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Chega de normalizar zap do chefe fora do horário de trabalho

Nina Lemos
Nina Lemos
20 de junho de 2023

No passado, já atendi a ligações de trabalho no domingo, depois das 23h, na praia, na chuva, e na casinha de sapê. Nessa época, eu não tinha ideia de que aquilo estava errado e poderia até ser ilegal.

Em 2021, Parlamento Europeu votou a favor de uma resolução pelo "direito fundamental de desconectar"Foto: picture alliance / empics

"Eu durmo e acordo quase todos os dias recebendo mensagem de Whatsapp de trabalho". O desabafo foi feito por um amigo que trabalha como prestador de serviço para agências de publicidade. Ele me contou também que uma de suas chefes já tinha chegado a falar que demitiria quem não respondesse a tais mensagens.

Fiquei revoltada com o desabafo dele, mas não exatamente surpresa. Isso porque sei que o Brasil é o rei do WhatsApp (o segundo maior usuário do mundo, só perdendo para a Índia) e também que os limites entre vida privada e trabalho são muito tênues.

Em algumas profissões, como jornalismo, publicidade, indústria de TV (só para citar exemplos que conheço) acabamos achando que o trabalho é a nossa vida. E o comportamento da chefe do meu amigo é considerado não só normal, como praticamente uma prova de competência, afinal, isso mostra que ela está ligada ao trabalho o tempo todo.

Eu também já normalizei e até me orgulhei de ter um comportamento parecido. Por longos anos, achei que precisava estar disponível para o trabalho 24h. No passado, já atendi a ligações de trabalho no domingo, depois das 23h, na praia, na chuva, e na casinha de sapê.

Nessa época, apesar de viver estressadíssima, confesso que via um certo glamour nessa vida, como se não ter mais vida pessoal significasse que eu era importante. Eu não tinha ideia, quando atendia a todas aquelas ligações e trabalhava em fins de semana sem ser paga, que aquilo poderia estar errado ou ser considerado até ilegal. Mas é.

O direito de desconectar

Em alguns países, como a França, Bélgica, Itália, Espanha, Portugal e Irlanda já é proibido por leis específicas que os empregados tenham que estar disponíveis fora de seus horários de trabalho. Isso é chamado de "direito de desconexão". E não, seu chefe não pode ligar ou mandar recado fora do expediente.

Em 2021, durante a pandemia, com grande parte da população fazendo home office, o Parlamento Europeu votou a favor de uma resolução pelo "direito fundamental de desconectar".

Na Alemanha ainda não existe uma lei específica sobre isso, mas várias grandes empresas colocam o "não perturbe" em seus códigos. Alguns sindicatos já conseguiram esse direito há bastante tempo, caso da Volkswagen, onde em vários departamentos os e-mails não podem ser mandados fora do horário desde 2012.

No Brasil não existe legislação específica, mas já há um projeto de lei sobre o tema, apresentado em agosto de 2020 e ainda não tramitado. Em entrevista ao UOL no início do mês, o ministro do Tribunal Superior do Trabalho (TST) Augusto César Leite de Carvalho defendeu a regulação do "direito de se desconectar".

Tomara que vire lei. Já trabalhei para empresas europeias e brasileiras e, pela minha experiência (e também por depoimentos de amigos) acredito que os limites entre trabalho e vida pessoal, assim como cumprimento de horários, seja melhor na Europa. É claro que existem exceções. Mas, ao contrário do Brasil, achar que o empregado está à disposição o tempo todo por aqui não parece ser a regra.

"WhatsApp? Jamais!"

Fiz uma pequena "pesquisa" no Twitter, onde perguntei para brasileiros imigrantes na Europa se eles recebiam demandas ou mensagens fora do horário de trabalho. Algumas das respostas que recebi, de pessoas que moram e trabalham na Alemanha:

"Whatsapp nunca, jamais. Inclusive a maioria dos empregados sequer sabem o telefone um dos outros", disse Carise Fernandes, gerente de pessoal em uma empresa em Berlim.

"Ninguém tem meu WhatsApp. Pode até ser que eu receba e-mail depois do expediente, mas não preciso responder no mesmo dia", disse Gabriel Leal, que também trabalha em Berlim. Recebi mais de uma dezena de respostas nesse estilo. Algumas poucas pessoas responderam que recebem mensagens de trabalho, mas elas foram a exceção.

Nós, acostumados com esse "trabalho permanente" que piorou muito nos últimos anos, até nos assustamos com tanto respeito. Mas devia ser a regra. Ou a tecnologia vai nos tornar escravos de celulares que morrem de medo de serem substituídos pelo Chat-GPT?

Eu entendo que a gente até tenha medo de não responder e assim dar a impressão de que a gente não liga para o trabalho. Mas ficar ligado 24 horas não é vida. E ter direito a descanso é garantido por lei, não?. A saúde (física e mental) agradece.

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Nina Lemos é jornalista e escritora. Escreve sobre feminismo e comportamento desde os anos 2000, quando lançou com duas amigas o grupo "02 Neurônio". Já foi colunista da Folha de S.Paulo e do UOL. É uma das criadoras da revista TPM. Em 2015, mudou para Berlim, cidade pela qual é loucamente apaixonada. Desde então, vive entre as notícias do Brasil e as aulas de alemão.

O texto reflete a opinião da autora, não necessariamente a da DW.

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O estado das coisas

Nina Lemos é jornalista e escritora. Escreve sobre feminismo e comportamento desde os anos 2000. Desde 2015, vive entre as notícias do Brasil e as aulas de alemão em Berlim, cidade pela qual é loucamente apaixonada.