Cidade no Líbano é um microcosmo da guerra civil na Síria
22 de abril de 2015![](https://static.dw.com/image/18373139_800.webp)
No coração de Trípoli, cidade no norte do Líbano, dois bairros formam um microcosmo da guerra civil que já dura quatro anos na vizinha Síria. O governo libanês luta contra milícias islamistas, que se opõem ao presidente sírio, Bashar al-Assad. Já grupos armados alauítas, que apoiam Assad na Síria, combatem as milícias islamistas. Além disso, muitas dessas milícias estão em conflito entre si.
Apesar de os confrontos entre o bairro Bab al-Tabbaneh, predominantemente sunita, e o bairro Jabal Mohsen, de maioria alauíta, datarem de muito antes do conflito no país vizinho, as tensões se intensificaram à medida em que o conflito na Síria ganhou contornos cada vez mais sectários.
A tensão entre as milícias de Bab al-Tabbaneh e os militares libaneses teve um ponto alto no início de abril, quando o militante islamista Osama Mansour, da Frente Al Nusra, foi morto num tiroteio com forças de segurança. Acusado de terrorismo, Mansour estava vestindo um cinturão com explosivos, segundo a polícia.
Em outubro passado, os grupos islamistas de Bab al-Tabbaneh se envolveram em uma sangrenta batalha contra os militares. Em resposta, os militares implementaram um novo plano de segurança em janeiro, destinado a pacificar o local. Tanto moradores quanto combatentes afirmam que é improvável que o plano seja bem-sucedido.
"Aguardamos apenas a ordem da Arábia Saudita para iniciar a próxima batalha", diz Abu Bashar, um dos comandantes da milícia intitulada Comitê da Mesquita. "Temos que proteger nossa comunidade sunita por aqui."
Seria um erro caracterizar a violência apenas como um conflito sectário. A luta entre Bab al-Tabbaneh e Jabal Mohsen é, essencialmente, uma guerra pelo poder, travada por potências externas: o financiamento da Arábia Saudita aos sunitas de Bab al-Tabbaneh tem sua contrapartida no apoio da Síria à comunidade alauíta em Jabal Mohsen.
Moradores das duas comunidades estiveram na Síria e lutaram em lados opostos na guerra civil que assola o país. Quando retornaram ao Líbano, eles continuaram os combates, só que dessa vez nas ruas de Trípoli.
Abu Bashar, mesmo sendo um homem procurado, caminha livremente pelas ruas e não esconde suas opiniões sobre os militares. Ele para perto de um grupo de soldados que vigia um posto de controle sem ser importunado. Por ora, ele consegue evitar a prisão em razão do temor que os militares têm de desencadear uma nova batalha com as milícias locais após as prisões de dezenas de combatentes e de líderes milicianos em outubro passado.
Calmamente sentado em frente a uma mesquita na rua Síria, a verdadeira linha divisória entre os bairros Bab al-Tabbaneh e Jabal Mohsen, ele explica como, na sua opinião, o conflito está tomando conta de Trípoli.
"Sem misericórdia"
Os conflitos que já existiam entre sunitas, alauítas e os militares libaneses se tornaram ainda mais complicados com o surgimento dos grupos radicais salafistas Frente Al Nusra e afiliados do "Estado Islâmico" (EI) que operam nas redondezas, comenta Bashar.
A calma frágil existente entre os bairros de Bab al-Tabbaneh e Jabal Mohsen é mais um impasse do que uma trégua, afirma. Muitos dos residentes e milicianos de ambos os lados do conflito sentem que, a qualquer momento, as hostilidades poderão recomeçar.
Khodar, um jovem de 24 anos que luta numa milícia ligada à Frente Al Nusra, diz esperar "ondas de sangue" nas ruas de Trípoli e um "massacre" de seus vizinhos alauítas. "Não teremos misericórdia para com Jabal Mohsem", assegura. Ele afirma ter visto um irmão e um vizinho serem mortos numa troca de tiros durante o último período prolongado de violência entre os dois bairros, em março de 2014.
Perto dali, em Jabal Mohsem, o ódio não é menor. Khodar Aasi, de 42 anos, proprietário de um café, relata várias perdas. Sua mulher foi morta dentro de casa por um tiro que entrou pela janela, e o filho de 20 anos foi morto a tiros na rua, poucos meses mais tarde.
À primeira vista, o corpo musculoso de Khodar Aasi contrasta com a muleta que ele usa, uma decorrência do tiro que levou há alguns meses, quando os milicianos sunitas de Bab al-Tabbaneh paravam aleatoriamente alauítas na rua e atiravam no joelho deles. "Como podemos conviver com eles?", pergunta. "Ninguém pode me pedir para viver lado a lado com esses extremistas."
"Amarrados ao mapa do Oriente Médio"
A retórica violenta é tão disseminada em Jabal Mohsen quanto em Bab al-Tabbaneh. Ali Aasi, um combatente de 23 anos, mostra em seu celular uma fotografia de um longo machete. "Comprei isso depois de eles matarem meu pai", diz. "Quero vingança. Quero explodi-los. Estamos todos prontos para a próxima batalha."
"Meu pai amava a vida", afirma Aasi. "Se tivessem matado a mim ou a um dos outros combatentes, isso poderia ser aceitável. Mas ele não era um combatente e nunca fez mal a ninguém. Não somos violentos por natureza, eles nos ensinaram a ser assim", lamenta.
Em agosto de 2014, duas mesquitas em Trípoli sofreram ataques de carros-bomba que deixaram 27 mortos e mais de 600 feridos, levando muitos a especular que os templos foram atacados devido a supostas ligações com a oposição síria.
No início do ano, numa suposta retaliação, um café em Jabal Mohsen foi alvo de dois atentados suicidas que mataram nove clientes alauítas e deixaram dezenas de feridos. A Frente Al Nusra assumiu a autoria dos ataques.
De acordo com uma fonte militar libanesa de alto nível, manter a paz em Trípoli é ainda mais complicado com a contínua chegada de sírios a Bab al-Tabbaneh, onde de 20% a 30% da população é de origem síria. Apesar de a maioria serem refugiados em fuga da guerra civil, muitos são combatentes que se envolveram na luta contra o regime de Assad.
"Estamos amarrados ao mapa do Oriente Médio", analisa Ali Fouda, porta-voz do Partido Árabe Democrático, que representa os alauítas locais. "Quando a situação é ruim na Síria, ou agora com a luta no Iêmen, ficamos ainda mais vulneráveis aqui."