Para Sérgio Costa, da Universidade Livre de Berlim, colapso do modelo político e econômico adotado pelo ex-presidente Lula, agravado por escândalos de corrupção, levou à derrocada do governo Dilma.
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O plenário do Senado decidirá, a partir da próxima quarta-feira (11/05), se instaura o processo de impeachment contra a presidente Dilma Rousseff. E, com a necessidade de apenas uma maioria simples dos votos para que o processo avance, a tendência é que ela seja afastada do cargo.
Para o sociólogo Sérgio Costa, do Instituto de Estudos Latino-Americanos da Universidade Livre de Berlim, vários fatores acabaram levando à derrocada do governo Dilma, o principal deles o esgotamento do modelo conhecido como "lulismo”, agravado por esquemas de corrupção e um processo de impeachment que, segundo ele, é uma farsa.
De acordo com Costa, a atual disputa envolvendo o impeachment não seria mais para salvar a presidente, mas sim definir quem liderará a oposição a um eventual governo Michel Temer.
DW Brasil: Em análise recente, você afirma que o Brasil viveu, entre 2003 e 2013, período chamado por cientistas políticos de lulismo, um momento de transformações e prosperidade. Mas, a partir de 2014, esse modelo entrou em colapso. O que deu errado?
Sérgio Costa: Um dos problemas que estavam implícitos a esse modelo é fundamentalmente o fato de que houve uma aposta muito forte na exportação de commodities. Esse foi o primeiro ciclo de desenvolvimento no Brasil que não foi baseado na substituição de importações. Houve o que os economistas chamam de "reprimarização", ou seja, a volta para exportação de produtos agrícolas e matérias-primas. Isso causa um problema estrutural, na medida em que um país que investe nesse modelo perde competitividade industrial. Houve um crescimento grande do mercado interno, mas esse crescimento não serviu para beneficiar a indústria brasileira. A política econômica baseada na exportação de matérias-primas é uma política de curto prazo, e com a diminuição do preço de matérias-primas no mercado internacional, a economia cai.
E quais são os outros problemas do lulismo?
O segundo problema é político. Há um certo tipo de articulação parlamentar nesse modelo, basicamente a continuação da forma existente anteriormente, na qual há negociação direta com deputados sobre o que eles querem para apoiar o governo, mas não há propriamente uma formação de maiorias através de um programa. É uma negociação ao varejo. O governo petista sempre precisou fazer alianças individuais com os deputados. O espaço para essa negociação no varejo deixou de existir a partir de 2013, devido às investigações de corrupção que foram ficando cada vez mais dramáticas, sobretudo em 2014. Assim, a sustentação política do governo dentro do Congresso ficou impossibilitada pelas investigações de corrupção.
Além do colapso desse modelo, há outros fatores que contribuíram para a derrocada do governo Dilma Rousseff?
Outro fator que seguramente contribuiu foi o fato de muitos deputados a favor do impeachment estarem envolvidos em processos de corrupção. A expectativa deles ao oferecer, digamos assim, a cabeça da Dilma de prêmio para quem está lutando contra a corrupção, é cessar a sede dos brasileiros pelo combate a corrupção. Ao entregar a cabeça de alguém tão importante quanto a própria presidente, espera-se que as pessoas se acalmem, e isso garante que os corruptos que votaram pelo impeachment continuem impunes. Já a expectativa política é que um governo Temer consiga conter a fúria investigativa da chamada "República de Curitiba".
Como você enxerga o processo de impeachment?
O processo de impeachment é o que deprime qualquer pessoa que tem o mínimo de sensibilidade política, não só pelo espetáculo grotesco que foi a votação da aceitação do impeachment na Câmara. Ali, basicamente, o que mais me chocou foi o autorreferenciamento e narcisismo daqueles representantes, que não estão lá para falar em seu nome, mas para representar uma parcela da sociedade. Aquele momento, como momento síntese do processo de impeachment, é expressivo para o que é esse processo como um todo.
