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PolíticaEtiópia

Chefe da OMS associa indiferença à crise no Tigré a racismo

19 de agosto de 2022

Tedros sugere que silêncio da comunidade internacional sobre conflito na Etiópia pode estar ligado à "cor da pele das pessoas". Crise humanitária no Tigré, "a pior do mundo", tem milhões vivendo em situação calamitosa.

Crianças que fugiram do conflito no Tigré recebem comida em campo de refugiados no Sudão
Crianças que fugiram do conflito no Tigré recebem comida em campo de refugiados no Sudão; região na Etiópia é palco de uma guerra entre governo e forças rebeldes desde novembro de 2020Foto: Yasuyoshi Chiba/AFP/Getty Images

O diretor-geral da Organização Mundial da Saúde (OMS), Tedros Adhanom Ghebreyesus, voltou a tematizar a crise humanitária no Tigré, sugerindo que o racismo explicaria o desinteresse da comunidade internacional pela região no norte da Etiópia, palco de violentos conflitos há quase dois anos.

Tedros, que é natural do Tigré, afirmou na última quarta-feira (17/08), em pronunciamento a jornalistas, que o cerco a 6 milhões de pessoas na região já dura 21 meses e é "o pior desastre do planeta".

"A crise humanitária no Tigré é maior do que na Ucrânia. Sem qualquer exagero. E eu disse isso muitos meses atrás: talvez a razão seja a cor da pele das pessoas no Tigré", disse.

"Não ouvi nos últimos meses, ou em muitos meses, sequer um chefe de Estado falando sobre a situação no Tigré, em nenhum lugar. Especialmente no mundo desenvolvido. Por quê? Acho que sabemos."

Segundo o chefe da OMS, a população na região não tem acesso a serviços básicos, alimentação, medicamentos e meios de comunicação, além de ser impedida de deixar o território.

"É a pior crise humanitária. Estou dizendo: em nenhum lugar do mundo existem 6 milhões de pessoas sitiadas. Em nenhum lugar", afirmou Tedros. "A única coisa que pedimos é: o mundo pode voltar à razão e defender a humanidade?"

A fala veio quando ele comentava a invasão russa da Ucrânia. Tedros afirmou que o mundo pode estar a caminho de uma guerra nuclear que ameaça ser "a mãe de todos os problemas", mas completou que, em termos de crise humanitária, a situação no Tigré atualmente é pior.

Nesse sentido, ele pediu aos governos da Etiópia e da Rússia que ponham fim às duas crises. "Se querem paz, podem fazê-la acontecer, e apelo a ambos para que resolvam esses assuntos."

Em abril deste ano, o chefe da OMS já havia questionado se o foco desmesurado do mundo em direção à guerra travada pela Rússia tinha motivações racistas, mas reconheceu que o conflito na Ucrânia tem consequências globais.

Em relação a seu país, Tedros criticou a guerra e a crise humanitária no Tigré diversas vezes. No início do ano, o governo da Etiópia chegou a enviar uma carta à OMS acusando seu chefe de má conduta devido às críticas.

Segundo as autoridades da nação africana, Tedros usaria o cargo para se projetar politicamente às custas da Etiópia e seria membro da Frente de Libertação do Povo Tigré (TPLF). Tedros, que foi ministro do Exterior e da Saúde quando a TPLF liderava a coalizão de governo etíope, nega a acusação.

O diretor-geral da Organização Mundial da Saúde, Tedros Adhanom GhebreyesusFoto: Salvatore Di Nolfi/dpa/KEYSTONE/picture alliance

Histórico do conflito

Em novembro de 2020, o primeiro-ministro etíope, Abiy Ahmed, enviou tropas do exército para, com a ajuda de forças da Eritreia, desalojar as autoridades rebeldes do Tigré. Inicialmente derrotados, os rebeldes recuperaram o controle da região em junho de 2021.

Desde então, o conflito tem tido pouca ajuda humanitária internacional. Provedores de ajuda humanitária, médicos e enfermeiros relatam que há pessoas morrendo de fome e que faltam mantimentos básicos para tratar os doentes.

A ajuda se intensificou nos últimos meses, mas tem sido classificada como inadequada para suprir as necessidades da população sitiada. Segundo informações de grupos humanitários, a região continua a sofrer com a falta de combustível, o que impede o transporte de bens.

Símbolo do isolamento da região, a campanha de vacinação contra a covid-19 foi lançada só em julho deste ano – ainda assim um avanço em comparação com os meses difíceis em que feridos eram tratados com água morna e sal.

A volta de serviços básicos e da atividade bancária continua uma das principais demandas de lideranças do Tigré. Jornalistas são impedidos de adentrar a região.

O conflito na Etiópia tem implicações sérias para além de suas fronteiras nacionais, podendo contribuir para desestabilizar a região – o país faz fronteira com Sudão, Sudão do Sul, Uganda, Quênia, Somália, Djibuti e Eritreia.

Os dois lados do conflito têm sido acusados de abusos pela Organização das Nações Unidas.

Negociações de paz

A porta-voz do governo etíope reagiu às declarações de Tedros, classificando-as de antiéticas. Ela também acusou líderes no Tigré de procurar pretextos para evitar um acordo de paz.

Na quarta-feira, o ministro do Exterior da Etiópia anunciou haver uma proposta que levaria ao cessar-fogo e à retomada de serviços essenciais.

Em resposta, o porta-voz das forças rebeldes no Tigré, Getachew Reda, escreveu no Twitter que "o regime de Abiy Ahmed deixou bastante claro que não está disposto a entrar em negociações de paz".

O governo etíope tem insistido para que as negociações de paz sejam lideradas pelo enviado da União Africana. O gesto é visto como um sinal de rejeição a outros esforços de paz encabeçados pelo Quênia com apoio dos Estados Unidos.

ra/ek (AP, Lusa)