Novo filme do cineasta brasileiro trata da difícil entrada de um menino de 15 anos na vida adulta. Projeto já havia participado da Berlinale em 2012 como parte do Co-production Market do festival.
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"Ausência" tematiza infância interrompida
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Ausência, segundo longa do cineasta Chico Teixeira, marca não só sua volta à Berlinale, mas também o retorno a Berlim de um projeto que já esteve na cidade procurando parcerias no Co-production Market do festival em 2012.
"Eu ainda estava trabalhando no argumento. Foi em Berlim que percebi diferentes lados da história e mudei o título. As pessoas esperavam um filme sobre circo e, na verdade, o que eu queria contar era a história desse menino", conta Teixeira em entrevista à DW Brasil.
Originalmente intitulado O circo de Santo Amaro, o filme coloca o circo em segundo plano para focar em Serginho (Matheus Fagundes), um jovem lidando com a nova situação de sua família.
"Você tem que ouvir os personagens. Eles são um mergulho profundo dentro de você. Houve mudanças no projeto partindo de discussões que eu tive com distribuidores em Berlim", diz o diretor cujo primeiro longa, A casa de Alice, fora selecionado para a Berlinale em 2007.
Consequências de um abandono
A ausência do título se faz presente em seu prólogo. Dentro de um carreto, três homens dirigem-se a uma casa. Um deles está de mudança. Nos objetos que retira desse universo, ele cria o vazio que depois vai permear o destino dos personagens.
"No começo, eu queria falar dos bastidores do circo e comecei a perceber que não era isso. Eu tinha que falar da solidão desse garoto de 15 anos. Do abandono dele", explica Teixeira.
A câmera realista do cineasta passa a acompanhar o primogênito da família. Sem uma figura paterna, Serginho procura seu lugar em um mundo que ele está começando a descobrir em sua completitude e complexidade.
O menino assume o papel de homem da casa, driblando suas obrigações da vida adolescente. Ele passa a trabalhar na feira com o tio. Em casa, ele tem que cuidar do irmão menor e da mãe, perdida entre os bicos que faz para ganhar dinheiro, sua dor e o álcool.
"Ele fica muito ressentido com a saída do pai de casa, que gerou um buraco na vida dele. Quando temos um desafeto, vamos procurar esse amor em outra pessoa. O Serginho ficou sem chão. Na procura de carinho, ele começa a migrar seus sentimentos", explica o cineasta.
Sexo como busca da afetividade
Ao mesmo tempo em que começa a entender como a vida adulta funciona, Serginho passa a procurar o afeto que lhe falta. Na feira, ele encontra certa liberdade e independência. Se do tio ele não recebe afeição, o rapaz busca conforto em sua amizade com Mudinho e Silvinha. Outro escape para sua dura realidade são suas visitas ao circo.
Em sua timidez, Serginho encontra proteção durante as visitas à casa do professor Ney. Essa busca começa a se intensificar de maneira que o próprio jovem não entende. A sexualidade começa a permear suas relações, dentro e fora do seu círculo familiar.
"Eu queria ter esse lance da sedução na história. No fundo, o filme é extremamente sexual, mas no escuro. Tudo está camuflado no não dito. É uma sexualidade que ele ainda não entende porque ela ainda não está definida", explica o diretor.
Ao mergulhar no universo da classe média baixa, o cineasta busca verdade em personagens onde a sinceridade é a única alternativa de sobreviver, mesmo que isso os prive de amor e compreensão. Nesse turbilhão de emoções, Serginho só consegue enxergar futuro no único pedacinho de ilusão que resta em sua vida.
"Fazer cinema é um mergulho muito grande dentro de você mesmo. Não me sinto um cineasta, mas um artista, porque tudo que você vê na tela vem das minhas vísceras, do meu estômago, do meu coração, da minha angústia", afirma Teixeira.
Filmes brasileiros na Berlinale 2015
Apesar de estar fora da competitiva, o Brasil está representado em outras mostras do festival de cinema em Berlim. "Sangue Azul" e "Ausência", estrelados por Daniel de Oliveira e Regina Casé, são destaques.