Há uma peça de acusação, motivada pelas pedaladas fiscais. Na votação nenhum deputado mencionou a acusação. Cria-se um rito para saber se a acusação tem procedência ou não, e as pessoas votam motivados por outras razões. Cria-se uma farsa de procedimento para justificar a deposição de alguém por outras razões.
No atual cenário, um possível afastamento de Dilma seria mais positivo ou negativo para o país?
No atual cenário, o afastamento é negativo. Primeiro porque esse afastamento está sendo feito sem que a população esteja convencida de que é legítimo. Além disso, o vice-presidente não tem nenhuma experiência executiva e tem um enorme histórico de negociatas dentro da Câmara. É difícil acreditar que ele consiga promover a conciliação e reunião de forças que o Brasil precisa. Imagina-se que seu governo vai ser tão desastroso ou mais do que foi o segundo governo Dilma.
Quais são as alternativas ao lulismo?
O lulismo estabeleceu um padrão onde havia crescimento econômico, finanças públicas controladas, sem aumentar o déficit público, e ao mesmo tempo promover uma distribuição de renda. Mas isso só funcionou quando a economia estava crescendo, sem que uma classe perdesse economicamente para que outra ganhasse. Esse ciclo está esgotado.
A alternativa apresentada por Temer é uma política fiscal mais restritiva ainda, ou seja, gastar menos. Porém, gastar menos não vai gerar mais crescimento, vai encolher ainda mais o mercado interno, e isso não vai fazer aumentar a produtividade da indústria brasileira. Como fórmula de promover o crescimento econômico, o lulismo não funciona mais, e não existe ainda outro modelo capaz de substituí-lo.
Que caminhos restam à esquerda no Brasil?
As disputas que estamos vendo agora não são necessariamente para salvar o mandato da Dilma, porque nem os mais esperançosos creem que ainda é possível salvá-la. A disputa é exatamente para saber quem liderará a oposição ao governo Temer e será a esquerda no Brasil: o PT, que nos últimos anos foi de alguma maneira o ator hegemônico da esquerda; ou outras forças, como o Psol, ou até mesmo forças não partidárias, que surgem no seio da sociedade civil.
Qual seria o programa da nova esquerda?
O programa não pode ser obviamente mais a volta do lulismo. Outro programa terá que ser inventado e isso dependerá do ator que assumir a hegemonia de esquerda no país. Se for o PT, seguramente insistirão na volta do lulismo, o que acho que é um beco sem saída. Se for outro setor, pode ser que insistam em maior participação do Estado na produção de bens públicos, com uma boa escola pública, uma boa saúde pública. Pode ser que essa seja a alternativa que prevalecerá.
Altos e baixos da trajetória política de Dilma Rousseff
Ela foi a primeira mulher a ocupar a Presidência da República. Antes disso, lutou contra a ditadura militar e foi ministra de Lula. Eleita, o adversário passou a ser a crise econômica e a pressão pelo impeachment.
Foto: Cleia Viana/Câmara dos Deputados
Contra a ditadura
Dilma Rousseff começou a vida política ainda jovem. No final dos anos 60, integrou organizações de combate à ditadura, até ser presa em janeiro de 1970 e torturada por mais de 20 dias. Quando deixou a prisão, no final de 1972, abandonou a luta armada e se mudou para o Rio Grande do Sul – onde se formou em Economia e ajudou a fundar o Partido Democrático Trabalhista (PDT).
Foto: AP/Arquivo Público do Estado de São Paulo
Ao lado de Lula
Dilma se filiou ao Partido dos Trabalhadores (PT) em 2001, enquanto era secretária de Minas e Energia do Rio Grande do Sul. Com a eleição de Luiz Inácio Lula da Silva em 2002, foi nomeada ministra de Minas e Energia. Em 2005, ela assumiu a chefia da Casa Civil no lugar de José Dirceu, após o escândalo do mensalão. A mudança marcou o início de uma reforma ministerial em meio à crise política.
