Chegada de refugiados à Grécia não para com o inverno
Pavlos Zafiropoulos, de Atenas (rc)26 de dezembro de 2015
Autoridades gregas, que já enfrentam os graves problemas financeiros do país, mal conseguem lidar com a situação. Muitos pensavam que o fluxo de migrantes cessaria durante o inverno, mas isso não aconteceu.
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O fluxo contínuo de barcos infláveis que partem da Turquia em direção à Grécia caiu inesperadamente durante alguns dias, em meados de novembro. "Não sabíamos o motivo", disse um funcionário do Ministério do Interior da Grécia à DW.
Teria o governo turco começado a agir com mais rigor na repressão aos traficantes de pessoas? Estariam os migrantes amedrontados pela retórica dura de alguns políticos europeus ou pelas más condições do tempo? "Não", explicou, sorridente, o funcionário. "Apenas mais tarde descobrimos o motivo: não havia mais barcos infláveis à venda."
No mês de outubro foi registrado o número recorde de mais de 10 mil pessoas que se aventuravam diariamente na travessia do Mar Mediterrâneo até a Grécia. Mesmo que esse número tenha diminuído com a aproximação do inverno europeu, a atual crise migratória continua sendo de proporções históricas.
"Quando o tempo piora, os atravessadores oferecem descontos aos refugiados", diz Daniel Esdras, diretor da Organização Internacional para a Imigração (OIM) na Grécia. "É um negócio como qualquer outro. Para aqueles que não têm dinheiro para os dias normais de travessia, essa é a única chance de conseguir um lugar num barco", diz. Dessa forma, é difícil falar numa retração do fluxo migratório.
Fluxo segue em pleno inverno
Segundo a OIM, a média diária de pessoas que fizeram a travessia para a Grécia no mês de dezembro é, até o momento, de 3.300. Em julho, auge do verão europeu, esse número era de 1.700.
Ironicamente, o dia 21 de dezembro, que marcou o início do inverno no hemisfério norte, foi a data em que a Europa ultrapassou oficialmente a marca de mais de 1 milhão de migrantes em 2015. A grande maioria deles – mais de 800 mil – desembarcou na Grécia. Mas nem todos conseguiram: 3.965 pessoas morreram ao tentar chegar à Europa pelo Mediterrâneo.
Diante desses números, críticos afirmam que os esforços da União Europeia são insuficientes. Um exemplo é o esquema para realocar 160 mil refugiados entre os Estados-membros pelos próximos dois anos e que ainda não começou para valer.
Além disso, em 17 de dezembro, a Grécia e a Frontex, a missão europeia de fronteiras, chegaram a um acordo para o envio de um número maior de pessoas, já no fim do mês, para ajudar as autoridades gregas a lidar com o registro dos refugiados, a controlar as costas das ilhas e a administrar os novos centros de registros, os chamados hotspots.
No longo prazo, os líderes da UE também concordaram em criar uma controversa "polícia de fronteiras", que poderá intervir mesmo contra a vontade dos Estados-membros. Segundo os críticos, essa seria uma manobra para acalmar os ânimos daqueles que gostariam de ver as fronteiras da Grécia totalmente fechadas.
Grécia em estado de emergência
As autoridades gregas, que já enfrentam graves problemas financeiros, mal conseguem lidar com a situação. Migrantes que são impedidos de prosseguir viagem para o norte, até a fronteira com a Macedônia, acabam permanecendo em Atenas.
A Praça Victoria, no centro da capital grega, tornou-se um ponto de encontro dos migrantes durante o verão europeu. A polícia interviu e evacuou diversas vezes o local. Durante algum tempo, não havia mais migrantes, mas agora é possível ver de novo pessoas dormindo ao relento na praça.
Dessa vez, há muitos marroquinos e argelinos. Apesar do fechamento das fronteiras na rota dos Bálcãs, eles estão convencidos de que, a partir dali, conseguirão chegar ao norte da Europa. Amin, de 22 anos, graduou-se em Direito no Marrocos. Ele gostaria de ser policial, mas teve seu desejo negado em seu país por causa de uma tatuagem. "Quero tentar atravessar por um floresta na Macedônia. Sei que é perigoso, mas no Marrocos eu já estou morto. Não tenho escolha", explica.
Alguns até já desistiram. Nos corredores do escritório da OIM em Atenas, um grande número de jovens preenchem a documentação para o retorno voluntário a seus países de origem. Mas não se sabe quando o próximo programa de retorno voluntário vai começar. "No dia 30 de junho, o programa anterior expirou, e até agora não há planos para uma reedição", diz Esdras.
Apesar de a UE ter oferecido ajuda emergencial à Grécia, o programa de retorno voluntário não foi considerado prioridade. "Sinto-me como um disco riscado, repetindo que devemos agir de forma proativa e não reativa", lamenta o diretor da OIM.
Desconfiança grega
O verão passado foi dramático para Grécia, com o país à beira da falência. Para muitos gregos, a relutância da UE em ajudar Atenas a lidar com a crise migratória é mais um sinal de que os interesses europeus de curto prazo são, para os países do bloco, mais importantes do que valores como humanidade e solidariedade.
A União Europeia planeja levar os refugiados sírios diretamente da Turquia para o centro do continente europeu, após o devido registro. Mas ninguém sabe quando essa ideia vai ser posta em prática. Por isso, e com a ajuda dos descontos ofericidos pelos traficantes, o fluxo de barcos de migrantes entre a Turquia e a Grécia deve continuar forte também durante o inverno europeu.
2015, o ano dos refugiados
Nunca tantas pessoas estiveram em fuga como em 2015. Muitos delas seguiram para a Europa, com o objetivo de chegar à Alemanha ou à Suécia. Confira uma restrospectiva fotográfica do "ano dos refugiados".
