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Chocolate, carne enlatada, panetones e bilhetes premiados

21 de dezembro de 2019

Antes de Flávio Bolsonaro, políticos como Collor, Aécio, João Alves, Renan e Eduardo Cunha citaram negócios com imóveis e alimentos e até mesmo a “ajuda de Deus” para tentar explicar recursos suspeitos.

Flávio Bolsonaro
Foto: Getty Images/AFP/M. Pimentel

Alvo de uma investigação que apura um suposto esquema de “rachadinha” em seus tempos de deputado estadual, o senador Flávio Bolsonaro, filho mais velho do presidente Jair Bolsonaro, tem negado qualquer irregularidade.

Para o Ministério Público do Rio de Janeiro, no entanto, Flávio é suspeito de lavar recursos do esquema – que consiste em se apropriar de parte dos salários de assessores – por meio de transações fraudulentas com imóveis e lucros fictícios de uma franquia de chocolates. 

Uma das suspeitas é que o senador tenha lavado mais de 800 mil reais com a compra de dois imóveis em Copacabana a preços abaixo do mercado. Os apartamentos foram comprados por 310 mil reais e revendidos meses depois com um lucro de 262%. Sobre o caso, Flávio disse: "Ué, eu consigo comprar mais barato e estou sendo julgado por isso?”.

O MP-RJ ainda detectou discrepâncias nas contas de uma franquia de chocolates de Flávio num shopping do Rio, apontando a suspeita que o local foi usado para lavar até 1,6 milhão de reais. A loja, segundo os promotores, também operava com volume atípico de transações em dinheiro vivo.

As investigações ainda apontaram que Diego Sodré Ambrósio, um PM, amigo de Flávio, depositou 21 mil reais na conta da franquia. Flávio disse que o valor foi usado para comprar produtos na loja.  "O que é que tem de absurdo nisso?", disse o senador. 

Ambrósio, por sua vez, contou à revista Época que adquiriu panetones para os clientes de sua empresa de segurança. O mesmo PM ainda pagou um boleto de 16 mil reais em nome da mulher de Flávio. Segundo o senador, ele pediu para que Ambrósio efetuasse o pagamento porque "que o banco já estava fechado” e ele “não tinha o aplicativo no telefone na época". "Ele pagou e depois eu reembolsei. Qual o problema nisso?", disse o senador.

As explicações de Flávio provocaram críticas e piadas entre usuários de redes sociais. O caso vem atormentando o clã Bolsonaro desde 2018. No início do ano, o suspeito de ser o operador do esquema, o ex-PM, Fabrício Queiroz, já tinha tentado explicar suas próprias movimentações suspeitas afirmando que “vendia carros” e "fazia rolo". No entanto, nunca divulgou registros das supostas vendas. 

Flávio Bolsonaro e Queiroz não são os únicos personagens da política brasileira a prestarem informações que levantaram ainda mais perguntas. Mesmo a citação dos panetones não é original. Em 2009, o ex-governador José Roberto Arruda, já havia citado o pão doce para justificar um pagamento ilegal de 50 mil reais. 

Veja alguns casos de explicações sobre recursos que entraram para o anedotário político nacional:

A Operação Uruguai

Fernando Collor em 1991

Em 1992, Cláudio Vieira, secretário do então presidente Fernando Collor bolou uma tentativa para dar um verniz de legalidade ao dinheiro usado para financiar os gastos luxuosos do mandatário, que a essa altura era alvo de uma CPI. O dinheiro na verdade era fornecido pelos esquemas de corrupção do empresário Paulo César Farias. 

Mas, à CPI, Vieira apresentou documentos para vender uma tese de que os recursos eram meras sobras de campanha, resultado de um empréstimo de 3,75 milhões de dólares feito no Uruguai quase três anos antes. A farsa não durou muito e ruiu após o depoimento de uma secretária, que relatou ter testemunhado os envolvidos discutindo como forjar os documentos. Depois disso, o impeachment de Collor ganhou impulso decisivo na Câmara. 

O deputado felizardo

Em 1993, o deputado federal João Alves de Almeida se tornou o rosto mais conhecido de um escândalo de manipulação do Orçamento da União. Ele foi acusado de ser o encarregado de distribuir entre parlamentares propinas recebidas em troca de emendas que liberavam dinheiro federal para instituições e empreiteiras. Um assessor afirmou que o esquema funcionava desde 1972.

Por causa da baixa estatura de Alves, assim como a de outros parlamentares envolvidos no escândalo, o caso ganhou o nome de "Anões do Orçamento". 

