Não dance durante um feriado de cunho religioso; não construa castelos de areia nas praias ou colha cogumelos de noite. Confira algumas regulamentações da Alemanha que podem causar estranhamento entre estrangeiros.
Construir castelo de areia é proibido em algumas praias da Alemanha.Foto: Hauke-Christian Dittrich/dpa/picture alliance
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A Alemanha pode parecer bem liberal se comparada a outros países. Por exemplo: ainda é permitido fumar em alguns bares e tomar sol sem roupas em alguns parques públicos; e a partir dos 16 anos, o jovem pode comprar cerveja ou vinho sem infringir a lei da proibição de bebidas alcoólicas para menores de 18 anos. Nos Estados Unidos, a idade mínima para o compra de álcool, por exemplo, é 21.
Mas a Alemanha também tem regulamentações rígidas — especialmente aos domingos e feriados. E estas vão de proibições de dançar em determinados dias a regulamentos que não permitem a construção de castelos de areia. Em dias de feriado, por exemplo, o silêncio é soberano.
Confira algumas das leis mais peculiares do país, consideradas, muitas vezes, até mesmo ultrapassadas.
1.Sexta-feira Santa: proibido dançar ou assistir a alguns filmes
Na maioria dos 16 estados da Alemanha, a Sexta-feira Santa é considerada um feriado em que é preciso fazer mais silêncio do que de costume. Desde a Idade Média, é proibido dançar neste dia. A capital, Berlim, tem uma abordagem mais liberal em relação à proibição de dançar. Em Berlim, só não se pode dançar entre 4h e 21h da Sexta-feira Santa. Mas no estado da Baviera, no sul do país, predominantemente católico, a proibição dura 70 horas - começa na quinta-feira que antecede a Páscoa e vai até sábado. As multas para quem infringir a lei podem chegar a 10 mil euros (R$ 54 mil).
Neste dia, considerado um "dia do silêncio", também não é permitido lavar o carro, fazer mudança ou vender algo, mesmo que sejam objetos usados de dentro de sua própria casa.
Em vários estados alemães, existe uma lista de cerca de 700 filmes que não podem ser assistidos durante feriados tidos como "feriados silenciosos" ou "dia do silêncio". Entre eles estão Os Caça-Fantasmas, o inocente desenho animado Heidi, de 1975, e a sátira religiosa A Vida de Brian, uma comédia do grupo inglês Monty Python.
Mas, volta e meia, os alemães protestam contra a proibição de dançar no período da Páscoa. Desde 2013, existe uma iniciativa na cidade de Bochum, no oeste da Alemanha, que exibe publicamente o filme A Vida de Brian para qualquer um que quiser assistí-lo – em protesto contra as regras tidas como ultrapassadas.
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2. Não pode colher cogumelos à noite, nem alho de urso com raiz
É ilegal colher cogumelos nos bosques da Alemanha à noite. A ideia é não perturbar os animais em seu habitat natural.
Também é proibido arrancar alho de urso (Allium ursinum) pela raiz - para usar na preparação de pestos e sopas. Isso porque o alho de urso, que cresce em florestas úmidas e se desenvolve em várzeas, pode ser facilmente confundido com plantas tóxicas, como o lírio-do-vale.
Colher um ramo de folhas de alho de urso, para o uso pessoal, geralmente é permitido, desde que as plantas não sejam arrancadas com seus bulbos. Colher folhas em reservas naturais é proibido!
3. É proibido fazer castelos de areia na maioria das praias do Mar Báltico
Tanto adultos quanto crianças não podem construir castelos de areia em muitas das praias das ilhas do norte da Alemanha. Enquanto as famílias se aglomeram à beira-mar, as crianças podem nadar, mas não podem cavar buracos. Se os fizerem, correm o risco de receber uma multa de 1.000 euros.
Construir castelos de areia em ilhas como Sylt é proibido porque toda a escavação e movimentação da areia pode levar à erosão da praia.
Os resorts de Binz e Sellin, na ilha de Rügen, permitem castelos de areia. Porém, com a altura máxima de 30 centímetros e circunferência de 3,5 metros.
