Cansado de ouvir frases racistas na capital alemã, o artista americano Isaiah Lopaz resolveu estampá-las em camisetas e reuni-las numa série fotográfica. Sua intenção é estimular a reflexão e combater o preconceito.
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"Mesmo sendo negro, você é realmente bonito", "você não tem cultura, porque é descendente de escravos", "vou dar uma festa, você pode trazer comida africana". Essas são algumas das frases que o artista americano Isaiah Lopaz, de 36 anos, ouviu ao longo dos quase dez anos que mora em Berlim, cidade conhecida por ser multicultural.
Natural de Los Angeles, o artista foi alvo de racismo na capital alemã em várias situações, inclusive em bairros com grande concentração de estrangeiros e jovens, como Kreuzberg. Um dos episódios ocorreu nos seus primeiros dias na cidade, em 2007, quando fazia compras num supermercado perto da estação Kottbusser Tor.
Dentro do mercado, Lopaz foi seguido por um casal, que, depois de alguns minutos, se aproximou. Inicialmente, ele não compreendeu a intenção do casal, que disse, então, querer algo para fumar. Foi aí que a ficha caiu. "Eu não vendo drogas", respondeu. A resposta não foi suficiente, e o casal continuou insistindo, perguntando onde poderia comprar maconha.
Essa foi a primeira vez que Lopaz foi confundido com traficante em Berlim. O episódio se repetia quase todas as vezes que ele saía à noite. Após cortar o cabelo, antes com dreads, as perguntas sobre drogas diminuiram, mas o julgamento baseado em estereótipos, seguido de frases ditas sem nenhuma reflexão, continuou.
"De onde você realmente vem?", perguntaram repetidas vezes a Lopaz, parecendo esperar a resposta "Da África". Cansado de ouvir frase como essa e em busca de estimular a reflexão sobre o racismo, o artista resolveu partir para a confrontação no projeto fotográfico "Coisas que você pode dizer somente olhando para ele".
Na série de autorretratos, Lopaz posa em diferentes pontos da cidade usando camisetas com frases racistas que ouviu nas ruas berlinenses. O trabalho foi reunido no blog Him Noir. O artista conta que, com essas imagens, procura promover o diálogo sobre raça, política e cultura.
Uma das reações ao trabalho foi a surpresa de muitos sobre o racismo latente na capital alemã. "Berlim é uma cidade que faz parte de um Estado, de uma nação, de uma união de nações europeias com um passado horrível, racista, colonial e imperialista. Se isso não é entendido, como esperar resolver essa questão?", questionou Lopaz.
O artista lembrou ainda que esse passado ainda está bastante presente em Berlim, onde nomes de ruas homenageiam "heróis" do passado colonial que cometeram atrocidades na África.
"Coisas que você pode dizer somente olhando para ele" rendeu frutos e abriu espaço para outras vítimas de racismo compartilharem suas experiências. Lopaz trabalha atualmente numa série de rádio chamada Portrait Noir, que conta histórias de negros e queers. Além disso, o artista está produzindo camisetas com frases ouvidas por outros negros que moram na Europa.
Clarissa Neher é jornalista freelancer na DW Brasil e mora desde 2008 na capital alemã. Na coluna Checkpoint Berlim, publicada às segundas-feiras, escreve sobre a cidade que já não é mais tão pobre, mas continua sexy.
Dez fatos sobre a Alemanha colonialista
Os dolorosos legados do passado colonial alemão.
Foto: Jürgen Bätz/dpa/picture alliance
"Nosso futuro está na água"
Sob o chanceler Otto von Bismarck, o Império Alemão estabeleceu colônias nos atuais territórios da Namíbia, Camarões, Togo, partes da Tanzânia e do Quênia. O imperador Guilherme 2°, coroado em 1888, procurou expandir ainda mais as possessões coloniais através da criação de novas frotas de navios. O império queria seu "lugar ao Sol", declarou Bernhard von Bülow, um chanceler posterior, em 1897.
