Cinema de autor europeu perde mito vivo. Lusitano laureado internacionalmente, capaz de combinar temáticas nacionais e pessoais com reflexão universalista, Manoel de Oliveira dizia-se "um grande lutador contra a morte".
Foto: Miguel Riopa/AFP/Getty Images
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Com a morte do português Manoel de Oliveira, nesta quinta-feira (02/04), aos 106 anos de idade, o cinema de autor perde o último remanescente de uma venerável geração. Por ocasião de seu centenário, em 2008, a conceituada revista francesa Cahiers du Cinéma o definiu como "um dos maiores artistas da segunda metade do século 20º".
Nascido em 11 de dezembro de 1908, de uma família da alta burguesia da cidade do Porto, Manoel Cândido Pinto de Oliveira passou a frequentar aos 20 anos a escola de interpretação do italiano Rino Lupo. Como influência cinematográfica profunda, ele citava o documentário experimental de 1927 Berlim: sinfonia de uma cidade, de Walther Ruttmann. Outras inspirações declaradas eram Luis Buñuel, Carl Theodor Dreyer e Charles Chaplin.
Entre 1931 e 2014, Oliveira dirigiu 62 longas e curtas-metragens, grande parte dos quais com roteiro próprio. "Os realizadores sentem-se sempre mais inspirados quando filmam em casa", declarou certa vez, acrescentando que "um filme não surge exclusivamente do realizador, o espaço que ele filma produz também certas reações".
De fato, apesar de todos os prêmios e distinções internacionais ao longo de sua carreira, ele nunca se afastou radicalmente de sua terra natal ou da própria biografia. Assim, seus filmes trazem títulos como Douro, faina fluvial, Estátuas de Lisboa ou Porto da minha infância.
Em Viagem ao princípio do mundo, de 1997, o ator italiano Marcello Mastroianni, em seu último papel no cinema, representa um cineasta veterano chamado, justamente, Manoel, que atravessa Portugal com sua equipe de filmagem, à procura das origens de um ator francês de ascendência portuguesa.
"Sou um grande lutador contra a morte"
Temperando tal proximidade pessoal, Manoel de Oliveira era capaz de analisar a própria produção com lucidez e distância crítica. "Os meus filmes têm histórias um pouco profundas, às vezes difíceis de compreender. Por isso filmo-os da forma mais clara possível. É preciso que o cinema seja claro porque todo o resto – as paixões, a vida –, não o é."
O realizador também incorporava a proverbial tendência lusitana à nostalgia e à autorreflexão sombria. Numa entrevista à Cahiers du Cinéma, em 2002, contou como, em criança "tinha uma inclinação para a tristeza e para a melancolia". Com o tempo, ganhou "gosto pela vida", mas nunca viu "a melancolia afastar-se".
Manoel de Oliveira homenageado na Berlinale, em 2009Foto: picture-alliance / dpa
Oliveira, cuja última produção foi o curta Chafariz das Virtudes, considerava o cinema "um fantasma da vida que não nos deixa senão uma coisa sensível, concreta: as emoções", e que é importante enquanto ritual, entendido como "um conjunto de signos, de convenções", sem os quais a vida "seria indecifrável".
Comentando seu O dia do desespero, observou: "Desconfio sempre da imaginação. [...] Todos os meus filmes são histórias de agonia, da agonia no seu sentido primeiro, no sentido grego, 'a luta'. Todos os meus filmes mostram que, de fato, todos os homens entram em agonia no momento em que chegam ao mundo."
"Sou um grande lutador contra a morte. Passei a vida a observar a agonia, cada vez com mais experiência, com cada vez mais vontade de mostrá-la. Mas a morte acaba por chegar", declarou em 1993. Manoel de Oliveira morreu no mesmo Porto de seu nascimento, infância e juventude.
A história do Brasil no Oscar
O Brasil levou a primeira estatueta por Melhor Filme Internacional. O país já teve diversas obras indicadas ao prêmio. Veja a trajetória de brasileiros na premiação.
Foto: Capital Pictures/IMAGO
"Orfeu negro"
Em 1960, "Orfeu negro", uma coprodução entre Brasil, França e Itália, ganhou a estatueta de melhor filme estrangeiro. Por representar a França, os louros ficaram com os europeus. Mas durante 65 anos foi o único filme de língua portuguesa a ganhar um Oscar.
Candidatos a melhor filme estrangeiro
Vencedor da Palma de Ouro em Cannes, "O pagador de promessas", de Anselmo Duarte, garantiu a primeira indicação para o Brasil, em 1962. Em 1995, a história de dois casais de imigrantes italianos vivendo sob o mesmo teto rendeu uma indicação a "O quatrilho", de Fabio Barreto. Dois anos depois, seu irmão, Bruno Barreto (foto), foi indicado na mesma categoria, por "O que é isso companheiro?".