4. Não pode cortar a grama aos domingos — nem fazer compras
Usar o cortador de grama ou qualquer outra ferramenta elétrica aos domingos, na Alemanha, provavelmente vai resultar na ira dos vizinhos — e, potencialmente, da polícia.
A tradicional Ruhezeit, ou "tempo para descanso", ainda reina aos domingos acima de todas as coisas. De acordo com a lei, os domingos são reservados para a família e à vigília religiosa. Isso também vale para os feriados. Quem quiser fazer barulho pode ser multado.
O silêncio aos domingos se estende às ruas: uma lei federal alemã, em vigor desde 1956, proíbe lojas de varejo de todos os tipos de abrir aos domingos. Embora os estados tenham tido mais liberdade para estabelecer suas próprias regras desde 2006, as compras aos domingos continuam sendo proibidas em todo o país – exceto em alguns dias específicos (designados para compras aos domingos) e em casos muito limitados para determinadas lojas. No geral, apenas certas lojas em estações ferroviárias e aeroportos e postos de conveniência normalmente abrem aos domingos.
5. Se dirigir de forma informal a um policial pode render multa
Mas uma coisa é certa: não se atreva a se dirigir a um policial com o informal "du" (você) em vez do formal "Sie" (senhor ou a senhora). A multa pode chegar 600 euros.
Nos anos 2000, o conhecido produtor musical e apresentador Dieter Bohlen ganhou destaque no noticiário ao contestar judicialmente uma multa aplicada com base nessa regra. Neste caso, um tribunal decidiu a seu favor e anulou a penalidade aplicada a Bohlen, mas foi preciso que o apresentador recorresse à Justiça.
As "despalavras" da Alemanha
Escolhida desde 1991 a partir de sugestões da população, a "despalavra do ano" é votada por um júri e designa uma expressão muito disseminada, mas infeliz na sua construção ou significado. Confira as dos últimos anos.
Foto: picture-alliance/dpa/S. Jansen
2023: "Remigração"
A palavra "remigração" é um conceito sociológico que define o retorno de pessoas aos países de onde emigraram, e inclui tanto o retorno voluntário como involuntário. Porém, para pesquisadores de extremismo, o termo foi apropriado por movimentos da nova direita: a palavra "remigração", evita o uso de expressões neonazistas como "fora estrangeiros" e normaliza posições extremistas de direita.
Foto: Nadine Weigel/dpa/picture alliance
2022: "Terroristas climáticos"
A palavra "Klimaterroristen", ou "terroristas do clima", foi usada no discurso público para descreditar ativistas e protestos por ações contra o aquecimento global. Os jurados avaliaram que a palavra equipara ativistas do clima a terroristas. Isso pode fazer com que manifestações não-violentas e de resistência democrática sejam estereotipadas num contexto de violência e subversão.
Foto: Christoph Soeder/dpa/picture alliance
2021: "Pushback"
O termo emprestado do inglês refere-se a diferentes medidas usadas para forçar migrantes a retornarem para o outro lado de uma fronteira, geralmente logo depois de cruzá-la, sem permitir que apresentem um pedido de refúgio. Os "pushbacks" violam a legislação da UE, o direito internacional e convenções de direitos humanos, mas foram legalizados pela Polônia em outubro de 2021.
Foto: Policja Podlaska/REUTERS
2020: "Ditadura do coronavírus" e "patrocínio de repatriação"
Pela primeira vez, foram escolhidos dois termos como as piores palavras: a expressão "ditadura do coronavírus" difama as medidas restritivas impostas para conter o avanço da covid-19. Já "patrocínio de repatriação" descreve um esquema no qual países da União Europeia que se recusarem a receber refugiados devem organizar e financiar a deportação de requerentes de asilo que tiveram o pedido negado.
Foto: Arne Dedert/dpa/picture alliance
2019: "Histeria climática"
"Klimahysterie" (histeria climática) foi escolhida como a pior palavra de 2019 no idioma alemão. A expressão visa "difamar os esforços e o movimento de proteção climática e desacreditar os debates" sobre o tema, afirmou o júri de linguistas da Universidade Técnica de Darmstadt, que a cada ano escolhe a "despalavra do ano".
