Ciência oferece "ambiente desfavorável" para mulheres
Manuela Kasper-Claridge (ca)1 de dezembro de 2015
Equipes femininas tendem a pesquisar temas diferentes que masculinas, o que já seria motivo para mais diversidade nos laboratórios. Em entrevista, Emilie Marcus, da editora Cell Press, explica por que isso não acontece.
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Emilie Marcus é editora-chefe da Cell Press, editora especializada em publicações científicas. Em entrevista à Deutsche Welle, ela afirma que a competitividade e o individualismo criam um "ambiente desfavorável" para a presença de mulheres na pesquisa científica.
Além disso, Marcus diz haver evidências de "que equipes de cientistas mulheres trabalhando juntas tendem a abordar diferentes tipos de temas que os abordados por equipes mistas ou equipes masculinas".
Segundo a editora, mulheres "podem ser mais abertas para o lado humano da investigação e para o fato de como os dados interagem com o ambiente e a sociedade".
DW: Por que a igualdade de gênero é tão importante na ciência?
Emilie Marcus: A própria ciência nos ensina que a diversidade de perspectivas e pensamento é a forma de fazer avançar as coisas. É daí que surgem as ideias. Caso se continue com um conjunto fechado de pensamento homogêneo, não se vai avançar muito. Então, é muito importante – na ciência, assim como em todos as áreas – que se tenha um grau de diversidade e que se agreguem diferentes pontos de vista.
A questão do gênero é um dos elementos-chave da diversidade [...] O pensamento, o questionamento e a solução de problemas serão melhores quando consideradas as perspectivas que surgem de uma equipe variada na abordagem de um tema.
Você diria que existem algumas questões que ainda não foram levantadas apenas por não haver um número suficiente de cientistas do sexo feminino?
Existem formas de pensamento que ainda não foram exploradas, porque não há uma representação feminina abordando esses assuntos. Eu não sei se essas questões são únicas. Há evidências do relatório de gênero recém-publicado que equipes de cientistas mulheres trabalhando juntas tendem a abordar diferentes tipos de temas que os abordados por equipes mistas ou equipes masculinas que trabalham em grupo. Então existe algum indício de que as mulheres se interessariam por temas que nem sempre são abordados.
Você poderia nos dar exemplos? Que tipo de questões as mulheres abordariam mais?
Elas podem ser mais sensíveis e cientes do impacto social da pesquisa e dos diferentes tipos de input social para o estudo – mais abertas para o lado humano da investigação e para o fato de como os dados interagem com o ambiente e a sociedade.
Elas também tendem a ser mais inclusivas e mais abertas para diferentes tipos de pontos de vista e tentam entender como esses se ajustam ao pensamento. Elas são mais propensas a observar diferentes ângulos. Algo a que um grupo mais restrito de pensadores não chegaria a partir dessa perspectiva.
Considerando a sua própria experiência, você diria que pesquisadores masculinos apoiam com mais frequência seus colegas do mesmo sexo?
Eu tento evitar esses tipos de generalizações. Pode ser perigoso generalizar cientistas do sexo masculino contra cientistas do sexo feminino. Existem diferentes tipos de abordagem que os homens podem tomar. Eles têm uma espécie de espectro mais amplo [de pensamento]. Então, isso faz a diferença.
Eu realmente acho que qualquer grupo que se torne muito homogêneo – seja um grupo só de mulheres ou só de homens – tende a buscar membros que combinem com sua homogeneidade. Acho importante evitar que qualquer grupo se torne homogêneo, porque fica muito difícil, então, aceitar que se entrem novas ideias e novas pessoas.
A questão de igualdade de gênero não é realmente nenhuma novidade. Há dados disponíveis, mas nada muda. Por que isso?
Acho que vale a pena dar uma olhada na atual estrutura da própria ciência. Primeiro de tudo, é muito competitiva, e a concorrência está ficando cada vez maior. Então se começa num campo muito competitivo, e no topo dele, acrescenta-se uma estrutura de pesquisa acadêmica que é muito individualista.
Prêmios são concedidos a indivíduos, as posições nas universidades são concedidas a indivíduos, e não há muito espírito de equipe na ciência. Então, se começa com algo muito competitivo e individualista [...] Se considerarmos os atletas olímpicos, por exemplo, sejam eles do sexo masculino ou feminino, quanto mais eles se sacrificam por seu treinamento e pelo sucesso na carreira, mais eles vão para frente. E isso cria uma espécie de ambiente desfavorável.
Cubana, feminista e bissexual
Conheça Yasmín S. Portales, ativista e fundadora do Projeto Arco-Íris, a primeira organização cubana independente a integrar a Associação Internacional de Gays, Lésbicas, Bissexuais, Transexuais e Intersexuais.
Foto: Neysa Jordán
Contra a "rigidez mental"
"Com seu véu, sua pele queimada [num acidente na infância], sua inteligência, seu espírito crítico, seu humor ácido, a foto de seu casamento com Rogelio (ela de véu branco de noiva, como Deus manda) exposta no mesmo blog em que ela se declara bissexual, Yasmín desafia nossa rigidez mental", escreve June Fernández, diretora da publicação feminista "Píkara Magazine", do País Basco.
