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"Chineses vão caminhar para democracia – a qualquer preço"

Sabine Peschel
4 de junho de 2019

Preso durante os protestos de 1989 e hoje radicado na Alemanha, escritor Zhou Qing relembra o massacre da Praça da Paz Celestial, que o governo chinês parece tentar apagar da história. Em vão, segundo ele.

Praça da Paz Celestial, 1989: dias depois, regime promoveria um massacre
Praça da Paz Celestial, 1989: dias depois, regime promoveria um massacreFoto: Jeff Widener/AP

Zhou Qing tinha 25 anos em 1989, quando se engajou no movimento que pedia mais liberdades na China. Os protestos se espalharam por centenas de cidades e culminaram no massacre da Praça da Paz Celestial, em Pequim, promovido por forças estatais em 4 de junho, há exatos 30 anos.

Zhou passou três anos na prisão por se engajar na dissidência. Hoje vivendo em Berlim como escritor e documentarista, ele diz, em entrevista à DW, que os governantes comunistas estão sempre tentando fazer com que os eventos daquele 4 de junho desapareçam da memória popular.

Mas afirma que "a China está a caminho de uma sociedade democrática, livre e constitucional". E isso se deve em parte ao fato de os chineses estarem, no exterior e através da internet, vendo cada vez mais como é o mundo com maiores liberdades civis. "Não tenho a menor dúvida sobre isso. Porque a grande maioria dos chineses já experimentou a luz brilhante lá fora, e eles vão caminhar nessa direção – a qualquer preço."

Deutsche Welle: Você tinha 24 anos quando a China foi tomada por uma onda de protestos na primavera de 1989. Você mesmo testemunhou o movimento chinês na metrópole de Xian. O que foi isso realmente: um movimento democrático, um movimento estudantil, um protesto por melhores condições de vida ou por mais liberdades individuais?

Zhou Qing: Eu acho que você tem que olhar para isso de muitas maneiras diferentes. Os estudantes seguiam basicamente ainda a tradição de movimentos patrióticos como o de 4 de maio de 1919 [protestos estudantis contra o Tratado de Versalhes após a Primeira Guerra Mundial, que não aboliu os direitos especiais do Japão sobre território chinês] e o movimento antijaponês de 9 de dezembro de 1935 [cerca de 6 mil estudantes protestaram contra a reivindicação do Japão ao norte da China]. O movimento de 1989 teve as mesmas origens que o movimento estudantil comunista e o seu viés patriótico.

Em 1989, os estudantes consideravam o secretário-geral do Partido Comunista, Hu Yaobang, como um político que respeitava os intelectuais. Quando ele morreu, em abril de 1989, isso incitou muitas pessoas a iniciar protestos. 

Acima de tudo, o protesto foi dirigido contra a a corrupção estatal. Além disso, a insatisfação de outros grupos sociais, como camponeses e operários, também desempenhou um papel importante. Tinha muito a ver também com a reforma econômica. Em 1988, foi introduzido o sistema duplo de formação de preços, no qual os produtos nas lojas do Estado tinham preços diferentes dos praticados no mercado livre [e através do qual os preços controlados pelo Estado deveriam se adaptar progressivamente aos preços do mercado]. Os preços explodiram, levando a uma grande insatisfação na sociedade. E teve ainda uma parcela, bem minoritária, daqueles que queriam aproveitar a oportunidade para promover a democracia, a liberdade e os valores universais na China.

Qual foi a extensão do movimento?

É um erro acreditar que em 1989 tudo aconteceu apenas em Tiananmen, na Praça da Paz Celestial. Houve protestos em mais de 200 cidades e, além de Pequim, muita coisa aconteceu em Xian, Changsha, Chengdu e Xangai.

Você foi detido por sua participação nas manifestações e preso em condições cruéis durante quase três anos. Como jovem, o que lhe deu força para seguir lutando?

O escritor Zhou Qing ficou três anos presos após o massacre de 1989Foto: Ai Weiwei/Zhou Qing

É assim que é o ser humano, ele consegue aguentar tudo até o fim. Falando de mim mesmo, sobre o porquê de ainda hoje eu ter me mantido de cabeça boa, devo muito isso, essa força, à leitura e aos meus estudos.