Foto: picture alliance/dpa/K-D.Gabbert
Colônias alemãs
Foram adquiridos territórios no Pacífico (Nova Guiné do Norte, Arquipélago de Bismarck, Ilhas Marshall e Ilhas Salomão, Samoa) e na China (Qingdao). Em 1890, uma conferência em Bruxelas determinou que o Império Alemão obtivesse os reinos de Ruanda e Burundi, unindo-os à África Oriental Alemã. Até o final do século 19, as conquistas coloniais da Alemanha estavam praticamente concluídas.
Foto: picture-alliance / akg-images
Um sistema de desigualdade
Nas colônias, a população branca formava uma minoria pequena e altamente privilegiada – raramente mais de 1% da população. Em 1914, por volta de 25 mil alemães moravam nas colônias. Desses, pouco menos da metade vivia no Sudeste Africano Alemão. Os 13 milhões de nativos nas colônias germânicas eram vistos como subordinados, sem acesso a nenhum recurso da lei.
Foto: picture-alliance/dpa/arkivi
O primeiro genocídio do século 20
O genocídio praticado contra os hereros e os namas no Sudeste Africano Alemão, hoje Namíbia, foi o crime mais grave da história colonial da Alemanha. Durante a Batalha de Waterberg, em 1904, a maioria dos rebeldes hereros fugiu para o deserto, com as tropas alemãs bloqueando sistematicamente seu acesso à água. Estima-se que mais de 60 mil hereros morreram na ocasião.
Foto: public domain
Crime alemão
Somente 16 mil hereros sobreviveram à campanha de extermínio. Eles foram aprisionados em campos de concentração, onde muitos morreram. O número exato de vítimas nunca foi constatado e continua a ser um ponto de controvérsia. Quanto tempo esses hereros debilitados sobreviveram no deserto? De qualquer forma, eles perderam todos os seus bens, seu estilo de vida e suas perspectivas futuras.
Foto: public domain
Guerra colonial de longo alcance
De 1905 a 1907, uma ampla aliança de grupos étnicos se rebelou contra o domínio colonialista na África Oriental Alemã. Por volta de 100 mil locais morreram na revolta de Maji-Maji. Embora tenha sido, posteriormente, um tema pouco discutido na Alemanha, este capítulo permanece importante na história da Tanzânia.
Foto: Downluke
Reformas em 1907
Na sequência das guerras coloniais, a administração nos territórios alemães foi reestruturada com o objetivo de melhorar as condições de vida ali. Bernhard Dernburg, um empresário bem-sucedido (na foto sendo carregado na África Oriental Alemã), foi nomeado secretário de Estado para Assuntos Coloniais em 1907 e introduziu reformas nas políticas do Império Alemão para seus protetorados.
Foto: picture alliance/akg-images
Ciência e as colônias
Junto às reformas de Dernburg, foram estabelecidas instituições técnicas e científicas para lidar com questões coloniais, criando-se faculdades nas atuais universidades de Hamburgo e Kassel. Em 1906, Robert Koch dirigiu uma longa expedição à África para investigar a transmissão da doença do sono. Na foto, veem-se espécimes microscópicas colhidas ali.
Foto: Deutsches Historisches Museum/T. Bruns
Colônias perdidas
Derrotada na Primeira Guerra Mundial, em 1919, a Alemanha assinou o tratado de paz em Versalhes, especificando que o país renunciaria à soberania sobre suas colônias. Cartazes como o da foto ilustram o medo dos alemães de perder seu poder econômico, como também o temor da pobreza e miséria no país.
Foto: DW/J. Hitz
Ambições do Terceiro Reich
Aspirações coloniais ressurgiram sob Hitler – e não somente aquelas definidas no Plano Geral de Metas para o Leste, que delineou a colonização da Europa Central e Oriental através do genocídio e limpeza étnica. Os nazistas também almejavam recuperar as colônias perdidas na África, como evidencia este mapa escolar de 1938. Elas deveriam fornecer matérias-primas para a Alemanha.