Foto: Neysa Jordán
Feminista e queer
Cheia de cicatrizes, perguntas e críticas à "lógica da beleza e da feminilidade" e às "dinâmicas de subordinação" da mulher nos "modelos de família vigentes", Yasmín se identifica como uma feminista "queer" – ela defende a ideia de que a sexualidade é fluida e varia ao longo da vida. "Em questão de estética, política e sexualidade, quase ninguém crê nas mesmas coisas aos 20 e aos 45 anos", diz.
Foto: Proyecto Arcoiris
Mãe
A maternidade veio "por acidente", com um filho "desejado, mas não planejado", conta Yasmín. Trouxe à tona todos os temas sobre os quais ela já havia refletido: a premissa de que abandonaria sua carreira, os preconceitos sobre o sexo do bebê, "coisas com que sigo lutando diariamente na educação do meu filho", defendendo-o ou enfrentando-o, conforme o caso.
Foto: Yasmín Silvia Portales
Pesquisadora
Yasmín integra o grupo de trabalho "Anticapitalismo e Sociabilidades Emergentes" do Conselho Latino-Americano de Ciências Sociais (CLACSO). "Seguimos os movimentos sociais na América Latina, os camponeses, as mulheres, as organizações trabalhistas", conta. Em maio deste ano, ela se reuniu com seus colegas no 23º Congresso da Associação de Estudos Latino-Americanos (Lasa), em Porto Rico.
Foto: Proyecto Arcoiris
"Mudar Cuba de dentro de Cuba"
Como muitos cubanos, "eu brincava com a ideia de emigrar", admite. "Talvez por isso eu acredite no direito dos cubanos e cubanas que emigraram de opinar sobre o destino do país." Yasmín, porém, decidiu "tentar mudar Cuba de dentro de Cuba", atuando em coletivos como o Projeto Arco-Íris e a Rede Social Observatório Crítico, reunida na foto em seu fórum social de 2011.
Foto: Red Observatorio Crítico
Projeto Arco-Íris
Fundado em 2011, o Projeto Arco-Íris se tornou, em 2014, a primeira organização cubana independente a ser aceita como membro pleno da Associação Internacional de Gays, Lésbicas, Bissexuais, Transexuais e Intersexuais (Ilga, na sigla em inglês). Após lutar contra a exclusão de ativistas independentes, o projeto participou da 6ª Conferência Regional para América Latina e Caribe (Ilga-Lac), em Cuba.
Foto: Proyecto Arcoiris
Com lenço
Yasmín tem duas razões para usar o hijab (vestuário típico da doutrina islâmica), apresentado a ela sob o sol intenso de Quito, no Equador. "A razão pessoal: não gosto de pentear o cabelo", conta ela, rindo. "E a política: sou feminista e me visto como eu quiser." Enquanto algumas mulheres são obrigadas a usar o lenço "em nome da religião ou da integração cultural, eu defendo o poder de escolha".
Foto: Proyecto Arcoiris
"Beijaço"
Em 2012, o Projeto Arco-Íris promoveu a manifestação "Besadas por la Diversidad" (Beijos pela Diversidade), que reuniu dezenas de pessoas na Plaza de la Revolución, em Havana. Em 2014, o protesto ocorreu na cidade de Sagua La Grande (foto). "Um sucesso em Cuba, onde não há acesso aos meios de comunicação, com um tema tabu: como os gays, lésbicas e trans vão tomar o espaço público", conta Yasmín.
Foto: Proyecto Arcoiris
Contra a exclusão
O Arco-Íris também organiza o chamado "Motivitos LGBTQA", idealizado por outra ativista do grupo. Trata-se de um movimento contra a exclusão classista de lésbicas, gays, bissexuais, transgêneros, queers e simpatizantes, ocorrida em alguns espaços de lazer LGBT, "que se tornaram muito caros", afirma Yasmín.
Foto: Proyecto Arcoiris
Visibilidade na mídia estatal
O primeiro curso de Literatura LGBT em Cuba – organizado em 2014 pelos poetas e críticos cubanos Victor Fowler e Norge Espinosa, membro do Projeto Arco-Íris – levou à publicação de reportagens reflexivas sobre a presença do homoerotismo na arte cubana na edição 38 da revista "Extramuros", produzida pela Secretaria de Cultura de Havana.
Foto: Proyecto Arcoiris
Voluntariado internacional
Em 2013, na Parada do Orgulho Gay em Nova York, nos Estados Unidos, Yasmín ajudou a controlar o trânsito de uma movimentada esquina da cidade. "Foi o melhor trabalho voluntário da minha vida", conta. Na viagem de volta, "o trem estava cheio de gente com bandeirinhas, adesivos, casacos, guarda-chuvas. Fazíamos sinais de cumplicidade, como se soubéssemos de algo muito especial, e sabíamos mesmo".
Foto: Proyecto Arcoiris
Aprendizado
Yasmín está fazendo um curso em Washington sobre o Sistema Interamericano de Proteção dos Direitos Humanos para a Sociedade Civil, promovido pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH). Ela está conhecendo o funcionamento da CIDH, seus funcionários, repórteres e ativistas, assistindo a audiências e aprendendo, "da primeira fila, como se usa o mecanismo e como respondem os Estados".