Foto: picture-alliance/dpa
Melhor filme
Esnobado na categoria de filme estrangeiro, "O beijo da mulher aranha" (1985), coprodução com os EUA, foi o primeiro longa latino-americano indicado como melhor filme. A amizade entre um preso político (Raul Julia) e um homem homossexual (Will Hurt) em um presídio brasileiro também rendeu indicações de melhor roteiro adaptado e diretor (Hector Babenco). Hurt venceu como melhor ator.
Foto: 2015 ICRA LLC
"Central do Brasil"
Depois de levar o Urso de Ouro na Berlinale, "Central do Brasil", de Walter Salles, partiu para uma triunfante carreira internacional. Indicado ao Oscar de melhor filme estrangeiro em 1999, o drama sobre a amizade de um menino abandonado e uma mulher desiludida de meia-idade levou também a indicação inédita de melhor atriz para Fernanda Montenegro. Mas nenhum dos dois prêmios foi para o Brasil.
Foto: picture-alliance/dpa/Buena_vista
Melhor curta-metragem
Brasileiros ainda emplacaram duas indicações em melhor curta-metragem. Diretor de sucessos como "A era do gelo 2", o carioca Carlos Saldanha (foto) foi indicado, em 2002, pela animação americana "Gone nutty". "Uma história de futebol" também levou Paulo Machline aos finalistas do prêmio, em 2001. O curta recria passagens da infância de Pelé e de Zuza, seu companheiro de pelada na cidade de Bauru.
Foto: Charley Gallay/Getty Images
Melhor direção
Apesar do sucesso comercial no exterior, "Cidade de Deus" foi esnobado ao prêmio de filme estrangeiro em 2004. Mas o frenético retrato do crescimento do crime organizado na favela carioca teve indicações a melhor roteiro adaptado, melhor edição e melhor fotografia. Fernando Meirelles também foi indicado como melhor diretor, mas quem levou a estatueta foi Peter Jackson, por "O Senhor dos Anéis".
Foto: imago/United Archives
Melhor canção original
O primeiro brasileiro indicado ao Oscar foi o compositor Ary Barroso (foto), autor de "Aquarela do Brasil". Ele foi um dos finalistas ao prêmio pela canção "Rio de Janeiro", do filme "Brasil", em 1945 — uma produção americana. Mais de meio século depois, em 2012, Carlinhos Brown e Sergio Mendes voltaram a representar o país na categoria com "Real in Rio", parte da trilha sonora da animação "Rio".
Foto: Brasilianisches Nationalarchiv - Arquivo Nacional
Os pré-selecionados
Por anos, a seleção de inscritos na disputa pelo Oscar coube a uma comissão do Ministério da Cultura. Desde 1954, com "O cangaceiro", de Lima Barreto, foram mais de 45 títulos, mas só quatro ficaram entre os finalistas. Em 2014, "Hoje eu quero voltar sozinho" (foto), de Daniel Ribeiro, não conseguiu uma indicação. Desde 2021, a seleção passou a ser feita pela Academia Brasileira de Cinema.
Foto: D. Ribeiro
Melhor documentário
"O Sal da Terra", de Wim Wenders e Juliano Salgado, disputou o Oscar de melhor documentário em 2015. O filme retrata a história do fotógrafo brasileiro Sebastião Salgado, pai de Juliano. O Brasil havia concorrido antes na categoria, em 2011, por "Lixo Extraordinário", que conta a história de um projeto social no aterro do Jardim Gramacho, no Rio de Janeiro. Os filmes não foram premiados.
Foto: Wim Wenders/NFP*
Candidato em 2020
"Democracia em vertigem", da diretora Petra Costa, concorreu à estatueta de melhor documentário em 2020, mas perdeu o prêmio para "Indústria americana". O filme brasileiro, incluído na lista dos melhores do ano do "New York Times", aborda a ascensão e queda do PT e a polarização entre esquerda e direita no país. Foi a última produção brasileira a ser finalista do Oscar antes de 2025.
Foto: Netlix/Divulgação
"Ainda Estou Aqui" conquista Oscar de melhor filme internacional
"Ainda Estou Aqui" já tinha feito história ao ser indicado para três categorias do Oscar. Em 2025, conquistou a estatueta de melhor filme internacional. O filme de Walter Salles, sobre a ditadura, foi é a primeira produção totalmente brasileira a disputar o prêmio de melhor filme. Anora, de Sean Baker, venceu nas categorias de Melhor Filme e Melhor Atriz, pelas quais o Brasil também concorria.