Cinco anos depois, Acordos de Abraão estão sob pressão
Publicado 15 de setembro de 2025Última atualização 17 de setembro de 2025
Em 15 de setembro de 2020, os ministros do Exterior dos Emirados Árabes Unidos (EAU) e do Bahrein e o primeiro-ministro de Israel se reuniram na Casa Branca, acompanhados pelo presidente dos EUA, Donald Trump, então em seu primeiro mandato, para formalizar os Acordos de Abraão, que marcariam a normalização das relações entre Israel e as duas nações árabes.
Os Emirados Árabes Unidos e o Bahrein foram os primeiros países árabes a normalizarem suas relações diplomáticas com Israel desde a Jordânia, em 1994, e o Egito, em 1979, rompendo um consenso regional de longa data de que a normalização exigia a resolução do conflito israelo-palestino e a implementação da solução de dois Estados.
Os próximos a aderirem aos acordos foram o Marrocos, em dezembro de 2020, e o Sudão, em janeiro de 2021, embora a instabilidade política persistente nesse país tenha atrasado a implementação completa.
O analista Emily Tasinato, especialista em Golfo Pérsico, diz que os acordos visavam inicialmente não apenas fortalecer os laços com os EUA, mas também conter a influência regional do Irã. "Cinco anos depois, a situação parece ser outra", observa.
Ataque terrorista do Hamas mudou tudo
Mas aí ocorreu o ataque do grupo extremista Hamas em 7 de outubro de 2023, que desencadeou a guerra em Gaza e um elevado número de mortes entre a população palestina.
A expectativa dos Estados Unidos era de que o impulso no comércio e nos investimentos levaria outros Estados árabes, sobretudo à potência regional Arábia Saudita, a mais rica de todos, a aderirem aos acordos.
Mas, desde o ataque de 7 de Outubro, o primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu, e sua coalizão de ultradireita intensificaram sua rejeição a uma solução de dois Estados, e Riad insiste que não pode haver normalização de relações com Israel sem um caminho claro para a criação de um Estado palestino.
Nesta segunda-feira (15/09), durante uma cúpula de emergência de líderes árabe-islâmicos em Doha, convocada após o ataque de Israel a uma delegação do Hamas na cidade, o emir do Catar, Tamim bin Hamad Al Thani, acusou Israel de se recusar a alcançar a paz com os vizinhos árabes e de "impor seu poder" sobre eles.
Israel também abriu várias frentes regionais. Em 2024, Israel respondeu aos ataques contínuos da maior e mais bem equipada milícia iraniana, o Hezbollah. O objetivo declarado pelo governo israelense era eliminar a organização apoiada pelo Irã por meio de operações militares no Líbano. O braço militar do Hezbollah é classificado como uma organização terrorista pelos Estados Unidos, Alemanha e vários governos do Oriente Médio.
Israel também realiza operações militares na Síria e ataca os rebeldes houthi no Iêmen, que atacam repetidamente navios internacionais no Mar Vermelho e alvos em território israelense. Em junho, Israel travou uma guerra de 12 dias com o Irã.
Acordos sob pressão
Por isso, os governos do Oriente Médio estão menos preocupados com o Irã do que em 2020. "O Irã tornou-se cada vez mais vulnerável e militarmente enfraquecimento, e sua influência regional está sob pressão", diz Tasinato. Ele ressalva que a desconfiança continua marcando as relações entre o Irã e os países do Golfo Pérsico, mas Israel parece, cada vez mais, assumir o papel de "vilão".
No dia 8 de setembro, a representante dos Emirados Árabes Unidos declarou, num fórum em Abu Dhabi, que "a anexação do território palestino por Israel, se continuar, não só fechará a porta à paz e à integração, como trairá o próprio espírito dos Acordos de Abraão". Ela acrescentou que os acordos, quando assinados, foram uma "declaração de convicção de que a desconfiança pode dar lugar à coexistência" no Oriente Médio. "Hoje essas esperanças estão sendo postas à prova."
Isso foi um dia antes de Israel realizar ataques aéreos contra a liderança do Hamas em Doha, no Catar. O Hamas é classificado como uma organização terrorista pela Alemanha, União Europeia, Estados Unidos e alguns países árabes. Os ataques mataram cinco oficiais de escalão inferior do Hamas e um oficial de segurança local.
O ataque israelense em Doha, que mirou um grupo de negociadores do Hamas, tornou ainda mais incerto o futuro dos Acordos de Abraão, comenta a analista Burcu Ozcelik, do think tank britânico Royal United Services Institute (RUSI). "Os Emirados Árabes Unidos e o Bahrein enfrentam pressão para defender seu status de signatários e certamente recriminam as autoridades israelenses por colocá-los numa posição tão indesejável", observa.
Após o ataque, os Emirados Árabes Unidos proibiram empresas de defesa israelenses de participar de um show aéreo em Dubai, alegando temores com a segurança. Autoridades dos EAU também criticaram os planos israelenses de anexar grandes partes da Cisjordânia, o que, segundo eles, poderia comprometer as relações bilaterais e os esforços dos EUA para expandir os acordos de Abraão.
Reconstrução da Faixa de Gaza
Tasinato considera, porém, improvável que os Emirados se retirem totalmente dos acordos. Porém, desde que os Acordos de Abraão foram assinados, há cinco anos, nenhum outro país árabe aderiu, embora Trump tenha pressionado por acordos com a Arábia Saudita, o Líbano e a Síria.
"No segundo mandato de Donald Trump, apesar da elevada confiança na Casa Branca de que os acordos serão expandidos sob a combinação certa de incentivo e pressão, a realidade não chegou nem perto disso", diz Ozcelik.
Para ela há um grande risco de que o atual governo israelense mine o plano, que Trump vê como uma de suas principais conquistas na política externa, já que o "o custo de aderir aos Acordos de Abraão aumentou exponencialmente para qualquer país árabe" diante da "escalada do militarismo israelense e da sufocação da solução de dois Estados".
Este artigo foi alterado em 17 de setembro de 2025 para corrigir declarações sobre o Instituto Misgav e sua posição em relação a Gaza.