Para justificar as altas somas em suas contas, Alves alegou ter acertado 221 vezes em jogos de loteria da Caixa Econômica Federal. "Deus me ajudou", disse o então deputado a uma CPI. Não funcionou. Ele renunciou ao mandato em 1994 para evitar a cassação. 

Panetones para os pobres

Em 2009, José Roberto Arruda, então governador do Distrito Federal se tornou pivô de um escândalo de pagamento de propinas. 

Um dos pontos altos do escândalo foi a exibição de um vídeo que mostrava Arruda recebendo um maço de 50 mil reais de um ex-secretário do seu governo. As imagens haviam sido gravadas em 2006, quando Arruda ainda era candidato. Segundo as investigações, Arruda comandava um esquema que captava dinheiro ilegal de empresas. Os recursos eram então distribuídos para vários membros do governo.

O então governador tentou argumentar que os 50 mil que apareciam no vídeo eram uma doação que seria usada na compra de panetones para pessoas carentes. "Eu entrego panetone nas creches, nos asilos, tudo isso", disse à época. 

A estratégia visava minimizar o episódio como um mero crime eleitoral durante a campanha. Arruda ainda apresentou documentos que comprovariam a doação três anos antes. Mas a Polícia Federal apontou que os recibos haviam sido forjados e produzidos depois da eclosão do escândalo.

Arruda acabou sendo preso  no início de 2010. Perdeu o cargo semanas depois. Em 2017, foi condenado a três anos e 10 meses de reclusão no semiaberto por crime de falsificação ideológica por forjar os recibos dos panetones. 

Verduras e dólares na cueca

Em 2005, o assessor parlamentar José Adalberto Vieira da Silva, que trabalhava no gabinete do deputado José Nobre Guimarães, irmão do ex-dirigente petista José Genoino, foi detido quando se preparava para embarcar no aeroporto de Congonhas.

Agentes encontraram 209 reais em uma sacola e 100 dólares presos no corpo do assessor. O caso ficou conhecido como "dólares na cueca". O dinheiro não tinha comprovação de origem e nem registo no câmbio legal. 

À Polícia Federal, Adalberto disse que era agricultor e que o dinheiro era resultado do "pagamento de verduras" que havia vendido na Companhia de Entrepostos e Armazéns Gerais do Estado de São Paulo (Ceagesp).

Guimarães chegou a ser acusado de envolvimento, mas em 2012 o Superior Tribunal de Justiça tirou o nome dele do caso. Hoje ele ocupa uma cadeira na Câmara Federal. Já o antigo assessor ainda está sendo investigado, 14 anos depois. Em outubro de 2019, um juiz negou o arquivamento do caso.

Carne enlatada e dívida de um morto

Em 2015, Eduardo Cunha, então presidente da Câmara Federal, foi acusado de receber 5 milhões de dólares no esquema de corrupção na Petrobras. 

Eduardo Cunha em 2016, poucos meses antes de ser presoFoto: Reuters/U. Marcelino

As investigações identificaram milhões depositados em nome de Cunha em bancos na Suíça. Ele negou inicialmente ser o titular de qualquer conta. Depois, alegou que as contas na verdade eram “trustes” e que os valores depositados eram lícitos. 

Uma das explicações de Cunha é que o parte dos recursos havia sido obtido com a venda de alimentos – entre eles carne enlatada – para o antigo Zaire (Hoje República Democrática do Congo) nos anos 1980 e com operações no mercado financeiro. No entanto, ele não apresentou nenhuma prova. "Não tenho mais a guarda de nenhum documento que possa gerar isso, a não ser meu passaporte provando as minhas viagens", disse.

Ele também alegou que não sabia por que havia recebido um depósito de 1,3 milhão de francos suíços numa de suas contas em 2011 e disse que não mexeu no dinheiro porque esperava que alguém fosse reclamá-lo. "O dinheiro não é meu, não fui eu quem coloquei."

Quando foi revelado que o dinheiro foi depositado por um lobista, Cunha disse imaginar que o valor era o pagamento de um empréstimo que havia concedido uma década antes a um deputado do seu partido. O deputado em questão havia morrido em 2009, dois anos antes de o depósito ter sido efetuado.

Cunha especulou então que o pagamento feito pelo lobista poderia ter sido ordenado pelo filho do morto. Mas o filho do suposto devedor negou tudo. Cunha foi cassado em 2016 e preso no mesmo ano. 

O gado valorizado

Quando era presidente do Senado em 2007, Renan Calheiros, foi acusado de receber propina de uma empreiteira. Segundo a revista Veja, 25 mil reais eram repassados mensalmente para que o senador pagasse as despesas de uma ex-amante com quem teve uma filha. 

