Feira em Berlim reúne há 25 anos nostálgicos pela antiga Alemanha Oriental. Nela, visitantes encontram, além de produtos da RDA, lembranças de um tempo que não existe mais.
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Há 26 anos, a República Democrática Alemã (RDA) morria com a reunificação da Alemanha. Na época, a mudança foi recebida com júbilo por muitos. Era o início de uma nova era, sem os vícios do antigo sistema. Uma era de liberdade e possibilidades infinitas. O tempo passou, e muitas das expectativas iniciais não deixaram de ser expectativas. No decorrer dos anos, um sentimento de frustração e saudade tomou conta de alguns.
Esse sentimento ganhou até um nome em alemão: Ostalgie, ou seja, a nostalgia pela Alemanha Oriental. Em Berlim, essa sensação se faz bastante presente por sua posição geográfica e história. A cidade dividida pelo muro foi o centro do poder da antiga RDA. E na antiga capital socialista, há 25 anos, uma feira oferece aos saudosistas os produtos preferidos daquela época.
Com duas edições anuais, a Ostpro reúne o melhor de produtos e especialidades típicas da RDA, inclusive os pepinos em conserva da região de Spreewald, que ficaram famosos graças ao filme Adeus, Lênin!.
Mas a feira, que parece exótica e divertida, tem um ar melancólico. No início deste mês, ocorreu a última edição da Ostpro do ano. O local que a recebeu foi o SEZ, um antigo ginásio esportivo da RDA, cujos dias de glória passaram há décadas. Filas de visitantes aguardavam para entrar no complexo cor-de-rosa desbotado, que revelava uma decadência de partir o coração.
A impressão exterior se repete dentro do ginásio, com paredes rachadas, teto caindo aos pedaços e pintura encardida. Porém, minha maior surpresa foi com o público. Esperava encontrar muitos turistas e curiosos ansiosos por raridades e produtos especiais.
Mas não: a grande maioria dos frequentadores era idosos da antiga Alemanha Oriental, que se acumulavam em frente aos estandes que vendiam licor de ovo, bolo-árvore, salame de cavalo e, é claro, pepinos do Spreewald.
Não que esses produtos sejam difíceis de encontrar nos mercados, mas, na feira, eles estavam ali reunidos, quase como uma viagem no tempo, eles traziam lembranças de uma época que não existe mais, porém, que deixou saudades. E, assim, iam para casa com sacolas cheias de pequenas alegrias.
A feira acompanhou as transformações ao longo de seus anos. Ela não é mais exclusivamente voltada a produtos da antiga RDA. A globalização lhe pegou em cheio e, em meio a marcas regionais, há diversos estandes vendendo quinquilharias made in China, além de souvenires com símbolos da Alemanha Oriental, oriundos do país oriental que ainda mantém o sistema que foi abandonado aqui há mais de duas décadas.
Clarissa Neher é jornalista freelancer na DW Brasil e mora desde 2008 na capital alemã. Na coluna Checkpoint Berlim, publicada às sextas-feiras, escreve sobre a cidade que já não é mais tão pobre, mas continua sexy.
Como a Alemanha Oriental plagiava produtos ocidentais
Jeans, hambúrgueres e meias de nylon eram muito cobiçados na antiga Alemanha comunista (RDA) e eram feitos para atender à vontade dos consumidores – que muitas vezes não gostavam dos produtos.
Foto: Deutsches Hygienemuseum
O Porsche da Saxônia
Muitos cidadãos da ex-República Democrática da Alemanha (RDA), de regime comunista, só podiam admirar os automóveis Trabant nos catálogos, porque demorava anos para fabricá-lo. O carro conhecido como "Porsche da Saxônia" era motivo de piadas. O "Trabi" era inspirado num modelo ocidental, o LLoyd LP 300, de Bremen. A RDA imitava os produtos ocidentais para atender à sede de consumo da população.