Foto: Reuters/O. Teofilovski
Chegada à União Europeia
Esses jovens sírios superaram uma etapa perigosa da sua viagem: eles conseguiram chegar à Grécia e, assim, à União Europeia. O objetivo final, porém, ainda não foi alcançado: eles querem continuar a jornada para o norte, em direção a outros países-membros do bloco. Em 2015, a maioria dos refugiados seguiu para a Alemanha e para a Suécia.
Foto: Reuters/Y. Behrakis
Perigosa travessia do Mediterrâneo
O caminho que eles deixam para trás é extremamente perigoso. Vários barcos com refugiados, nem sempre aptos à navegação, já viraram durante a travessia do Mar Mediterrâneo. Estas crianças sírias e seu pai tiveram sorte: eles foram resgatados por pescadores gregos na costa da ilha de Lesbos, na Grécia.
Foto: Reuters/Y. Behrakis
A imagem que comoveu o mundo
Aylan Kurdi, de 3 anos, não sobreviveu à fuga. No início de setembro, ele se afogou no Mar Egeu, juntamente com o irmão e a mãe, ao tentar chegar à ilha grega de Kos. A foto do menino sírio, morto na praia de Bodrum, espalhou-se rapidamente pela mídia e chocou pessoas de todo o mundo.
Foto: Reuters/Stringer
Onde as diferenças são visíveis
A ilha grega de Kos, a menos de 5 quilômetros de distância da Turquia continental, é o destino de muitos refugiados. As praias geralmente cheias de turistas servem de ponto de desembarque, como no caso deste grupo de refugiados paquistaneses que chegou à costa da Grécia com um bote de borracha.
Foto: Reuters/Y. Behrakis
Em meio ao caos
Porém, muitos refugiados não conseguem simplesmente seguir viagem quando chegam a Kos. Eles somente podem seguir para o continente após serem registrados. Durante o verão europeu, a situação se agravou quando as autoridades fizeram com que os refugiados esperassem pelo registro num estádio, sob o sol escaldante e sem água.
Foto: Reuters/Y. Behrakis
Um navio para refugiados
Por causa da condições precárias, tumultos eram frequentes na ilha de Kos. Para acalmar a situação, o governo grego fretou um navio, que permaneceu ancorado e foi transformado em alojamento temporário para até 2.500 pessoas e em centro de registro de migrantes.
Foto: Reuters/A. Konstantinidis
"Dilema europeu"
Mais ao norte, na fronteira da Grécia com a Macedônia, policiais não permitiam mais a passagem de pessoas, entre elas crianças aos prantos, separadas de seus pais. Esta foto tirada pelo fotógrafo Georgi Licovski no local, e que mostra o desespero de duas crianças, foi premiada pelo Unicef como a imagem do ano, já que mostra "o dilema e a responsabilidade da Europa".
Foto: picture-alliance/dpa/G. Licovski
Sem conexões para refugiados
No final do verão europeu, Budapeste se transformou em símbolo do fracasso das autoridades e da xenofobia. Milhares de refugiados estavam acampados nas proximidades de uma estação de trem da capital húngara, pois o governo do país os proibira de seguir viagem. Muitos decidiram seguir a pé em direção à Alemanha.
Foto: picture-alliance/dpa/B. Roessler
Fronteiras abertas
Uma decisão na noite de 5 de setembro abriu caminho para os refugiados: a chanceler federal alemã, Angela Merkel, e o chanceler austríaco, Werner Faymann, decidiram simplesmente liberar a continuação da viagem por parte dos migrantes. Como consequência, vários trens especiais e ônibus seguiram para Viena e Munique.
Foto: picture alliance/landov/A. Zavallis
Boas vindas em Munique
No primeiro final de semana de setembro, cerca de 20 mil refugiados chegaram a Munique. Na estação central de trem da capital da Baviera, inúmeros voluntários se reuniram para receber os refugiados com aplausos e lhes fornecer comida e roupas.
Foto: Getty Images/AFP/P. Stollarz
Selfie com a chanceler
Enquanto a chanceler federal Angela Merkel era aplaudida por refugiados e defensores de sua política de asilo, muitos alemães se voltavam contra a política migratória. "Se tivermos de pedir desculpas por mostrar uma face acolhedora em situações de emergência, então este não é mais o meu país", respondeu a chanceler. A frase "Nós vamos conseguir" se tornou o mantra de Merkel.
Foto: Reuters/F. Bensch
Histórias na bagagem
No final de setembro, a polícia federal alemã divulgou uma imagem comovente: o presente que uma menina refugiada deu a um policial da cidade alemã de Passau. O desenho mostra o horror que vários migrantes vivenciaram e o quão felizes eles estavam por, finalmente, estarem em um local seguro.
Foto: picture-alliance/dpa/Bundespolizei
O drama continua
Até o final de outubro, mais de 750 mil refugiados haviam chegado à Alemanha. Mas o fluxo não parava. Sobrecarregados, os países da chamada Rota dos Bálcãs decidiram fechar suas fronteiras. Apenas sírios, afegãos e iraquianos estavam autorizados a passar. Em protesto, migrantes de outros países chegaram a costurar seus lábios.
Foto: picture-alliance/dpa/G. Licovski
Sem fim à vista
"Ajude-nos, Alemanha" está escrito em cartazes de manifestantes na fronteira com a Macedônia. Na Europa, o inverno se aproxima, e milhares de pessoas, entre elas crianças, estão presas nas fronteiras. Enquanto isso, até mesmo a Suécia retomou o controle temporário de fronteiras. Em 2016, o fluxo de refugiados deverá continuar.