China adota lei que permite vetar candidatos em Hong Kong
11 de março de 2021
Ação enfraquece ainda mais liberdades democráticas do território ao instituir comissão que vai analisar "patriotismo" de candidatos. Medida visa assegurar que apenas políticos leais ao regime de Pequim possam ser eleitos
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O Parlamento da China aprovou mudanças radicais no sistema eleitoral de Hong Kong, que incluem poderes para vetar candidatos. A medida votada nesta quinta-feira (11/03) é vista como um movimento de Pequim para garantir que apenas pessoas totalmente alinhadas com o regime governem o território semiautônomo.
O governo chinês tem agido de forma decisiva para desmantelar os limitados pilares democráticos de Hong Kong após os grandes protestos – e, às vezes, violentos – ocorridos no centro financeiro da cidade em 2019.
Num encontro parlamentar do ano passado do Congresso Nacional do Povo, que se reúne duas vezes por ano, a liderança do partido Comunista impôs uma lei de segurança nacional draconiana em Hong Kong.
Desde a imposição desta lei, dezenas de ativistas foram processados e presos. Os protestos também foram sufocados na cidade que gozava de maiores liberdades políticas do que a China continental devido ao acordo de "um país, dois sistemas" estabelecido quando o Reino Unido entregou o território à China em 1997.
Nesta quinta-feira, em uma votação formal, praticamente todos os delegados do Congresso Nacional do Povo aprovaram a decisão de emendar a mini constituição de Hong Kong, a lei básica e o sistema eleitoral para garantir que pessoas que se opõem ao Partido Comunista da China e seu governo sobre Hong Kong não sejam elegíveis para o parlamento do território semiautônomo. Apenas um único membro dos 2.896 delegados não votou a favor – absteve-se.
Comitê para filtrar candidatos
A decisão visa colocar a responsabilidade pela administração da cidade nas mãos de "patriotas que governam Hong Kong", disse o primeiro-ministro da China, Li Keqiang, após a votação à repórteres. Funcionários do alto escalão do Partido Comunista deixaram claro que a lealdade ao partido será a chave para decidir se um cidadão de Hong Kong pode ser considerado "patriota" ou não.
A mídia estatal chinesa esboçou nesta quinta-feira algumas das principais disposições da lei, que ainda precisa ser redigida e promulgada sob o opaco sistema político do país. O influente Comitê Eleitoral de Hong Kong, que seleciona o líder da cidade e já está repleto de partidários de Pequim, será ampliado para 1.500 representantes, ante os 1.200 atuais.
Um comitê separado também será criado para examinar as opiniões políticas dos candidatos, enquanto o número de assentos no Conselho Legislativo de Hong Kong será aumentado de 70 para 90. Atualmente, apenas 35 assentos na Câmara são eleitos diretamente e ainda não está claro qual será a proporção no futuro.
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"Fórmula à prova de falhas"
Mas analistas relataram que os detalhes iniciais apontam que a China planeja reduzir a influência de autoridades eleitas diretamente tanto no Conselho Legislativo quanto no Comitê Eleitoral que escolhe o presidente-executivo de Hong Kong.
"É uma fórmula à prova de falhas para garantir que apenas pessoas consideradas 'patriotas' estarão nesses dois órgãos importantes", disse Willy Lam, professor do Centro de Estudos da China da Universidade Chinesa de Hong Kong. "Do ponto de vista de Pequim, os membros da coalizão pró-democracia não são considerados patriotas."
O ministro das Relações Exteriores do Reino Unido, Dominic Raab, disse que o plano "esvaziaria o espaço para o debate democrático em Hong Kong, ao contrário das promessas feitas pela China" e que isso "deverá minar ainda mais a confiança e a credibilidade da China no cumprimento de suas responsabilidades internacionais".
"Não se trata de isolar a oposição"
A atual presidente-executiva de Hong Kong, Carrie Lam, foi rápida em saudar o plano de Pequim de reescrever o cenário eleitoral de sua cidade. "O governo de Hong Kong e eu apoiamos firmemente a decisão e expressamos nossa gratidão do fundo de nossos corações", disse Lam.
Em uma coletiva de imprensa após o anúncio, Lam foi bombardeada com perguntas sobre se a medida não implementaria em Hong Kong uma democracia de fachada desprovida de qualquer oposição, tal como ocorre na China continental. "Não se trata de isolar a oposição, trata-se de defender o importante princípio de patriotas que administram Hong Kong", disse Lam.
Mas assessores da própria presidente-executiva admitiram que a medida é um "revés" para o progresso no desenvolvimento democrático de Hong Kong, segundo Bernard Chan, um dos principais assessores de Lam. "Nos últimos 23 anos, claramente não fizemos um bom trabalho para mostrar ao governo central que essas chamadas reformas políticas estão, na verdade, ajudando o 'um país, dois sistemas'", disse China, na semana passada.