Foto: Frederico Benvenides
Sangue Azul
Estrelado por Daniel de Oliveira, o filme de Lírio Ferreira abre a mostra Panorama, a segunda mais importante da Berlinale. Com um ilusionista e um homem-bala como personagens, o longa lança um olhar poético sobre a colisão de dois microcosmos, mostrando que o mundo que escolhemos longe de casa pode não ser tão distante quanto imaginamos.
Foto: Berlinale 2015
Ausência
Qual a importância de um pai na vida de um filho? Qual é o peso do abandono da figura paterna sobre toda uma família? "Ausência", de Chico Teixeira, é centrado em Serginho, um menino de 15 anos que tenta lidar com as mudanças trazidas pela vida. Mas a transição entre a infância e a idade adulta não é fácil, ainda mais quando os caminhos parecem incertos e nebulosos.
Foto: Berlinale 2015
Que horas ela volta?
A diretora Anna Muylaert sempre mostrou um olhar apurado para comédias de humor negro. No entanto, "Que horas ela volta?" se aproxima mais do drama familiar. Val (Regina Casé), empregada de uma família rica em São Paulo, vê sua vida virar de cabeça para baixo quando a filha (Camila Márdila) decide se mudar para a cidade.
Na Berlinale de 1998, Walter Salles e Jia Zhang-ke descobriram uma visão parecida sobre seus ofícios e sobre a maneira como apontam suas lentes para o mundo. Neste documentário, o brasileiro acompanha o colega chinês numa visita a locações de seus filmes e ao lugar onde ele cresceu.
Foto: Berlinale 2015
Beira-Mar
A estreia na direção dos jovens gaúchos Filipe Matzembacher e Marcio Reolon mostra dois melhores amigos lidando com os primeiro passos da vida adulta. Eles partem para uma viagem aparentemente banal, mas que acaba revelando mais do que os dois estão acostumados a compartilhar na vida cotidiana.
Foto: Berlinale 2015
Brasil S/A
Da vulgaridade às belezas, naturais e artificiais, o primeiro longa de Marcelo Pedroso reforça a boa safra de filmes de Pernambuco. "Brasil S/A" é uma parábola alegórica de um país cheio de progresso, mas que ainda corre atrás da ordem e, ao mesmo tempo, molda a própria identidade.
Foto: Berlinale 2015
Mar de Fogo
O diretor Joel Pizzini faz uma homenagem ao clássico do cinema brasileiro "Limite" e ao seu criador, Mario Peixoto. Usando imagens do filme e entrevistas feitas com Peixoto nos anos 1970 e 1980, Pizzini constrói um pequeno filme-ensaio e um curta-metragem arrebatador.
Foto: Berlinale 2015
Fuga dos meus olhos
Após o diálogo imaginário entre Brasil e Portugal, apresentado na Berlinale do ano passado no curta "Fernando que ganhou um pássaro do mar", Felipe Bragança continua trabalhando nas linhas tênues do cinema, misturando poesia com ficção e realidade. Seu novo filme gira em torno de fábulas oriundas de três países africanos – Mali, Gana e Burkina Faso.
Foto: Felipe Bragança
Além das telas
A Forum Expanded mostra outra forma de ver o cinema. Além de filmes, a mostra traz a exposição "Doors Open", em que performances e instalações – incluindo "Viventes" e "Je proclame la destruição", dos brasileiros Frederico Benevides e Arthur Tuoto – questionam o cinema como uma forma de arte mutante.
Foto: Frederico Benvenides
Olhar indígena
A mostra NATIVe se dedica neste ano às comunidades indígenas na América Latina e a sua difícil sobrevivência. O Brasil marca presença com os documentários "O Mestre e o divino", de Tiago Campos Tôrres, "As hiper mulheres", de Carlos Fausto, Leonardo Sette e Takumã Kuikuro, e "Ma ê dami xina", de Zezinho Yube.