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CriminalidadeBrasil

Chefe de reserva no AM é ameaçado após combater garimpo

22 de março de 2023

Líder comunitário e servidor do ICMBio foi obrigado se esconder depois de denunciar chegada de garimpeiros. Ele enfrenta ainda um processo na justiça estadual após operação que queimou balsa ilegal e apreendeu lancha.

Foto mostra balsa de garimpo em rio, com floresta nas margens
Em 2002, balsa de garimpo flagrada circulando no JuruáFoto: Território Médio Juruá

Faz alguns dias que Manoel Cunha deixou sua casa às pressas. Servidor do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), Cunha é gestor da Reserva Extrativista Médio Juruá e está sendo ameaçado. Homens encapuzados circulam de barco pelo rio Juruá fazendo perguntas e oferecendo dinheiro a quem der mais detalhes sobre ele.

Cunha também é líder comunitário respeitado pelas comunidades ribeirinhas e tem denunciado desde o ano passado a chegada de balsas de garimpo na região, uma das mais conservadas do estado do Amazonas.

"Tudo está ligado ao garimpo ilegal de ouro", diz Cunha à DW, sem revelar seu paradeiro. "Do nada, apareceu um grupo de mascarados, quatro homens num bote, procurando por mim rodando o rio. São pessoas desconhecidas e a comunidade avisou o ICMBio", detalha.

Com histórico de trabalho análogo à escravidão num passado recente, o médio Juruá é estudado por diversos grupos de pesquisa como exemplo de organização social e gestão sustentável bem-sucedida do território amazônico. Diversas instituições públicas, privadas, de pesquisa, de assistência técnica, movimentos sociais e organizações de base reunidas no Fórum Território Médio Juruá manifestaram preocupação e se mobilizaram para garantir a segurança de Cunha.

"Tendo em vista que as ameaças vêm se intensificando dia após dia, os membros do Fórum Território Médio Juruá têm agido coletivamente (...) na justiça para que essa situação se resolva da forma correta, com os garimpeiros sendo punidos pelos seus crimes e agora, pela acusação e difamação do Manoel Cunha", afirma a entidade.

Em junho de 2022, Bruno Pereira, indigenista e servidor licenciado da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) e Dom Philips, jornalista britânico, foram assassinados no Vale do Javari, no mesmo estado. Antes de se licenciar, Pereira fora destituído, durante o governo de Jair Bolsonaro, da coordenação do departamento que cuidava de indígenas isolados e de recente contato como provável retaliação a uma fiscalização que destruiu balsas de garimpo em terras indígenas.

Investidas do garimpo no Juruá

A Reserva Extrativista Médio Juruá fica no município de Carauari e tem cerca de 2.000 moradores. Muitas famílias chegaram à região a partir de 1900 para viver da seringa, no auge do ciclo da borracha, e sofreram exploração de trabalho análogo à escravidão.

Atualmente, cerca de 1.200 famílias vivem na região às margens do rio Juruá, incluindo a Reserva de Desenvolvimento Sustentável de Uacari e Terra Indígena Deni. Elas são peças-chave na preservação da Amazônia, já que geram renda sem destruir a floresta com a coleta das sementes de espécies como andiroba e murumuru, além do manejo do pirarucu, o gigante das águas amazônicas.

Em meados de 2022, os habitantes da região avistaram pela primeira vez uma draga garimpeira circulando no Juruá. O alerta foi emitido pelo Fórum e, após consulta aos órgãos estaduais de meio ambiente, ficou comprovada a inexistência de autorização para draga de garimpo de ouro, atividade de lavra ou pesquisa de minério.

Em novembro de 2022, agentes da Polícia Federal, do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e da Polícia Militar fizeram uma operação e destruíram uma balsa do tipo. Na ocasião, uma lancha usada na atividade ilegal também foi apreendida.

Segundo os documentos da operação, a embarcação foi destinada provisoriamente para a Reserva Extrativista Médio Juruá e foi Manoel Cunha, na condição de servidor do ICMBio, que assinou o termo de fiel depositário.

Dias depois, um suposto proprietário, Dilvan Lucio Simioni, entrou com uma ação na Justiça estadual acusando Cunha de ter furtado a lancha. O juiz que analisou o caso determinou então que o barco fosse devolvido ao pretenso dono.

Surpreso com o desdobramento, o Ministério Público Federal (MPF) do Amazonas interveio na esfera da Justiça Federal. Segundo os procuradores, a ação movida contra Cunha omitiu que a apreensão foi feita durante uma operação do Ibama e da Polícia Federal por envolvimento com atividades ilícitas.

De acordo o documento apresentado pelo MPF, Simioni já foi preso anteriormente na condição de "dono de garimpo ilegal". O nome dele também não consta como proprietário de qualquer embarcação registrada na Capitania dos Portos.

Campanha contra os guardiões da floresta

Ciente do processo na Justiça estadual, Cunha diz ter resistido à entrega da lancha por saber que as acusações contra o ICMBio não eram verdadeiras. "A não entrega da lancha gerou estresse muito grande nos garimpeiros", diz à DW.

Para as entidades do Fórum Território Médio Juruá, trata-se de uma campanha de difamação coordenada. "Entendemos todas essas ameaças como uma forma de represália pela ação desenvolvida no território para expulsão da atividade garimpeira da região e garantia da conservação da região. Tememos que a sensação de impunidade reacenda as atividades ilegais de garimpo na região", diz a nota.

No último sábado (18/03), uma decisão da Justiça Federal anulou a liminar que determinava a devolução da lancha à Simioni e determinou que a polícia militar de Carauari não atue no caso. Há relatos de que policiais escoltaram a lancha até a cidade para devolvê-la ao suposto dono.

"Estamos muito preocupados. Não aceitamos devolver a embarcação para que eles continuem cometendo outros crimes. É uma situação absurda. Queremos provar que não é o garimpo que manda", declara Cunha à DW.

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