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Checkpoint Berlim: Poema gera debate sobre sexismo

18 de setembro de 2017

Obra do escritor Eugen Gomringer incomoda estudantes de universidade berlinense, que afirmam que texto trata mulher como objeto e pedem sua remoção. Artistas reagem e saem em defesa do poema.

Poema de Eugen Gomriger na fachada de prédio da Alice Salomon Hochschule Berlin
Poema de Eugen Gomriger na fachada de prédio da Alice Salomon Hochschule BerlinFoto: picture-alliance/dpa/ASH Berlin/D. v. Becker

"Avenidas e flores e mulheres e um admirador" é a última frase do poema do suíço-boliviano Eugen Gomringer, escrito em 1953, que atualmente estampa a fachada de uma universidade em Berlim. Apesar de pintada em 2011, em homenagem ao artista que havia então recebido um prêmio literário oferecido pela instituição, a obra tem gerado polêmica recentemente.

Há cerca de um ano, o Comitê Geral de Estudantes da universidade Alice Salomon Hochschule Berlin promoveu um debate sobre o poema e seu suposto conteúdo sexista e exigiu a remoção do texto. O grupo argumentou que a obra reproduz a tradição patriarcal da arte, que percebe as mulheres apenas como musas para a inspiração de homens.

Em uma carta aberta, o comitê estudantil ressaltou que o poema não assedia diretamente as mulheres, mas reforça o ato desagradável de avaliação pelas quais elas são constantemente submetidas ao se movimentarem em ambientes públicos.

Os estudantes afirmaram ainda que o poema na fachada funciona como um constante alerta de que o olhar de um potencial agressor sexual pode estar em qualquer lugar. A carta ressalta que a remoção do texto não mudaria a sensação de insegurança, mas seria um avanço contra a degradação da mulher percebida como objeto em espaços públicos.

A jornalista Clarissa Neher vive em Berlim desde 2008Foto: DW/G. Fischer

Inicialmente, a reação ficou restrita ao círculo acadêmico. Somente após descobrir que a fachada precisava de uma reforma, a universidade resolveu atender ao pedido e iniciou um concurso de ideias para a nova pintura. Com a recente decisão da reitoria, a polêmica acabou ultrapassando os limites do mundo universitário.

Diversos escritores e artistas saíram em defesa da obra. Eles consideram a remoção um absurdo, além de preocupante, e argumentam que a visão dos estudantes está equivocada. A filha do poeta, Nora Gomringer, disse que o admirador do texto não domina a mulher e seria apenas parte da cena construída.

O autor, de 92 anos, pareceu mais tranquilo, apontando que seu objetivo sempre foi promover debates com poucas palavras. Mas ele ressaltou ser contra a remoção do texto da fachada.

Pessoalmente, não considero o poema sexista, mas não ignoro o fato de que o sexismo continua muito presente na sociedade. Basta olhar para os cartazes eleitorais do partido populista de direita Alternativa para Alemanha (AfD) com a foto de mulheres de biquínis e o slogan "Burcas? Nós gostamos de biquínis", expondo mulheres como objetos sem vontade própria.

Por essa forte presença do sexismo, apesar de ter uma opinião diferente da dos estudantes, acho importante o debate sobre o poema. Quando mulheres se sentem atacadas com determinadas atitudes, elas têm todo o direito de falar sobre isso e serem ouvidas. O combate ao sexismo e a conscientização sobre esse tipo de comportamento não se alcançam com o silêncio.

No caso do poema, pode ser que os estudantes tenham razão, mas seria a remoção a melhor maneira de resolver a questão? O diálogo neste caso, onde há claramente diferentes percepções sobre o texto, poderia abrir espaço para outra solução.

A universidade ainda não decidiu qual será o futuro da fachada. Até meados de outubro, a instituição receberá sugestões de estudantes e funcionários para depois anunciar a decisão.

Clarissa Neher é jornalista freelancer na DW Brasil e mora desde 2008 na capital alemã. Na coluna Checkpoint Berlim, publicada às segundas-feiras, escreve sobre a cidade que já não é mais tão pobre, mas continua sexy.

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