Durante dois dias, pesquisadores e curiosos tentaram decifrar diários escritos entre 1914 e 1918. Competição em Berlim faz parte de projeto online que reúne mais de 27 mil documentos sobre a guerra.
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"Se alguém escapava, todo o resto do campo era punido. Uma das punições era a proibição de caminhadas por duas semanas. Durante o verão de 16, foi permitido aos oficiais russos fazer caminhadas sob guarda. Mas todos os passeios cessaram, a exceção era para os ingleses", escreveu o capitão britânico Percival Lowe no diário que manteve entre setembro de 1914 e 1917, durante o período em que foi prisioneiro na Alemanha na Primeira Guerra Mundial.
As palavras do capitão Lowe foram algumas das decifradas durante uma maratona de transcrição que ocorreu no final de junho em Berlim. Durante dois dias, curiosos, estudantes e profissionais do desafio de decifrar diários da Primeira Guerra Mundial.
As maratonas são parte do projeto que reuniu e digitalizou milhares de documentos da Primeira Guerra Mundial (1914 -1918) no portal Europeana, a biblioteca digital da União Europeia. A maioria do conteúdo deste gigantesco arquivo estava em acervos de biblioteca e museus, mas há também arquivos pessoais que foram disponibilizados por seus herdeiros.
Após a fase de digitalização, o projeto começou a convocar voluntários para desvendar os segredos de parte deste material escrito à mão. Neste contexto, a iniciativa organiza competições de transcrição em diversos países europeus.
Em Berlim, 11 grupos participaram do evento que ocorreu na Biblioteca Estadual. Os aproximadamente 35 participantes foram divididos por língua materna – alemão, francês, inglês, espanhol e romeno – em equipes de três a quatro integrantes. Após a largada, o método para ultrapassar os concorrentes variava entre os grupos: alguns tentam decifrar os rabiscos juntos, em outros cada integrante ficava responsável por uma página, e ajuda era solicitada ao se depararem com garranchos ilegíveis.
O grande desafio da competição foi o Sütterlin, o sistema de escrita alemã cursiva criado em 1911, a pedido do governo da Prússia, e usado até a Segunda Guerra Mundial, que nada se parece com a atual caligrafia e é, hoje em dia, indecifrável para boa parte dos alemães. Os organizadores tinham uma colinha para os participantes que não eram familiarizados com essa caligrafia.
No fim da corrida, esse sistema de escrita parece ter sido uma barreira para os grupos da Alemanha. O grande vencedor foi um francês que transcreveu em apenas dois dias mais de 45 mil caracteres – para se ter uma ideia da dimensão: uma página possui cerca de 2,6 mil caracteres.
Além de aumentar o volume de documentos transcritos, um dos objetivos da maratona foi chamar a atenção para o projeto e atrair novos colaboradores. Atualmente, mais de 27 mil documentos referentes à Primeira Guerra estão disponíveis no site da Europeana, destes cerca de 7 mil já foram transcritos e os outros ainda aguardam na fila da transcrição.
Qualquer um pode entrar na competição sem precisar sair de casa. Há uma corrida em curso desde o início do projeto, para isso é necessário se inscrever no site do projeto. Dada largada, é só escolher os documentos que serão decifrados. Além disso, a Europeana promove também maratonas temáticas online. A última ocorreu nos Dia dos Namorados europeu, 14 de fevereiro, e os participantes foram convidados a decifrar cartas de amor escritas em tempos de guerra.
Clarissa Neher é jornalista freelancer na DW Brasil e mora desde 2008 na capital alemã. Na coluna Checkpoint Berlim, publicada às segundas-feiras, escreve sobre a cidade que já não é mais tão pobre, mas continua sexy.
A Grande Guerra na Bélgica
"Expo 14-18. Essa é a nossa história: Exposição na Bélgica". Mostra no Museu belga das Forças Armadas o destino do país de pequena extensão, que foi palco de uma das mais sangrentas batalhas de todos os tempos.
Foto: DW/B. Riegert
Canhões falam...
Após o fracasso da política e da diplomacia, as grandes potências europeias se enfrentaram em território belga. O país, ocupado pelos alemães, se transformou num campo de batalha. A mostra "Expo 14-18. Esta é a nossa história", em Bruxelas, relembra o conflito que aconteceu há 100 anos.
