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Cinco pontos para entender a crise na Bolívia

11 de novembro de 2019

Autoridades bolivianas estão sob pressão para organizar novas eleições após Evo Morales renunciar à presidência, em meio a protestos e acusações de fraude eleitoral. Veja as principais questões sobre o tema.

Manifestante pró-Morales com bandeira da Bolívia
Manifestante pró-Morales: protestos levaram milhares de pessoas às ruas da BolíviaFoto: picture-alliance/dpa/G. Brito

Como a crise começou?

Os protestos contra o governo têm suas raízes na agitação civil desencadeada por um referendo fracassado para expandir os limites do mandato presidencial, uma medida classificada pelos críticos de uma manobra de Evo Morales para se manter o poder. 

Em 2016, os partidários de Morales convocaram um referendo para modificar a Constituição do país e permitir que o presidente pudesse concorrer a um quarto mandato consecutivo.

Não foi a primeira vez que Morales tentou essa manobra. Em 2009, uma mudança constitucional já havia estabelecido a possibilidade de reeleição para o presidente, de até dois mandatos extras consecutivos de cinco anos. Em 2016, a tática, no entanto, fracassou, sendo rejeitada pela maioria dos eleitores no referendo. 

Ainda assim, Morales não desistiu e apelou no ano seguinte para o Tribunal Constitucional da Bolívia, que acabou autorizando que o presidente pudesse concorrer a mais um mandato nas eleições de 2019. Oposicionistas acusaram a corte de ignorar o resultado do referendo. Estava montado o palco para uma eleição tensa.  

Evo Morales vê quarto mandato ruir

02:27

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Essa eleição ocorreu em 20 de outubro. Após as urnas serem fechadas, novos elementos de tensão foram adicionados. Em meio à apuração, as autoridades eleitorais suspenderam a divulgação da contagem de votos do sistema de apuração rápida, que já contabilizava mais de 80% dos votos e que sinalizava a realização de um segundo turno entre Morales e o opositor Carlos Mesa, que governou a Bolívia entre 2003 e 2006.  

A suspensão desencadeou imediatamente preocupações com possíveis fraudes eleitorais. A apuração foi retomada no dia seguinte, dessa vez apontando que Morales havia conseguido obter uma vantagem de dez pontos percentuais sobre Mesa, suficiente para lhe garantir uma vitória decisiva já no primeiro turno.

Em meio ao vai e vem na contagem começaram a eclodir protestos, atraindo centenas de pessoas às ruas de La Paz na primeira semana posterior à eleição e dezenas de milhares nas semanas seguintes. Pelo menos três pessoas foram mortas e outras centenas ficaram feridas em confrontos com a polícia.

Quem são os principais personagens?

Evo Morales está no centro da crise. Ele se tornou o primeiro presidente indígena da Bolívia em 2006 e governou o país até 10 de novembro, quando renunciou ao cargo. Sua presidência foi caracterizada por políticas de esquerda que direcionaram receitas de recursos naturais para as comunidades indígenas.

Carlos Mesa, que serviu como presidente da Bolívia de 2003 a 2005, lidera a oposição. O político de centro-direita acusou as autoridades eleitorais e Morales de fraude eleitoral. Ele exortou Morales a renunciar e não mais concorrer à presidência.

Ainda na oposição está Luis Fernando Camacho, líder do Comitê Cívico de Santa Cruz, um grupo regional que serve de guarda-chuva para cerca de 200 entidades de empresários e associações conservadoras. Católico fervoroso, ele é sócio de uma corporação de seguros privados e faz parte da elite da região mais rica da Bolívia.

No último sábado, Camacho, que representa a oposição mais radical a Morales, apresentou um ultimato para que o presidente renunciasse. Antes disso, ele já havia pedido que os militares dessem um golpe para retirar o presidente do poder.  

"Os golpistas destroem o Estado de direito", afirmou o agora ex-presidente boliviano Evo MoralesFoto: picture-alliance/AP Photo/J. Karita

Por que Evo Morales renunciou?

No domingo (10/11), depois que a Organização dos Estados Americanos (OEA) divulgou um relatório acusando "manipulações" grosseiras nos sistemas computadorizados eleitorais, Morales anunciou novas eleições e prometeu reformar a comissão eleitoral. Mas já parecia tarde demais. 

Horas depois, o chefe das Forças Armadas do país, general Williams Kaliman, e o comandante da polícia boliviana, Yuri Calderón, exigiram que Morales renunciasse, em uma tentativa de acabar com os tumultos civis. Morales então anunciou sua renúncia, com alguns descrevendo a intervenção dos militares como um golpe de Estado.

