Cidade da Ucrânia teme a volta dos invasores russos
Anna Pshemyska
20 de março de 2024
Kupiansk, na região de Kharkiv, vivenciou ocupação e libertação. Após a retirada do exército ucraniano, ela está novamente na mira dos russos. Para os que ficaram, uma vida na corda bamba, entre bombardeios e ruínas.
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Quem vai de Kharkiv em direção ao sudeste depara com a placa "Paraíso Kupiansk". Só que esse "paraíso" se deve aos danos que destruíram algumas letras: a escrita original era "Distrito Kupiansk", mas de rayon (distrito), resultou ray (paraíso).
No entanto, nesta área da Ucrânia libertada da ocupação russa em fins de 2022, as circunstâncias são tudo, menos paradisíacas. Plantações abandonadas, lugarejos destruídos, e nas ruas praticamente só se veem veículos militares. Nos primeiros dias da guerra de agressão da Rússia, em fevereiro de 2022, Kupiansk foi ocupada. Enquanto importante polo ferroviário, ela constituía um centro logístico significativo para os invasores.
A cidade e as localidades circundantes ficaram sob ocupação por sete meses, até setembro, quando os russos foram expulsos pelo exército ucraniano. Desde então ela tem sido alvo permanente de artilharia, pois se encontra a apenas poucos quilômetros da frente de combate e ao alcance de disparos, petardos e mísseis.
Por último, as tropas inimigas passaram a realizar também bombardeios aéreos contra a cidade. O trecho do front em torno é hoje um dos palcos mais frequentes de combates. E desde que as tropas nacionais se retiraram da cidade de Avdiivka, devido à escassez de munição, Kupiansk voltou a ser um alvo de eventual ocupação.
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"Vou ser a primeira que eles vão fuzilar"
"Se os russos vierem, vou fugir", anuncia a médica Tetyana Vechir, decidida. Ela é vice-diretora do hospital local, que continua em funcionamento apesar dos ataques constantes. Também durante a ocupação russa ela seguiu cumprindo suas funções, e frisa que, com sua equipe, se opôs aos invasores, negando-se a tratar de soldados russos feridos ou coletar doações de sangue para eles.
O médico-chefe e um anestesista que rejeitaram a "administração" imposta pelos russos foram encarcerados no porão do hospital. Ela própria não foi presa: "Eu brigava com os ocupadores e ignorava todas as ordens deles. Por isso vou ser a primeira que vão fuzilar."
Apesar do medo de um retorno do inimigo, Vechir está segura de que as Forças Armadas ucranianas defenderão Kupiansk. Do pessoal ativo antes da guerra, só sobrou um quinto. Faltam sobretudo especialistas, os quais têm medo de ir trabalhar no local, devido às ofensivas constantes.
"Muitos perguntam se suas casas ainda estão de pé"
O professor de informática Andriy Kusnichenko tampouco abandonou a cidade durante a ocupação. Empregado da escola profissionalizante regional, ele conta que negou toda cooperação com os invasores, recusando-se a adotar os currículos russos.
Assim como todos os funcionários das instituições de ensino municipais atualmente, ele trabalha de casa, em seu laptop. Os alunos estão espalhados pela Ucrânia e até mesmo pelo mundo afora. Apenas dois de seu grupo ainda permanecem em Kupiansk.
"Agora nós somos como professores particulares": ele se comunica com os alunos não só por videochamada, no horário de aula, mas também individualmente, através de todos os serviços de mensagens possíveis. Os que deixaram Kupiansk não se interessam apenas pelas matérias escolares, mas também pela situação na cidade natal.
"Muitos perguntam se suas casas ainda estão de pé", conta. Recentemente, no caminho de casa, ele próprio foi alvo de bombardeios e teve que usar a mochila em que se encontrava seu laptop para tentar proteger a cabeça. Kusnichenko mantém sempre o tanque do carro cheio e uma mala pronta, pois tudo, menos ficar de novo sob ocupação russa. Mas por enquanto vai ficando.
"Vai ser um inferno"
Quem prefere abandonar as áreas perigosas da região de Kharkiv pode solicitar uma evacuação sem custos, oferecida pela organização ucraniana de resgate Rosa na Mão, entre outras.
Pouco antes da chegada dos voluntários, a aldeia de Monachynivka, ao norte de Kupiansk, foi bombardeada e a eletricidade cortada. Embora eletricistas tenham começado imediatamente com os reparos da rede, Valentyna decidiu ir embora de sua cidadezinha: um míssil caíra logo perto de sua casa. Ela se despede do lar benzendo a porta de entrada. Hipertensa, devido à emoção, ela pede para estar um momento sozinha.