A cientista política Victoria Tin-bor Hui, professora associada de Ciência Política na Universidade de Notre Dame, questionou se Pequim conseguirá manter a força capitalista ao cortar a liberdade de Hong Kong. "Pequim consegue manter o status financeiro internacional de Hong Kong depois de matar sua liberdade?"
pv (afp, ots)
Em 1997, Hong Kong era restituída à China
Duas décadas depois de Hong Kong retornar ao domínio chinês, predomina entre muitos moradores a insatisfação com a ingerência de Pequim e o desejo por mais democracia.
Foto: Reuters/D. Martinez
1997 - Devolução à China
Após 156 anos de domínio britânico, Hong Kong era devolvida à China exatamente à zero hora de 1º de julho de 1997. Soldados do Exército de Libertação Popular içaram a bandeira chinesa, em sinal de supremacia sobre a antiga colônia britânica. O contrato para a devolução já havia sido assinado em 1984.
Foto: Reuters/D. Martinez
1998 - Ameaça de crise econômica
A crise financeira asiática de 1997-98 levou economias emergentes a impor controles comerciais ou à compra de ativos para tranquilizar investidores. Hong Kong surpreendeu o mercado em agosto de 1998 com uma intervenção de 15 bilhões de dólares para se defender de ataques especulativos. Os apoiadores da iniciativa dizem que isso salvou a cidade.
Foto: Reuters/L. Chan
1999 - Reagrupamento de famílias
As esperanças de um rápido reagrupamento das famílias separadas pela fronteira foram logo destruídas. Embora a Suprema Corte de Hong Kong tivesse concedido amplos direitos de residência, o governo chinês derrubou a decisão a pedido do governo de Hong Kong. Na foto, mais de cem visitantes da China continental protestaram para obter permissão de residência imediata em Hong Kong.
Foto: Reuters/B. Yip
2000 - Sucesso com a bolha
Em fevereiro de 2000, investidores entraram numa fila diante do banco HSBC para comprar ações da empresa Tom.com. Ao se lançar na bolsa de valores, a empresa – que existia apenas na internet – do bilionário Li Ka-shing conseguiu angariar quase 100 milhões de dólares pouco antes de estourar a bolha "dot-com".
Foto: Reuters/B. Yip
2001 - Conflito com grupo espiritual
Seguidores do movimento espiritual Falun Gong protestam regularmente em Hong Kong desde que o grupo foi banido pela China em 1999, sob a acusação de divulgar superstições e manipular as pessoas psicologicamente. Em 2002, 16 seguidores foram condenados por causa de protestos diante da representação da China em Hong Kong. A Suprema Corte do território reverteu metade das sentenças.
Foto: Reuters/K. Cheung
2002 - Famílias desesperadas
A questão das autorizações de residência acirrou-se em 2002, quando Hong Kong começou a deportar 4 mil chineses continentais que haviam perdido batalhas legais para residir no território. Houve protestos dos solicitantes e de seus apoiadores. Na foto, parentes de migrantes chineses depois de terem sido expulsos de um parque no centro de Hong Kong.
Foto: Reuters/K. Cheung
2003 - Nas mãos de um vírus
A Sars, uma doença viral semelhante à gripe, atingiu Hong Kong de tal forma que, em março de 2003, a Organização Mundial da Saúde a declarou uma pandemia. Até a cidade ser considerada livre da doença, em junho, 299 pessoas morreram, entre elas Tse Yuen-man. A médica de 35 anos esteve entre os primeiros voluntários a cuidar de pacientes com Sars. Em seu funeral, ela recebeu as mais altas honras.
Foto: Reuters/B. Yip
2004 - Frustração com Pequim
Centenas de milhares de pessoas participaram de protestos no sétimo aniversário da devolução à China. Pequim descartou o sufrágio universal em Hong Kong em 2007 ou 2008 e continuou freando as reformas políticas. Além disso, a China decretou que o governo de Pequim precisa aprovar qualquer alteração no direito de voto em Hong Kong, o que praticamente elimina qualquer aspiração democrática.
Foto: Reuters/B. Yip
2005 - Violência em protestos
Reuniões da Organização Mundial do Comércio regularmente são alvos de protestos dos adversários da globalização. Em Hong Kong, no final de 2005, não foi diferente. A polícia usou canhões de água e gás lacrimogêneo contra os manifestantes.