Ao apresentar a renúncia, Morales disse que havia concordado em deixar o poder para evitar uma escalada da violência no país. Ele disse que "grupos violentos" assaltaram sua casa e que opositores atearam fogo nas casas de sua irmã e dos governadores de Oruro e Chuquisaca.

"Decidi pela renúncia para que Mesa e Camacho não sigam perseguindo meus irmãos, dirigentes sindicais, para que não sigam queimando as casas de governadores como fizeram em Oruro e Chuquisaca, de membros da Assembleia e dos conselhos. [...] Lamento muito este golpe civil e de alguns setores da polícia que atentaram contra a democracia, com violência contra o povo boliviano", disse Morales.

O pronunciamento ocorreu em Cochabamba, região que é reduto eleitoral de Morales.

Quais são as reações internacionais?

Ainda na primeira semana após o pleito, a OEA e a União Europeia (UE) pediram que fosse realizado um segundo turno. Países como Brasil, Argentina e Estados Unidos não reconheceram a vitória de Morales na primeira rodada e também pediram uma nova votação. 

No último sábado, a OEA adiantou a entrega do resultado de uma auditoria do pleito e pediu a anulação das eleições. Morales então cedeu e prometeu convocar um novo pleito. A decisão foi saudada por outros países, dizendo que era necessário garantir um processo eleitoral livre e justo.

Após a queda de Morales, a chefe da diplomacia da UE, Federica Mogherini, disse que apoiava "uma nova eleição com uma autoridade eleitoral renovada e nomeada independentemente". "O regresso à estabilidade na Bolívia requer um novo processo eleitoral, que seja oportuno e credível e reflita fielmente a vontade do povo. Deveria ser designado um novo Supremo Tribunal Eleitoral que ofereça garantias de realização de eleições transparentes", disse ela.

O secretário de Estado dos EUA, Mike Pompeo, afirmou que a nova votação teria o "apoio total" da Casa Branca. "O povo boliviano merece eleições livres e justas", ressaltou.

O presidente do Brasil, Jair Bolsonaro, por outro lado, usou a situação política na Bolívia como instrumento para criticar a oposição em seu próprio país.

"A palavra golpe é usada muito quando a esquerda perde, né? Quando eles ganham, é legítimo. Quando eles perdem, é golpe. Eu não vou entrar nessa narrativa deles aí. A esquerda vai falar que houve golpe agora", disse Bolsonaro. Ele também usou a crise boliviana para voltar a defender o voto impresso no Brasil, apesar de a Bolívia usar essa modalidade de escrutínio. 

Já o líder venezuelano, Nicolás Maduro, condenou a ação que removeu Morales. "Condenamos categoricamente o golpe de Estado consumado contra o irmão presidente Evo Morales", disse Maduro no Twitter.

Após a queda de Morales, a Rússia também condenou a agitação na Bolívia que culminou na mudança de governo, considerando que os atos se assemelham a um "golpe de Estado". "Uma onda de violência provocada pela oposição impediu Morales de concluir seu mandato presidencial", disse o Ministério do Exterior da Rússia. 

O que acontece agora?

A Bolívia deve agora realizar novas eleições presidenciais. O Senado, de 36 cadeiras, onde os seguidores de Morales ainda são majoritários, com 25 assentos, deve se reunir para ratificar a renúncia de Morales e de outros membros do governo e para nomear quem ocupará interinamente a presidência da Bolívia.

Um dia após renunciar, Evo Morales deixou a Bolívia, a bordo de um avião da Força Aérea mexicana, com destino ao México, cujo governo concedeu asilo político ao ex-presidente. "Irmãs e irmãos, estou indo para o México", escreveu ele no Twitter. "Dói abandonar o país por razões políticas, mas estarei sempre atento. Em breve voltarei com mais força e energia."

Jeanine Añez, segunda vice-presidente do Senado e provável sucessora interina de Morales, disse na segunda-feira estar em condições da assumir o cargo e que deseja convocar novas eleições presidenciais dentro de 90 dias. "Nós já temos um calendário. Acho que a população está gritando para que em 22 de janeiro já tenhamos um presidente eleito", disse Añez a repórteres, citando a data planejada, antes da crise, para a posse presidencial.

Integrante da aliança de oposição Unidade Democrática (UD), ela é tida como provável substituta interina de Morales após a renúncia de todos os que a precediam na linha de sucessão – alguns dos quais buscaram refúgio na embaixada do México.

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