Foto: Ricardo Stuckert/PR
"Ministra linha dura"
Enquanto era ministra-chefe da Casa Civil, Dilma anunciou a criação do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), em 2007 – que acabou não se desenvolvento tanto quanto o esperado –, e assumiu a direção de iniciativas como o programa Minha Casa, Minha Vida. Em 2009, apresentou o marco regulatório do pré-sal, definindo as regras para a exploração das recém-descobertas reservas de petróleo.
Foto: A. Nascimento/ABr
Luta contra o câncer
Em abril de 2009, a então ministra foi diagnosticada com câncer linfático. Após cirurgia para retirada do tumor e meses de radioterapia, Dilma anunciou estar curada em setembro do mesmo ano, já como pré-candidata do PT à sucessão de Lula. Na ocasião, falou à DW sobre o câncer: "Se você se desarmar diante da doença, ela vence. Mas, se não, percebe que a vida não acabou e que pode até ficar melhor".
Foto: AP
De coadjuvante a presidente
Em outubro de 2010, Dilma deixou se der coadjuvante no cenário político para se tornar sucessora das políticas do ex-presidente. Contra o tucano José Serra no segundo turno, ganhou a disputa com cerca de 55 milhões de votos válidos, e se tornou a primeira presidente mulher da história brasileira. Dilma assumiu o posto em 1º de janeiro de 2011.
Foto: AFP/Getty Images/Evaristo Sa
Primeiro discurso na ONU
"Pela primeira vez, na história das Nações Unidas, uma voz feminina inaugura o debate geral. É a voz da democracia e da igualdade se ampliando nesta tribuna", disse Dilma na abertura da 66ª Assembleia Geral da ONU, em setembro de 2011. Em seu discurso, exaltou o papel feminino na sociedade e na política, lamentou a ausência palestina e defendeu a reforma do Conselho de Segurança da ONU.
Foto: picture-alliance/dpa
Demissão de ministros
Dos 39 ministros que integravam a equipe da presidente eleita, oito deixaram seus cargos nos primeiros 14 meses de mandato, após escândalos deflagrados principalmente pela imprensa. Sete deles vinham do governo Lula, com exceção do ministro do Turismo, Pedro Novais. Dos oito que caíram, apenas Nelson Jobim, então ministro da Defesa, não estava envolvido em denúncias de corrupção.
Foto: AP
Inclusão social
Ao longo do primeiro mandato, Dilma deu continuidade a programas sociais do governo Lula, como Bolsa Família e Minha Casa, Minha Vida, e realizou o leilão do Campo de Libra, no pré-sal, destinando recursos para educação e saúde. Novos programas também foram criados, como Pronatec e Mais Médicos, este último alvo de duras críticas das entidades médicas, que responderam com protestos e paralisações.
Foto: picture alliance/AE
Corrupção na Petrobras
Em março de 2014, a Polícia Federal deflagou a Operação Lava Jato, que investiga um megaesquema de lavagem e desvio de dinheiro envolvendo a Petrobras, grandes empreiteiras do país e dezenas de políticos – entre eles, os ex-ministros Edison Lobão e Antonio Palocci. O escândalo na estatal serviu de munição aos candidatos de oposição contra Dilma durante a campanha eleitoral daquele ano.
Foto: AFP/Getty Images/K. Betancur
Eleições acirradas
Dilma foi reeleita presidente em 26 de outubro de 2014, com 54,5 milhões de votos no segundo turno. Foi uma das eleições mais disputadas da história, com diferença de apenas 3,5 milhões de votos para o segundo colocado, Aécio Neves (PSDB). A campanha eleitoral foi marcada por ataques, escândalos e a morte de um dos presidenciáveis, Eduardo Campos (PSB), substituído por Marina Silva.
