"Charlie Hebdo" criticado por zombar de vítimas de terremoto
Stefan Dege (av)5 de setembro de 2016
Sátira comparando mortos e feridos de tremor na Itália a pratos como lasanha e macarrão com molho de tomate causa indignação. Ex-simpatizantes se distanciam com hashtag #JeNeSuisPasCharlie.
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Menos de duas semanas após o devastador terremoto no centro da Itália, o tabloide satírico francês Charlie Hebdo desencadeou um segundo abalo, desta vez de indignação, na internet.
Sua charge intitulada "Sismo à italiana" compara as vítimas da catástrofe a pratos de massa: um homem ensanguentado é "Penne com molho de tomate", uma mulher com queimaduras, "Penne gratinada", e um monte de pessoas soterradas, "Lasanha".
As reações de repúdio não se fizeram esperar. Já na sexta-feira (02/08), Sergio Pirozzi, prefeito da cidade mais duramente atingida, Amatrice, comentava à agência de notícias Ansa: "Mas quem é o desgraçado que faz caricaturas de mortos?" A charge seria "repugnante e constrangedora", acrescentou, ressalvando estar seguro de que ela "não corresponde aos verdadeiros sentimentos dos franceses".
Milhares de internautas, não só italianos, também expressaram sua cólera em comentários na página do semanário no Facebook e em tweets.
Guido Tresoldi, bibliotecário universitário italiano radicado na Austrália, comentou: "Charlie Hebdo ri das vítimas do #ItalyEarthquake. #JeSuisCharlieHebdo minha bunda." Um usuário também condenou: "Agora vocês foram longe demais"
Outro escreveu: "Isso não é sátira. Não é engraçado. É simplesmente errado."
Após o terremoto de 24 de agosto, de magnitude 6,2, quase 300 pessoas morreram e lugarejos inteiros foram parcialmente destruídos no norte da Itália. No momento investiga-se também o que levou tantos prédios supostamente à prova de terremotos a desabarem.
"Por que não abraçam a Itália?"
Em anos recentes, o tabloide Charlie Hebdo ganhou notoriedade com caricaturas do profeta muçulmano Maomé, que culminaram em janeiro de 2015 num atentado a sua redação em Paris. Os autores eram fundamentalistas islâmicos, que mataram 11 pessoas.
O ataque desencadeou uma onda de solidariedade pelo mundo, expressa no slogan "Je suis Charlie" (Eu sou Charlie). Agora, diversos leitores e ex-simpatizantes se distanciam dos humoristas parisienses sob a hashtag #JeNeSuisPasCharlie.
No fim de semana, também a embaixada francesa em Roma condenou a sátira. Neste meio tempo, o semanário reagiu às críticas, publicando no Facebook uma nova caricatura, em que uma vítima gravemente ferida "explica", em meio a casas destroçadas: "Italianos, não é o Charlie Hebdo que constrói as casas de vocês, é a Máfia!"
Lembrando as reações internacionais de solidariedade por ocasião do atentado à redação do semanário, um usuário do Twitter perguntou: "Na época, todo o mundo abraçou vocês e Paris. Por que vocês não abraçam a Itália?"
O jornal satírico "Charlie Hebdo"
Semanário é conhecido por suas caricaturas e matérias sobre política, economia e sociedade. Humor mordaz se volta principalmente contra políticos e o papa, além do profeta Maomé.
Jornalismo com humor
A capa da atual edição é dedicada ao mais recente romance de Michel Houellebecq, "Soumission" (Submissão). O livro retrata a França no futuro como um país islamizado, sob o governo de um presidente muçulmano.
Foto: B. Guay/AFP/Getty Images
Controversa "biografia de Maomé"
Em janeiro de 2013, o semanário provocou polêmica internacional e despertou a ira da comunidade islâmica com o lançamento de uma edição especial que contava a história do profeta islâmico em quadrinhos de forma satírica.
Foto: Miguel Medina/AFP/Getty Images
Críticas ácidas
Em novembro de 2012, o jornal fez uma caricatura em relação aos debates na França sobre o casamento entre homossexuais. Com um desenho em alusão ao arcebispo de Paris, André Vingt-Trois, o jornal titulou "Arcebispo Vingt-Trois tem três pais".
Foto: Francois Guillot/AFP/Getty Images
Direito à liberdade de expressão
"Não se trata de provocação", disse Gérard Biard, editor do "Charlie Hebdo", em entrevista à DW em setembro de 2012, sobre os desenhos de Maomé publicados pelo semanário. Segundo ele, a publicação exerce o direito da liberdade de expressão ao publicar caricaturas do profeta, não sendo responsável por eventuais reações violentas.
Foto: imago/PanoramiC
Wolinski está entre os mortos
Entre os mortos estão o diretor de redação da publicação, Stephane Charbonnier, conhecido como Charb, e o cartunista Georges Wolinski (foto), considerado o maior nome do quadrinho francês. Ele, que nasceu na Tunísia, foi para a França com 13 anos. Na década de 1960, começou sua carreira ao fazer desenhos para o jornal satírico "Hara-Kiri".
Foto: picture-alliance/dpa
Cabu fundou o jornal "Hara-Kiri"
O cartunista Jean Cabut, conhecido como Cabu, foi outra vítima do atentado na redação do semanário. Ele era bastante popular na França e também trabalhou na televisão. Na década de 1960, ele também foi um dos fundadores do jornal satírico "Hara-Kiri".
Foto: picture-alliance/dpa
Duras críticas após charges de Maomé
O diretor do jornal, Stephane Charbonnier, mais conhecido como Charb, defendeu a liberdade de expressão após as publicações polêmicas com as charges de Maomé. Ele ficou famoso por causa da repercussão do semanário Charlie Hebdo.
Foto: picture-alliance/dpa/EPA/Y. Valat
Críticas às religiões e figuras internacionais
O semanário é conhecido por criticar religiões, o presidente da França e figuras políticas internacionais. Na capa, o jornal estampa uma caricatura de Bin Laden com o título "Bin Laden ameaça a França" e um personagem falando "Mais um policial disfarçado".
Crítica ácida às religiões
Em suas edições semanais, o jornal critica não só a religião islâmica, mas também católicos e judeus. Várias capas da publicação já publicaram caricaturas sobre o pedofilismo na Igreja Católica. Nesta capa, que ficou famosa, um judeu ortodoxo empurra um muçulmano numa cadeira de rodas, numa alusão ao filme "Os intocáveis".