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"Charlie Hebdo" publica edição especial um ano após atentado

4 de janeiro de 2016

Semanário satírico francês chega às bancas em edição com o dobro de páginas e 1 milhão de exemplares. "Convicções dos ateus podem mover mais montanhas do que a fé dos crentes", afirma editorial.

Foto: Charlie Hebdo

O semanário satírico francês Charlie Hebdo reivindica sua sobrevivência ao fanatismo religioso numa edição especial do primeiro aniversário do atentado jihadista contra sua redação, em 7 de janeiro de 2015. A edição especial, que chega às bancas nesta quarta-feira (06/01), tem na capa a manchete "Um ano depois, o assassino ainda está à solta" e a caricatura de um deus correndo com a barba e as vestes ensanguentadas e um fuzil kalashnikov nas costas.

A tiragem prevista é de 1 milhão de exemplares com 32 páginas, em vez das 16 habituais. Dezenas de milhares serão enviados para o exterior. A edição especial inclui um caderno com desenhos dos cartunistas mortos há um ano – Cabu, Wolinski, Charb, Tignous, Honoré – e de colaboradores externos, entre os quais a ministra francesa da Cultura, Fleur Pellerin, atrizes como Isabelle Adjani, Charlotte Gainsbourg e Juliette Binoche, intelectuais como Élisabeth Badinter, Taslima Nasreen (Bangladesh) e Russell Banks (Estados Unidos) e o músico Ibrahim Maalouf.

Num editorial inflamado, o cartunista Riss, que foi gravemente ferido no atentado de 7 de janeiro e é o atual diretor do semanário, afirma que, desde a publicação das famosas caricaturas do profeta Maomé, em 2006, "muitos esperavam que nos matassem". Ele inclui nesse grupo "fanáticos embrutecidos pelo Alcorão" e também seguidores de outras religiões que "nos desejavam o inferno em que creem por termos nos atrevido a rir da religião". Em sua crítica ele inclui ainda alguns "intelectuais amargurados" e "jornalistas invejosos".

O cartunista lembra que a redação do jornal foi vítima de um primeiro atentado em 2011, quando suas instalações foram incendiadas num momento em que estavam vazias.

Riss diz que nunca teve tanta vontade de seguir adiante com a publicação como após o atentado de janeiro. "Nunca tivemos tanto desejo de quebrar a cara daqueles que sonharam com o nosso desaparecimento. Não serão uns idiotas encapuzados que vão destruir o trabalho de nossas vidas e todos os momentos formidáveis que vivemos com aqueles que morreram." Sua conclusão é que "as convicções dos ateus e dos laicos podem mover ainda mais montanhas do que a fé dos crentes".

Os ataques de 7 de janeiro de 2015

Doze pessoas morreram no atentado executado por jihadistas contra o semanário satírico, cuja irreverência em relação a todas as religiões é uma marca assumida. Os autores do atentado são os irmãos Said e Chérif Kouachi.

Enquanto a polícia vasculhava a capital francesa em busca dos atiradores, Amedy Coulibaly, um francês radicalizado que afirmou estar agindo com os irmãos Kouachi, matou uma policial.

No dia seguinte, ele fez reféns num mercado judaico, matando quatro pessoas antes de a polícia invadir o local e matá-lo. Os irmãos Kouachi foram mortos em um tiroteio no norte de Paris, no mesmo dia.

Luto e reflexão

No domingo seguinte, 11 de janeiro de 2015, o presidente François Hollande liderou, em luto, uma marcha antiterrorismo que reuniu dezenas de líderes mundiais, entre eles a chanceler federal alemã, Angela Merkel, o primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu, e o presidente palestino, Mahmoud Abbas.

Mais de quatro milhões de pessoas participaram de passeatas em toda a França, num sinal de união que não era visto desde a liberação do país da tirania nazista, em 1944.

Mas por trás da aparente unidade começou um acirrado debate sobre a liberdade de expressão. Muitos muçulmanos deixaram claro que, ao mesmo tempo em que condenavam a violência, sentiram-se ofendidos pelo que consideraram uma representação preconceituosa de sua fé pelo Charlie Hebdo.

Em defesa da publicação, apoiadores disseram que o semanário segue uma tradição francesa de sátira que não poupa ninguém, incluindo o papa, magnatas, políticos, celebridades ou esportistas.

A sociedade francesa também passou a se perguntar como os atiradores, que cresceram e foram educados na França, tornaram-se radicais. O primeiro-ministro Manuel Valls falou de um "apartheid étnico social" em que se perdem os filhos de imigrantes nas áreas mais pobres das cidades francesas.

Uma semana depois do atentado, jornal satírico afirmou que "está tudo perdoado"Foto: picture-alliance/dpa/P. Seeger

"Está tudo perdoado"

Uma semana após o atentado, o Charlie Hebdo publicou uma "edição dos sobreviventes" que vendeu 7,5 milhões de exemplares na França e em todo o mundo com a manchete "Está tudo perdoado".

Atualmente, o jornal vende cerca de 100 mil exemplares em bancas – 10 mil deles fora da França – aos quais se juntam 183 mil assinaturas. Antes do atentado, a publicação atravessava grandes dificuldades financeiras e vendia apenas 30 mil exemplares por semana.

Dez meses após os atentados contra a redação do Charlie Hebdo e um mercado judaico, Paris foi alvo de novos atentados jihadistas no dia 13 de novembro. Ao todo, 130 pessoas foram mortas, a maioria delas na casa de espetáculos Bataclan.

FF/lusa/efe/afp

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