Foto: picture-alliance/dpa
O Leste de jeans
A Alemanha Oriental via o jeans como símbolo do Ocidente capitalista. Mesmo assim, em 1978, a RDA comprou um milhão de calças jeans da marca norte-americana Levi's. Os alemães-orientais chegaram a disputar as calças. Por outro lado, os jeans produzidos na RDA costumavam empoeirar nas prateleiras. Os consumidores achavam que o tecido não era autêntico e que a lavagem não tinha o efeito desejado.
Foto: picture-alliance/dpa
Nylon era sucesso na RDA
Em 1972, a fibra DeDeRon era moda, como mostra a modelo na foto. Na RDA, o tecido – que equivalia ao nylon ocidental – fazia sucesso em roupas, meias e aventais. O governo insistia na variante socialista do produto, cujo nome brincava com a abreviatura do nome do país em alemão (Deutsche Demokratische Republik, DDR). Mas as meias de nylon da Alemanha Ocidental eram as preferidas da população.
Foto: picture-alliance/akg-images
Refrigerante socialista
Enquanto os ocidentais matavam a sede com Coca Cola, a RDA oferecia duas alternativas "socialistas" aos cidadãos: Club Cola e Vita Cola. As duas bebidas deveriam ter o gosto do refrigerante norte-americano – uma tarefa que nem o concorrente da Coca Cola, a Pepsi, conseguiu cumprir. Visitantes do Ocidente criticavam o gosto amargo da Vita Cola.
Foto: Gemeinfrei
O hambúrguer do Leste
Em 1982, o Centro de Pesquisas e Racionalização alemão-oriental apresentou o Grilletta, copiando mais um símbolo do estilo de vida ocidental: o hambúrguer. A receita parece conhecida. Corta-se um pão ao meio, coloca-se um bolinho de carne e ketchup. Este último costumava faltar na RDA e era substituído por outro molho.
Foto: picture-alliance/ZB
Adoçando o cotidiano socialista
A "barra doce" tinha apenas 7% de cacau, apesar de parecer uma barra de chocolate. Para compensar a falta da principal matéria-prima do chocolate, a "barra doce" era completada com açúcar, gordura e uma mistura de avelãs e ervilhas. As fábricas de doces na RDA tinham que lutar constantemente contra a falta de ingredientes, ao contrário da concorrência ocidental.
Foto: picture-alliance/ZB
Música e mercado negro
Pelo selo Amiga, a RDA distribuiu as obras de alguns expoentes da música ocidental, como os Beatles. Mas a liderança comunista costumava descrever o rock do Ocidente como "sujeira". Os álbuns distribuídos pela RDA acabaram por ser apenas uma cópia "pobre" dos originais – o que estimulava o mercado negro de discos de vinil.
Foto: picture-alliance/dpa
Acrobacia de palavras
Também a população da Alemanha Oriental gostava de aeróbica, prática que ficou cada vez mais popular nos anos 1980. Mas não se podia usar o termo "aeróbica" porque o nome vinha do Ocidente capitalista, por isso se usava o termo "ginástica pop". Até um tradicional programa de ginástica na televisão da Alemanha Ocidental tinha um equivalente na Alemanha comunista.
Foto: Deutsches Hygienemuseum
Produto encalhado digital
O computador de modelo KC compact, da RDA, é inspirado num produto ocidental, o Amstrad PC da marca Schneider. O desenvolvimento de computadores na RDA era atrasado, comparado com o do Ocidente. Por isso, os engenheiros da RDA copiavam os modelos ocidentais. O KC compact começou a ser produzido em série pouco antes da queda do Muro, em 1989, e por ser plágio ficou nas prateleiras.
Foto: Enrico Grämer
Ostalgia
Os alemães-orientais só podiam comprar produtos ocidentais na rede estatal de lojas Intershop – em troca da moeda alemã-ocidental. Hoje, produtos alemães-orientais têm boa procura e se beneficiam do que os alemães chamam de "ostalgia". Muitos produtos, no entanto, são originais apenas na embalagem, pois se adaptaram a padrões ocidentais. É o caso do teor de cacau na "barra doce", que triplicou.