Cineasta faz retrato íntimo da viúva de JFK em "Jackie"
8 de dezembro de 2016Ao estrear em setembro no Festival de Cinema de Veneza, o filme Jackie foi aplaudido de pé – tanto pela excepcional interpretação da atriz principal, Natalie Portman, como para o diretor Pablo Larraín. No fim, o prêmio não foi nem para a atriz americana de origem israelense nem para o cineasta chileno: o produtor de TV e roteirista de Nova York Noah Oppenheim foi quem ganhou um Leão de Prata, de melhor roteiro.
Mas a grande surpresa acontecera já antes de o filme começar a ser rodado: ninguém esperava que um diretor chileno fosse ser encarregado dessa história intrinsecamente americana. Mas talvez tenha sido justamente essa perspectiva de fora que tornou o filme tão interessante.
Jackie, que estreou na sexta-feira passada (02/12) nos EUA, não é uma daquelas biografias opulentas, típicas de Hollywood. "Todo mundo conhece a história do assassinato de John F. Kennedy", observa Larraín. "Mas não pela perspectiva de sua esposa."
E foi precisamente essa a abordagem do diretor: ele examinou como "ambas" as Jacquelines Kennedy viveram aquele fatídico dia de novembro de 1963: o ícone da moda e viúva do presidente, e a pessoa privada em estado de luto. O que ela passou nos dias que se seguiram, afundada no luto e sendo o foco das atenções mundiais, ao lado dos filhos traumatizados?
"Rainha sem coroa"
"Jackie era uma rainha sem coroa que perdeu trono e marido", compara Larraín. Por isso, ele optou por concentrar seu filme na perspectiva interna da protagonista, explica.
Poucos dias depois do assassinato, um repórter da revista Life perguntou a Jackie como ela estava. Essa entrevista e os flashbacks são justapostos com cenas mostrando a viúva chocada e traumatizada diretamente após o tiroteio. As sequências têm uma coisa em comum: Portman, como a primeira-dama, está na tela praticamente ininterruptamente, emprestando densidade e foco ao filme.
"A elegante, culta e amada Jacqueline Kennedy é uma das mulheres mais fotografadas do século 20. Mas sabemos muito pouco sobre ela", explica Larraín. A "mulher introvertida e impenetrável" é provavelmente a "mais conhecida desconhecida da era moderna".
Larraín confessa gostar da noção de que ninguém de fato sabe, hoje, como ela realmente era: "Nunca vamos conhecer a sua aura, o brilho em seus olhos". Consequentemente, seu filme só poderia se compor de "fragmentos, pedaços de lembranças, associações, lugares, imagens, pessoas".
De Jackie a Neruda
Em 2015, Larraín ganhara um Urso de Prata no Festival Internacional de Cinema de Berlim por seu soturno O clube, que trata de abusos sexuais cometidos por padres no Chile. Também nesse caso, o cineasta sul-americano escolheu uma perspectiva não convencional.
Ao contrário do americano Spotlight – Segredos revelados, O clube não se destaca por ser um thriller eletrizante, mas como um psicograma dos perpetradores, retratando apenas alguns ex-sacerdotes enviados a uma casa isolada por terem cometido crimes contra crianças. O filme é sombrio, mas coerente.
Antes disso, Larraín, que é considerado um dos mais interessantes e ativos cineastas latino-americanos do momento, fizera três filmes tematizando a ditadura de Augusto Pinochet.
Recentemente ele abriu o Festival Internacional de Cinema de Mar del Plata, na Argentina, com sua mais recente produção, Neruda. Após o lançamento de Jackie nos cinemas americanos, a película sobre o poeta chileno e herói nacional Pablo Neruda está agendada para 16 de dezembro. Com essas duas obras, o público internacional terá a oportunidade de conhecer um fascinante cineasta e sua abordagem cinematográfica sobre dois ícones do século 20.