Nos limites de Kupiansk, os voluntários ajudam Nadiya, de 70 anos e poucos anos. Sem poder conter as lágrimas, ela quer contar sua história: o filho Ivan foi morto pelos russos durante a ocupação, e o outro, Petro, está servindo o Exército ucraniano na região de Zaporíjia.
Em fins de 2023, devido aos bombardeios constantes, a aposentada se mudou da cidadezinha de Petropavlivka, na margem esquerda do rio Oskil, para Kupiansk. Agora Petro pediu para ela recuar ainda mais, para a cidade de Kharkhiv. "Ele diz: 'Mãe, vai embora, a coisa vai ficar um inferno, uma segunda Avdiivka", relata Nadiya, chorando.
Ao chegarem à destinação, Nadiya e Valentyna são colocadas num alojamento, onde recebem apoio financeiro, comida e medicamentos. Como não têm familiares no local, de início ficarão em residências do governo. Ambas afirmam que, depois de tudo por que passaram, Kharkiv lhes parece um lugar seguro.
Um ano de guerra da Ucrânia: uma linha do tempo em imagens
Na manhã de 24 de fevereiro de 2022, a Rússia invadiu a Ucrânia. Em um ano de combates, milhares de soldados e civis perderam a vida. Relembre os fatos mais marcantes nesta linha do tempo.
Foto: Anatolii Stepanov/AFP/Getty Images
Um dia sombrio para milhões
Na manhã de 24 de fevereiro de 2022, os ucranianos foram acordados por explosões como esta na capital, Kiev. A Rússia havia iniciado uma invasão em grande escala, marcando o maior ataque de um país contra outro desde a Segunda Guerra Mundial. A Ucrânia imediatamente declarou a lei marcial. Estruturas civis passaram a ser atacadas e logo começaram a ser relatadas as primeiras mortes.
Foto: Ukrainian President s Office/Zuma/imago images
Bombardeios impiedosos
O presidente russo, Vladimir Putin, insiste ainda hoje tratar-se de uma "operação militar especial" e que o objetivo é tomar as regiões de Donetsk e Luhansk, no leste da Ucrânia. Moradores de Mariupol se abrigaram em porões por semanas. Muitos morreram sob os escombros. Um ataque aéreo russo em março a um teatro da cidade onde centenas se refugiavam foi condenado por grupos de direitos humanos.
Foto: Nikolai Trishin/TASS/dpa/picture alliance
Êxodo em massa
A guerra na Ucrânia forçou uma emigração nunca vista na Europa desde a Segunda Guerra Mundial. De acordo com a Acnur, a agência de refugiados da ONU, mais de 8 milhões de pessoas fugiram do país. Só a Polônia acolheu 1,5 milhão de pessoas, mais do que qualquer outro Estado da UE. Milhões de pessoas, principalmente do leste e do sul da Ucrânia, foram forçadas a fugir.
Foto: Anatolii Stepanov/AFP
Cenas de horror em Bucha
Após algumas semanas, o exército ucraniano conseguiu expulsar as forças russas de áreas no norte e nordeste do país. O plano da Rússia de sitiar Kiev fracassou. Depois que as regiões foram libertadas, a extensão das atrocidades tornou-se aparente. Imagens de civis torturados e assassinados em Bucha, perto de Kiev, deram a volta ao mundo. As autoridades relataram 461 mortes.
Foto: Carol Guzy/ZUMA PRESS/dpa/picture alliance
Devastação e morte em Kramatorsk
O número de vítimas civis em Donbass aumentou rapidamente. As autoridades pediram à população civil para recuar para áreas mais seguras, mas os mísseis russos também atingiram as pessoas enquanto tentavam escapar, inclusive em Kramatorsk. Mais de 61 foram mortos e 120 ficaram feridos na estação ferroviária da cidade em abril, quando milhares esperavam para fugir para um local mais seguro.
Durante os ataques aéreos russos, milhões de ucranianos buscaram refúgio em algum tipo de abrigo. Para as pessoas próximas às linhas de frente dentro do alcance da artilharia, os porões se tornaram segundos lares. Moradores de grandes cidades também buscaram abrigo dos mísseis. Em Kiev (foto) e em Kharkiv, as estações de metrô funcionam como locais seguros.
Foto: Dimitar Dilkoff/AFP/Getty Images
Alto risco nuclear em Zaporíjia
Nas primeiras semanas após a invasão, a Rússia ocupou uma grande área das regiões sul e leste da Ucrânia, inclusive as proximidades de Kiev. Os combates se espalharam para as instalações do complexo nuclear de Zaporíjia, no sudeste, que está sob controle russo desde então. A Agência Internacional de Energia Atômica enviou especialistas para a usina e pediu uma zona segura ao redor da instalação.