Renan perdeu a chefia do Senado, mas salvou mandato Foto: Reuters/U. Marcelino

Após a acusação, Renan subiu à tribuna do Senado para apresentar recebidos que supostamente apontavam que ele havia obtido 1,9 milhão com a venda de gado em Alagoas. Tudo para justificar os pagamentos à ex-amante, incompatíveis com seus rendimentos de senador.  

O jornal Folha de S.Paulo apontou que o ganho com  as cabeças foi muito acima da média de outros pecuaristas de Alagoas e até mesmo de São Paulo, que à época não enfrentavam os mesmos problemas de febre aftosa do estado nordestino. Já a Polícia Federal e a Procuradoria-Geral da República  acusaram o senador de forjar os documentos

Renan escapou de um processo de cassação no mesmo ano por causa do episódio, mas o escândalo e outros desdobramentos desgastaram sua posição como presidente da Casa, e ele deixou o cargo. Voltou à Presidência do Senado em 2013. Em 2018, foi absolvido pelo Supremo da acusação de dinheiro público pelo caso. Já uma acusação por falsidade ideológica sobre a sua renda foi arquivada, já que os ministros entenderam que o crime tinha prescrito.

Bunker era "simples guarda de valores"

Em 2017, o baiano Geddel Vieira Lima já estava no ostracismo político após perder o cargo de ministro no governo Temer, acusado de pressionar um colega de Esplanada a liberar uma obra embargada.

Em julho do mesmo ano, foi preso por suspeita de irregularidades na liberação de recursos da Caixa Econômica Federal. Em setembro, a PF encontrou malas e caixas cheias de dinheiro num apartamento que usado pelo ex-ministro. Valor total: 51 milhões de reais. Foi a maior apreensão de dinheiro vivo já registrada pela PF. Geddel foi preso novamente. 

A defesa de Geddel disse que os valores eram fruto de "investimentos no mercado de incorporação imobiliária" e que o fato de o dinheiro estar armazenado num apartamento não passava de "uma simples guarda de valores". Em dezembro de 2019, o ex-ministro foi transferido para uma penitenciária de Salvador. 

Empréstimo para o filho morto

Em 2005, o deputado Severino Cavalcanti foi eleito presidente da Câmara com a ajuda do chamado “baixo clero”. Seu poder não duraria muito. No mesmo ano, foi acusado de extorquir um empresário entre 2002 e 2003. Uma denúncia apontou que ele recebia uma propina mensal de 10 mil para estender a concessão de um restaurante da Câmara. O empresário apresentou um cheque que foi descontado por uma secretária do deputado. 

Severino tentou argumentar que o valor era um empréstimo para uma campanha eleitoral do seu filho, que havia morrido em 2002. O advogado do deputado ainda apresentou passagens aéreas a Brasília para tentar argumentar que o filho falecido viajou à Brasília na época em que o cheque foi descontado. 

"É um argumento a mais em favor da tese do empréstimo. Não há outros, porque ele morreu. Só se fôssemos a um centro espírita", disse o advogado. No entanto, o dinheiro nunca foi registrado nas contas de campanha do filho.

A explicação não convenceu. Severino renunciou à Presidência da Câmara e ao mandato de deputado no mesmo ano. Em seu discurso de renúncia, disse que só "empobreceu com a política" e que esse foi "um empobrecimento ilícito". 

"Empréstimo pessoal" de 2 milhões

Em maio de 2017, uma gravação revelou que o então senador Aécio Neves havia pedido 2 milhões de reais para o empresário Joesley Batista, da JBS. A quantia, segundo Aécio, seria usada para pagar sua defesa na Lava Jato. No diálogo, Joesley perguntou a Aécio quem pegaria o dinheiro. O tucano respondeu: "Tem que ser um que a gente mata ele antes de fazer delação".

Aécio recebeu 2 milhões, mas não perdeu o mandatoFoto: picture-alliance/AP Photo/E. Peres

Foram quatro entregas. Em um dos casos, a PF filmou um primo do Aécio recebendo uma mala com 500 mil reais de um executivo da JBS. Aécio negou que o dinheiro tenha sido entregue como propina, Segundo ele, foi um "empréstimo pessoal". Ele ainda disse que foi "impróprio" e um "erro", "mas que não foi ilegal".

Por causa do seu envolvimento com a JBS, Aécio chegou a ser afastado duas vezes do mandato pelo Supremo em 2017, mas a decisão foi derrubada pelo Senado no mesmo ano e ele retornou ao Senado. O caso, no entanto, erodiu seu capital político. Em 2018, ele desistiu de tentar o Senado novamente e se candidatou a deputado federal. Em julho de 2019, virou réu por corrupção passiva e obstrução da Justiça.

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