Foto: DW/B. Riegert
Luta entre dois líderes
O imperador alemão Guilherme 2° (ao centro, em pé) enfrenta o próprio parente, o rei da Bélgica, Alberto 1° (à direita). Ligações familiares não ajudaram. Alberto 1° se transforma em herói de guerra e Guilherme 2° acaba perdendo o poder. A Primeira Guerra Mundial significou, para a Bélgica, o duelo entre estes dois homens (Foto de 1910).
Foto: DW/B. Riegert
Ultimato
O imperador alemão ameaçou, no dia 2 de agosto de 1914, invadir a Bélgica. Na imagem, o despacho escrito a mão, que hoje se encontra no Ministério do Exterior em Berlim. O rei Alberto 1° ignorou o ultimato. Os alemães atacaram e ocuparam a Bélgica quase toda até 1918. O próprio rei Alberto lutou na frente de guerra. Por fim, ele recebeu a ajuda de britânicos e norte-americanos.
Foto: DW/B. Riegert
Mapa do horror
Na exposição em Bruxelas, o chão está pintado com os mapas das cidades e frentes de guerra. Num contêiner multimídia, há informações sobre a invasão alemã e a batalha às margens do rio Yser. Os visitantes se movem na penumbra, enquanto dos alto-falantes se ouvem tiros.
Foto: DW/B. Riegert
"Ninguém queria esta guerra"
Elie Barnavi, professor emérito de história de Tel Aviv, assessorou os organizadores da exposição. Segundo ele, ninguém queria essa guerra que destruiu a Bélgica e a tornou um país ocupado. Mas nenhum líder impediu o conflito, completa Barnavi. Muitos inocentes sofreram – isso fica claro na mostra "Expo14-18".
Foto: DW/B. Riegert
Guerra de trincheira
Em trincheiras, como nesta réplica, soldados dos dois lados se enfrentavam. Eles sacrificaram suas vidas em ataques vãos. A frente de guerra se manteve praticamente sem mudanças durante quatro anos.
Foto: DW/B. Riegert
Tédio entre uma batalha e outra
A principal atividade dos soldados era esperar pelo próximo ataque, às vezes durante semanas. Alguns usavam o tempo para construir figuras ou modelos de tanques a partir de explosivos e restos de metal. Assim surgiu uma espécie de "arte das trincheiras".
Foto: DW/B. Riegert
Guerra de gases tóxicos
As tropas alemãs usaram, em 1915, nas proximidades de Ypern, gases tóxicos pela primeira vez. Os soldados belgas tentaram se proteger com óculos, lenços ou máscaras de gás. A substância tóxica e fatal foi usada depois disso em todas as batalhas, deixando um saldo de 1,2 milhão de feridos e 90 mil mortos.
Foto: DW/B. Riegert
Entre ruínas
A exposição mostra também que muitas cidades belgas ficaram completamente destruídas. Aqui, os visitantes da exposição se locomovem literalmente entre as ruínas de Ypern. Nas projeções na parede, os números de mortos, feridos e desterrados.
Foto: DW/B. Riegert
Ocupadores
O general alemão que administrava o país exigia obediência ao extremo. A população era intimidada com detenções e abastecimento precário. Mesmo assim, havia resistência em parte de Flandres. Mas houve também colaboradores.
Foto: DW/B. Riegert
Suvenires macabros
Em dezembro de 1915, os ocupadores alemães decoraram as árvores de Natal com bolas coloridas em forma de bombas e explosivos. E colocaram nelas os nomes das cidades belgas atacadas e destruídas.
Foto: DW/B. Riegert
Explosivos transformados em vasos
Depois do fim da guerra, artistas belgas transformaram os restos de munições, encontradas por todos os lados, em vasos. Uma arte singular do momento pós-guerra. Depois da libertação, os belgas partiram do princípio de que aquela "Grande Guerra" teria sido a última. Eles nem imaginavam que em 1940 a Alemanha viria a invadir e ocupar o país de novo.
Foto: DW/B. Riegert
Aprendizado
Um século depois da eclosão da Primeira Guerra Mundial, a exposição pergunta ao visitante: "E você? O que teria feito?". As respostas podem ser dadas de maneira interativa. "Há guerra justa? Por que causa você morreria hoje?" – estas são algumas das perguntas voltadas sobretudo para o público jovem da mostra.
Foto: DW/B. Riegert
Papoulas de lembrança
Papoulas estilizadas estão à disposição do visitante que quiser levar uma para casa. Com uma delas na lapela, os belgas relembram o horror da Primeira Guerra Mundial. A cor remete ao sangue nos campos de batalha. Papoulas vermelhas floresciam sobre as sepulturas dos soldados mortos.