Os anos 80 foram um período de abertura relativamente livre, no decurso do qual foram publicadas muitas obras ocidentais importantes em chinês, assim como alguns livros importantes de dissidentes da Europa Oriental. Foi através dessas traduções que percebemos que havia algo muito diferente do que sabíamos, um sistema social diferente. E também aprendemos sobre as possibilidades de resistência. Isso foi incrivelmente importante. Muitos dos livros publicados nos anos 1980 estão agora proibidos na China. A influência que os clássicos ocidentais publicados naqueles anos tiveram sobre o movimento de 1989 não deve ser subestimada.

Após a prisão, você trabalhou durante muito tempo como jornalista e crítico de não ficção na China. Hoje você vive em Berlim como escritor e documentarista. Você pode voltar para a China?

Ainda tenho um passaporte chinês, por isso ainda posso voltar.

A supressão do movimento democrático na China abalou o mundo em 1989 há 30 anos. Quando você fala sobre o 4 de junho na China hoje, isso é mais do que apenas uma data para os jovens?

Há uma frase que se encaixa muito bem: aqueles que controlam o passado também controlam o futuro. A luta pela memória entre as autoridades comunistas e os cidadãos comuns está atualmente no seu auge. Os governantes comunistas estão sempre tentando fazer com que os eventos de 4 de junho desapareçam na escuridão do passado, junto com a Revolução Cultural e a Campanha Antidireitista de 1957, entre outros. Esconder o passado é o método pelo qual eles conseguem fortalecer seu poder e continuar a governar.

Esta efeméride, de 4 junho, está na consciência geral dos chineses?

Há dias oficiais de comemoração e dias de luto tradicionais na China. Mas o fato de o dia 4 de junho poder se tornar um dia de memória e de luto entre o povo deixa as autoridades chinesas apreensivas.

Há alguma abordagem atual na internet para lidar com estes acontecimentos? O assunto é discutido em fóruns, talvez de forma camuflada com outros personagens, como às vezes acontece com outros temas?

Os chineses sabem sempre como ajudar uns aos outros. Se as autoridades proibirem "4/6", não importa se em números ou alfabeto chinês, eles escrevem por exemplo 1 + 3 de junho ou 35 de maio ou eles fotografam em algum lugar o número da casa 64 e selecionam a imagem como seu ícone. As pessoas têm todo o tipo de ideias – com muito humor.

Muitos intelectuais, escritores, cineastas e artistas chineses tiveram que fugir depois do 4 de junho de 1989 e viver no exílio por anos. No exterior, eles então trataram da repressão ao movimento democrático em suas obras. A maioria deles regressou agora à China. As suas obras estão disponíveis na China? Elas ainda têm influência?

Acredito que a influência das minhas obras é extremamente pequena. A vida humana é curta, e se você não tem esperança de que o balanço de poder mude, pode estar disposto a fazer concessões. Muitos dos que regressaram à China trabalharam com o governo. Então não havia mais nada para exercer influência.

Há ainda escritores ou intelectuais que abordam os eventos daquela época em seu trabalho?

Há, claro. Se estas pessoas não existissem, a nação chinesa ficaria muito triste.

Quem são estas pessoas?

Estas são, por exemplo, as "Mães de Tiananmen" ou alguns dos "velhos famosos" que estiveram presentes no dia 4 de junho. Ainda mais importantes são as pessoas que estavam na prisão por causa do 4 de junho, que foram atacadas e não conseguiram encontrar trabalho e que mais tarde trabalharam para instituições de caridade ou ONGs. Tenho o maior respeito por eles. Essas pessoas dão esperança para o futuro da China.

Existem, ainda que secretamente, forças políticas que queiram ver esse passado de forma crítica?

Acho que isso é extremamente improvável. Muitas pessoas, especialmente acadêmicos do Ocidente especialistas em China, fazem uma distinção entre reformadores e conservadores na elite do partido – mas acredito que isso seja especulativo. Não há qualquer motivação para se reformar ou tomar uma posição sobre o massacre da Praça da Paz Celestial. Como quadros superiores, eles têm todos os privilégios, incluindo privilégios materiais, porque deveriam desistir disso? Uma revisão crítica do 4 de junho só será possível se for para ajudar um grupo a ganhar poder num imbróglio interno partidário. Isso seria uma possibilidade.

O escritor e ativista dos direitos humanos Liu Xiaobo escreveu uma vez: "O futuro da liberdade na China é a sociedade civil". Como você enxerga a possibilidade de uma sociedade chinesa livre?

Acredito que a China está a caminho de uma sociedade democrática, livre e constitucional. Não tenho a menor dúvida sobre isso. Porque a grande maioria dos chineses já experimentou a luz brilhante lá fora, e eles vão caminhar nessa direção – a qualquer preço.

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