagem num planeta distante.
Foto: picture-alliance/dpa
Fantasia alemã
Foi o diretor alemão Fritz Lang que criou, em grande estilo, um mundo visionário para o seu filme "Metrópolis", de 1927. A ficção científica do cineasta estabeleceu novos padrões, e, ainda hoje, muitos diretores se inspiram nas imagens e estruturas do filme.
Foto: picture alliance / dpa
Ray Harryhausen
O técnico de efeitos americano Ray Harryhausen aperfeiçoou a chamada técnica de stop-motion na década de 1950. Muitos filmes famosos do gênero, como "O Monstro do Mar Revolto" (1955) ou "A Invasão Dos Discos Voadores" (1956), foram criados usando essa técnica. Diversos filmes de desastres e ficção científica receberam os retoques finais de Harryhausen.
Foto: Getty Images
De olho no futuro
Especialmente nos filmes de ficção científica, cenógrafos podiam extravasar e criar mundos artificiais. Para a série de TV "Star Trek", que foi lançada na década de 1960 e também inspirou alguns filmes, não foram construídas apenas naves espaciais, mas também vários planetas diferentes. Recentemente, foi anunciada a continuação de "Star Trek" na TV americana.
Foto: picture-alliance/dpa
Star Wars
1977 foi o ano dele, o responsável pela criação de novos mundos na telona: o diretor americano George Lucas levou o primeiro Star Wars aos cinemas. Gerações inteiras de jovens fãs se mostraram encantados com o universo cinematográfico do diretor. Um fascínio que continua até hoje. Em meados de dezembro deste ano, estreia um novo filme da série.
Foto: imago/AD
Mad Max
Dois anos mais tarde, a primeira parte de Mad Max, do australiano George Miller, foi lançada. O cineasta mostrou muita imaginação com sua mistura de visão do futuro e olhar para o passado. A partir de então, mundos artificiais começaram a se misturar bastante. Em filmes como "Mad Max: Estrada da Fúria" (2015), o futuro parece bastante antigo em certos momentos.
Foto: picture alliance/AP Photo/Warner Bros/
Tim Burton
Com filmes como "Edward Mãos de Tesoura" (1990) e "Alice no País das Maravilhas" (2010), o diretor americano Tim Burton se mostrou particularmente imaginativo. Seus mundos artificiais foram parar até em museus. O Max Ernst Museum, em Brühl, Alemanha, está com uma exposição que mostra a trajetória do diretor. De lá, ela segue para o Museu da Imagem e do Som (MIS) de São Paulo, em fevereiro de 2016.
Foto: picture-alliance/dpa/M. Becker
Roland Emmerich
O diretor alemão Roland Emmerich tem se mostrado um transgressor dos mundos fictícios cinematrográficos nos últimos anos. Emmerich, que fez muito sucesso em Hollywood com filmes como "Independence Day" (1996) e "Godzilla" (1998), é um especialista em filmes sobre o futuro e desastres.
Foto: picture-alliance/dpa/Film
Blade Runner
Provavelmente o mais impressionante dos mundos artificiais, pelo menos no gênero da ficção científica, foi criado para o filme "Blade Runner", de 1982. O caçador de replicantes Rick Deckard, personagem de Harrison Ford (à dir.) percorre, ao longo do filme, um mundo futurista fantástico, que, ao contrário de obras como "Star Wars", tem muitas dimensões realistas.
Foto: picture-alliance/dpa
O Quinto Elemento
Se Blade Runner estabeleceu novos padrões para o cinema de Hollywood, o filme francês "O Quinto Elemento", de 1997, mostra que os diretores europeus também têm muito a oferecer em termos de mundos artificiais. A ficção científica de Luc Besson remete, em algumas cenas, a "Blade Runner", mas o diretor também definiu seus próprios contornos.
Foto: picture-alliance/dpa
O Senhor dos Anéis
A trilogia "O Senhor dos Anéis" foi inovadora no gênero fantasia. Os filmes de 2001 a 2003 (na imagem, Christopher Lee em As Duas Torres) ofereceram aos fãs ao redor do mundo uma mistura de fantasia e espetáculo histórico. Devido ao sucesso comercial, uma década depois, foram filmadas também as três partes da série "O Hobbit".
Foto: picture-alliance/dpa/Warner
Avatar
"Avatar" (2009), do diretor James Cameron, é o filme de maior sucesso de todos os tempos. Os cenários extremamente criativos foram feitos, sobretudo, pelo computador. O efeito 3D foi usado de forma muito eficaz, o que fez com que a técnica, que já havia obtido algum sucesso em 1950, voltasse a estourar.
Embora, no geral, os mundos fantasiosos sejam mais orientados para o gênero comercial à la Hollywood, surgem, aqui e ali, universos fictícios entre o cinema autoral europeu. Um bom exemplo é o filme "Melancolia" (2011), do diretor dinamarquês Lars von Trier. Mas mesmo eles acabam recorrendo, em boa parte, aos efeitos digitais.
Foto: picture-alliance/dpa/Concorde Filmverleih
Game of Thrones
A série de televisão "Game of Thrones" prova que mundos artificiais não são criados apenas para as telonas. Produzida desde 2011 para um canal americano, a série tem cinco temporadas e conquistou o público mundo afora.
Foto: picture alliance / AP Photo
Perdido em Marte
Este filme de 2015 é outro exemplo recente de uma produção que criou um mundo totalmente próprio para o cinema. O enredo do filme de grande sucesso se passa quase exclusivamente em Marte. "Perdido em Marte" abre mão de monstros e outras figuras fantasiosas. As paisagens foram todas concebidas por computador ou filmadas na Terra. Assim, mundos artificiais também podem parecer bem reais.