Foto: picture alliance/dpa/APA/H. Punz
2018: "Indústria antideportação"
A expressão "indústria antideportação" é do ex-ministro alemão dos Transportes, Alexander Dobrindt, ao atacar críticos à política alemã de enviar à força aos países de origem os requerentes de refúgio cujo pedido de acolhimento foi negado. Dobrindt deu a entender que, a fim de ganhar dinheiro, quem apoia os requerentes de asilo rejeitados também protege os refugiados que se tornaram criminosos.
Foto: picture-alliance/dpa/A. Arnold
2017: "Fatos alternativos"
"Fatos alternativos" indica a tentativa de substituir argumentos factuais por afirmações não comprováveis, influenciando assim o debate público, explicou o júri da "despalavra". A expressão foi usada por Kellyanne Conway, assessora do então presidente dos EUA, Donald Trump, ao se referir à afirmação errada do porta-voz da Casa Branca de que a posse presidencial teria tido recorde de público.
O termo é um "legado de ditaduras, entre elas a nazista", justificou o júri. Quando usada como crítica a políticos, é uma "despalavra" difamatória que sufoca discussões, necessárias à manutenção da democracia. Foi usada, por exemplo, contra o então ministro alemão da Economia, Sigmar Gabriel, que havia mostrado o controverso dedo do meio aos participantes de uma manifestação de direita.
Foto: Sören Herbst
2015: "Gente boazinha"
Embora composta por dois termos comuns – gut (bom) e Mensch (ser humano) –, a junção de ambos no substantivo "Gutmensch" dá uma conotação de desprezo e malícia à palavra, disse o júri. Na época da onda de migrantes no país, foi tachado assim quem se engaja em prol dos refugiados, reduzindo os voluntários a gente simplória, com síndrome de bom samaritano.
Foto: Imago/C. Ohde
2014: "Imprensa da mentira"
O termo "imprensa da mentira" já era usado como arma pelos nazistas, que difamaram a mídia independente dessa forma. Mais recentemente, na Alemanha, apoiadores do movimento de direita Pegida usaram o termo em suas manifestações. Isso compromete a liberdade de imprensa, concluiu o júri.
Foto: picture alliance/dpa/D.Naupold
2013: "Turismo social"
"Alguns políticos e a mídia usam o termo para se referir a imigrantes indesejados, especialmente os vindos do Leste Europeu", concluiu o júri, insinuando a intenção de se aproveitar dos benefícios sociais. A combinação de "social" e "turismo" é particularmente polêmica por sugerir que a migração por necessidade seria uma viagem de lazer.
Foto: picture-alliance/dpa
2012: "Assinatura de vítima"
O termo "Opfer-Abo" foi cunhado por um antigo apresentador da previsão do tempo alemão, Jörg Kachelmann. Depois de ser julgado e absolvido por estupro, ele reclamou numa entrevista que as mulheres dispõem de uma "assinatura de vítima", ou seja, são sempre consideradas vítimas. O júri criticou como inaceitável a insinuação de que mulheres inventem a violência sexual.
Foto: picture-alliance/dpa/A. Dedert
2011: "Döner-Morde" (Mortes kebab)
O termo se referiu ao assassinato de oito turcos e um grego na Alemanha, que inicialmente se acreditou ser uma rixa entre as vítimas, em sua maioria donos de mercado, quiosque ou lanchonete. Investigações mostraram que os crimes foram cometidos por neonazistas. De acordo com o júri, o prato turco "döner kebab" foi usado para descrever todo um grupo populacional de forma racista e discriminatória.
2010: "Sem alternativa"
O termo foi cunhado pela chanceler federal, Angela Merkel, em relação à ajuda financeira à falida Grécia. De acordo com o júri, o termo "sem alternativa" foi posteriormente usada de forma inflacionária por políticos. Ele sugere falsamente "não haver, desde o início, alternativas num processo de tomada de decisão e, portanto, não há necessidade de discussão e argumentação".