Foto: Str./AFP/Getty Images
Resistência desesperada em Mariupol
O exército russo manteve Mariupol sob cerco por três meses, impedindo o envio de munição e outros suprimentos. O complexo siderúrgico Asovstal era o último reduto ucraniano na cidade, abrigando milhares de soldados e civis. Depois de um ataque prolongado, em maio de 2022 milhares de soldados russos assumiram o controle da usina, capturando mais de 2 mil pessoas.
Foto: Dmytro 'Orest' Kozatskyi/AFP
Um símbolo de resistência
A Rússia conquistou a Ilha das Cobras, no Mar Negro, no primeiro dia da guerra. Um diálogo entre militares ucranianos e russos, na qual os ucranianos se recusaram a se render, se tornou viral. Em abril, os ucranianos afirmaram ter afundado o navio de guerra russo Moskva, uma das duas embarcações envolvidas no ataque à ilha. Em junho, a Ucrânia disse ter expulsado os russos da ilha.
Foto: Ukraine's border guard service/AFP
Número de mortos incerto
O número exato de mortos na guerra permanece incerto. Segundo a ONU, pelo menos 7.200 civis foram mortos e outros 12 mil, feridos – mas os números reais podem ser muito maiores. A quantidade exata de soldados ucranianos tombados também é incerta. Em dezembro, o conselheiro presidencial da Ucrânia, Mykhailo Podolyak, estimou o número em até 13 mil. Estatísticas imparciais não estão disponíveis.
Foto: Raphael Lafargue/abaca/picture alliance
Divisor de águas para a Ucrânia
O envio de armas ocidentais à Ucrânia tem sido um assunto polêmico desde o começo da guerra, mas elas demoraram a chegar a Kiev. Os lançadores de foguetes Himars, fabricados nos EUA, foram uma ajuda decisiva. Eles permitiram que os militares ucranianos cortassem o abastecimento de munição para a artilharia russa e provavelmente também contribuíram para as contraofensivas bem-sucedidas da Ucrânia.
Foto: James Lefty Larimer/US Army/Zuma Wire/IMAGO
Alívio a cada libertação
No início de setembro, os militares ucranianos conduziram uma contraofensiva bem-sucedida em Kharkiv, no nordeste do país. Os russos, surpreendidos, recuaram rapidamente, deixando para trás equipamentos, munições e até evidências de supostos crimes de guerra. Os militares ucranianos também conseguiram libertar Kherson, no sul, e seus moradores comemoraram a chegada dos soldados ucranianos.
Foto: Bulent Kilic/AFP/Getty Images
Explosão na ponte da Crimeia
No início de outubro, ocorreu uma grande explosão na ponte que a Rússia construiu sobre o Estreito de Kerch, ligando à Crimeia, península ucraniana que Moscou ocupa desde 2014. A ponte foi parcialmente destruída. A Rússia afirma que um caminhão da Ucrânia carregado de explosivos causou os danos, mas as autoridades em Kiev não assumiram a responsabilidade pelo ataque.
Foto: AFP/Getty Images
Ataques maciços à infraestrutura de energia
Poucos dias após a explosão na ponte da Crimeia, a Rússia começou a atacar em grande escala a infraestrutura de energia da Ucrânia. Quedas de energia ocorreram de Lviv a Kharkiv. Desde então, esses ataques se tornaram rotina. Devido aos enormes danos às usinas de energia e outras infraestruturas civis, as pessoas na Ucrânia enfrentam quedas de energia e escassez de água quase diariamente.
Foto: Genya Savilov/AFP/Getty Images
Apoio do mundo ocidental
Mensagens diárias por vídeo do presidente ucraniano, Volodimir Zelenski, em que ele relata a situação no país e sobre a guerra em andamento, são vistas por milhões de pessoas. Zelenski não só conseguiu unificar a população de seu país, mas também ganhou o apoio do Ocidente. A integração europeia progrediu muito sob a sua liderança, e a Ucrânia está a caminho da adesão à UE.
Foto: Kenzo Tribouillard/AFP
Esperando por tanques Leopard 2
A defesa da Ucrânia depende muito da ajuda externa. Um grupo de países liderado pelos EUA ofereceu um pacote de bilhões de dólares em ajuda humanitária, financeira e militar. O envio de artilharia pesada foi muito debatido no Ocidente, em grande parte devido a preocupações com a reação da Rússia. Mas a Ucrânia acabará recebendo tanques ocidentais, em sua maioria Leopard 2, de fabricação alemã.
Foto: Ina Fassbender/AFP/Getty Images
Uma cidade em ruínas
Há meses, batalhas sangrentas acontecem em Bakhmut, na região de Donetsk. Desde que as tropas ucranianas perderam o controle do vilarejo de Soledar no início de 2023, defender a cidade tornou-se ainda mais difícil. Em janeiro, o serviço secreto da Alemanha relatou perdas diárias de três dígitos do lado ucraniano. Mas acredita-se que o número de mortos na Rússia seja ainda maior.