Foto: picture-alliance/dpa/Sebastião Moreira
Protestos e reprovação recorde
As manifestações de junho de 2013 apenas respingaram em Dilma. Em 2015, por outro lado, centenas de milhares de pessoas foram às ruas em todo Brasil para protestar especificamente contra o governo da presidente e os escândalos de corrupção. A gestão Dilma Rousseff, que chegou a ser aprovada por 73% dos brasileiros em pesquisa de 2011, viu essa taxa cair para 8% quatro anos mais tarde.
Foto: Getty Images/AFP/E. Sa
Orçamento com déficit
Em agosto de 2015, em guerra com o Congresso, o governo apresentou uma proposta de Orçamento para 2016 com previsão de déficit de 30,5 bilhões de reais, algo inédito. A decisão levou a agência de classificação de risco Standard & Poor's a retirar o grau de investimento do Brasil. Duas semanas depois, o governo anunciou o ajuste fiscal, aprovado pelo Congresso somente em dezembro.
Foto: picture-alliance/epa/F. Bizerra jr.
Pedaladas fiscais
No início de outubro, o Tribunal de Contas da União recomendou a rejeição das contas de 2014 do governo, devido às chamadas "pedaladas fiscais". A decisão é usada pela oposição para fundamentar um pedido de impeachment. Para reduzir despesas, Dilma anunciou o corte de oito ministérios, a extinção de 30 secretarias em todas as pastas e a redução em 10% do salário dos ministros e do seu próprio.
Foto: Reuters/U.Marcelino
Cunha: peça-chave do jogo político
Apesar de ser membro do PMDB, partido da base aliada, o presidente da Câmara, Eduardo Cunha, rompeu com o governo quando passou a ser investigado no escândalo da Petrobras. Em meio a denúncias de corrupção e ao aumento da pressão pela cassação de seu mandato, Cunha autorizou, em dezembro, o pedido de abertura de um processo de impeachment de Dilma. "Não me cabia outra decisão", afirmou ele.
Foto: reuters
Afastamento da presidência
Após cinco meses de debates acalorados e prolongadas sessões no Congresso – incluindo uma votação tumultuada na Câmara –, o processo de impeachment tem sua abertura aprovada pelo Senado em 12/05, marcando o ápice da mais grave crise política brasileira dos últimos tempos. Com isso, Dilma foi afastada da presidência por até 180 dias, enquanto enfrentaria julgamento por crime de responsabilidade.
Foto: Reuters/A. Machado
O impeachment
A etapa final do processo de impeachment – o julgamento no Senado – durou cinco dias, incluindo oitiva de testemunhas, a defesa pessoal de Dilma aos senadores e a votação final, que culminou no afastamento definitivo da petista da Presidência da República. Foram 61 votos favoráveis à cassação, ante 20 contrários. O Senado, porém, decidiu por manter o direito de Dilma de exercer cargos públicos.
Foto: Reuters/J. Marcelino
Discurso de despedida
"É o segundo golpe de estado que enfrento na vida. O primeiro, o golpe militar, apoiado na truculência das armas, da repressão e da tortura, me atingiu quando era uma jovem militante. O segundo, o golpe parlamentar desfechado hoje por meio de uma farsa jurídica, me derruba do cargo para o qual fui eleita pelo povo", disse Dilma, ao se despedir do cargo, em 31 de agosto de 2016.
Foto: Getty Images/AFP/E. Sa
Tentativa de se eleger ao Senado
Com os direitos políticos mantidos após o impeachment, Dilma concorreu ao Senado por Minas Gerais nas eleições de 2018. Ela recebeu 15,29% dos votos válidos, número insuficiente para se eleger, ficando em quarto lugar.
Foto: Reuters/W. Alves
Volta ao Congresso após o impeachment
Três anos após seu afastamento do cargo, voltou pela primeira vez ao Congresso em 4 de setembro de 2019, para o lançamento da Frente Parlamentar Mista em Defesa da Soberania Nacional, que tem entre as principais bandeiras a luta contra as privatizações de estatais.