Foto: Reuters/L. Jae-Won
2006 - Conflito com o Japão
A China e o Japão disputavam um grupo de ilhas desabitadas. Acreditava-se que perto delas houvesse reservas de petróleo e de gás. Em outubro, um barco com ativistas de um comitê para defender as ilhas Diaoyi e que tem base em Hong Kong se aproximou 20km da ilha principal até ser interceptado por um barco de patrulha japonês.
Foto: Reuters/P. Yeung
2007 - Preservar a história
Um píer da era colonial tornou-se pivô de nova polêmica. O governo queria removê-lo para recuperar terras e construir estradas. Ativistas furiosos que consideravam o píer um local histórico lutaram pela sua preservação. O embate atingiu seu ponto alto em agosto, quando a polícia removeu um acampamento de ativistas e pessoas em greve de fome que já durava três meses. Em 2008, o píer foi demolido.
Foto: Reuters/P. Yeung
2008 - Morar em gaiolas
Terrenos cada vez mais caros tornaram os aluguéis impagáveis para muitas pessoas em Hong Kong. Milhares de moradores passaram a viver em gaiolas, onde dispunham de cerca de 1,4 m2. Em geral, um cômodo tem oito dessas caixas de arame. Em 2017, estima-se que 200 mil pessoas vivam assim ou disponham de apenas uma cama em apartamentos divididos.
Foto: Reuters/V. Fraile
2009 - Contra o esquecimento
Moradores de Hong Kong vestidos de preto e branco fizeram uma vigília no 20º aniversário da violenta repressão aos manifestantes pró-democracia na Praça da Paz Celestial em Pequim em 1989. O Victoria Park, no centro de Hong Kong, transformou-se num mar de velas.
Foto: Reuters/A. Tam
2010 - Projetos indesejados
Crescia em Hong Kong a insatisfação devido à falta de democracia e o fato de o governo não ter de prestar contas. As raiva coletiva é descarregada em forma de protestos contra os planos do governo de construir um trajeto para trens de alta velocidade ligando Hong Kong ao continente. O projeto ferroviário, não implementado até hoje, previa a destruição de um vilarejo.
Foto: Reuters/B. Yip
2011 - Protestos com papel
Um controverso projeto de lei que eliminou o mecanismo de eleições suplementares para o Conselho Legislativo gerou vários dias de protestos em frente ao prédio do conselho. Centenas de manifestantes jogaram aviões de papel com mensagens políticas contra o prédio.
Foto: Reuters/B. Yip
2012 - Desafios da administração
Leung Chun-ying (à esquerda) presta juramento como chefe de governo da região administrativa especial, diante do então presidente chinês, Hu Jintao. Ele prometeu mais democracia e moradias mais acessíveis. Apesar de medidas de contenção, os preços continuaram subindo, e as reformas políticas ainda estão emperradas. Leung Chun-ying não concorreu a um novo mandato.
Foto: REUTERS/File Photo/B. Yip
2013 - Hong Kong no foco da imprensa
Quando começaram a ser publicadas notícias sobre Edward Snowden e segredos dos EUA, o especialista em TI estava em Hong Kong. Apesar de os Estados Unidos terem pedido sua extradição, Hong Kong deixou Snowden voar para Moscou, onde ele recebeu asilo político. Enquanto alguns veem em Snowden um denunciante corajoso, outros o consideram um traidor da pátria.
Foto: Reuters/B. Yip
2014 - Protestos de guarda-chuva
Durante dois meses, Hong Kong teve grandes manifestações pró-democracia. A exigência era a escolha completamente democrática do chefe de governo. A marca registrada dos protestos foram os guarda-chuvas usados pelos manifestantes para se proteger do spray de pimenta da polícia. As manifestações são vistas como o maior desafio à autoridade da China desde o movimento por mais democracia, em 1989.
Foto: Reuters/T. Siu
2015 - Liberdade de expressão no estádio
A partida de futebol entre China e Hong Kong pelas eliminatórias da Copa de 2018 foi palco de protestos. Torcedores de Hong Kong empunharam cartazes com os dizeres "Hong Kong não é China" enquanto era tocado o hino nacional chinês. Há muita tensão entre os dois lados desde os "protestos dos guarda-chuvas". O jogo acabou em 0 a 0.
Foto: Reuters/B. Yip
2016 - Até correr sangue
Novos protestos foram realizados em Hong Kong. Mais uma vez, a polícia usou spray de pimenta e cassetetes. A razão: as autoridades tentaram remover vendedores de rua ilegais num bairro operário. Foram as mais violentas batalhas de rua desde os protestos de 2014.
Foto: Reuters/B. Yip
2017 - O tempo passa
No parque memorial rei George 5º, um dos poucos parques onde ainda há uma ligação com o passado colonial, as raízes de uma figueira cobrem uma placa, 20 anos após a devolução de Hong Kong à China pelos britânicos.