Jochen Kürten/ Gabriela Soutello7 de agosto de 2015
Evento abriga uma das mais belas salas de cinema do mundo, a Piazza Grande, no coração da cidade suíça. Meryl Streep como roqueira, crimes do nazismo e o filme brasileiro "Heliópolis" são alguns destaques da 68ª edição.
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Quando se trata de sala de cinema, fica difícil para Cannes, Veneza e Berlim competir com a beleza de Locarno, na Suíça. Durante o festival, até 8 mil pessoas reúnem-se todas as noites na praça principal – a Piazza Grande, no centro da cidade – para sessões ao ar livre. O cenário de tirar o fôlego é composto por lindas casas, igrejas e um palácio histórico. Sob o céu estrelado, é possível apreciar uma combinação de lançamentos e clássicos.
A 68ª edição do festival foi aberta nesta quarta-feira (05/08), com a comédia dramática americana Ricki and the Flash. O filme é do diretor Jonathan Demme, que ganhou o status de "cult" após receber um Oscar por O silêncio dos inocentes (1991).
No novo filme, Meryl Streep interpreta uma estrela do rock em decadência, que entra em confronto com o próprio passado. Após desistir do marido e dos filhos para se dedicar à carreira, ela volta anos depois para visitá-los e encarar os problemas da vida real.
Destaque para Fritz Bauer
O filme alemão Der Staat gegen Fritz Bauer (O Estado contra Fritz Bauer, em tradução livre), exibido nesta sexta-feira na Piazza Grande, é um dos mais aguardados pelo público alemão. O ator Burghard Klaussner interpreta o legendário promotor Fritz Bauer, figura essencial no julgamento de criminosos nazistas nos anos 1950 e 1960.
Na época, muitas pessoas que estavam no poder tinham servido anteriormente o regime nazista. Bauer foi contrariado e teve dificuldade para dar continuidade a seus esforços, lutando muitas vezes sozinho. Somente anos mais tarde, historiadores e políticos reconheceram a contribuição de Bauer para o estabelecimento de um sistema de Justiça democrático e justo e para o julgamento de criminosos nazistas.
A corrida pelo Leopardo de Ouro
A atração central do festival é o chamado Concorso Internazionale, em que 19 filmes disputam o prêmio principal do evento: o Leopardo de Ouro. Ricki and the Flash e Der Staat gegen Fritz Bauer ficaram de fora.
Entre os que disputam o Leopardo de Ouro, está a coprodução germano-iraniana Ma dar Behesht (Paraíso, em português). Dirigido por Sina Ataeian Dena, o filme expõe uma visão interna da sociedade iraniana moderna.
Outro concorrente é a coprodução germano-mexicana Te prometo anarquía, de Julio Hernández Cordón, que retrata dois amigos tentando sobreviver na pulsante Cidade do México.
Entre os renomados diretores que participam da corrida pelo Leopardo de Ouro também estão Otar Iosseliani, da Geórgia, o polaco Andrzej Zulawski e o belga Chantal Akerman. Filmes da Rússia, Grécia, Japão, Estados Unidos, Israel, Coreia do Sul e Sri Lanka completam o programa.
Em seu blog, o diretor do festival, Carlo Chatrian, comenta sobre uma tendência atual entre os cineastas: "O lar se tornou um espaço emocionalmente carregado." Ele se refere ao fato de que, em tempos de fluxos globais de refugiados, muitos filmes têm se focado nas questões de exílio e migração.
Clássicos do cinema
É claro que a programação de Locarno não aborda somente questões sociais atuais. O festival é conhecido por fazer retrospectivas em homenagem a grandes nomes da história do cinema.
Neste ano, o festival destaca o trabalho do diretor americano Sam Peckinpah, que morreu em 1984. Seu legado inclui os filmes Sob o domínio do medo (1971) e Meu ódio será tua herança (1969), memoráveis por suas marcantes representações da violência.
Brasil marca presença
Na edição passada, o Brasil ganhou destaque com o filme Ventos de Agosto, de Gabriel Mascaro, que recebeu menção honrosa no festival. Desta vez, nenhum longa-metragem do país está na disputa pelo Leopardo de Ouro, mas ao todo oito produções brasileiras serão exibidas.
Uma delas deles é o longa Heliópolis, dirigido por Sérgio Machado e estrelado por Lázaro Ramos, que interpreta um violinista que dá aulas na periferia de São Paulo.
Outro destaque é o longa Olmo e a Gaivota, codirigido pela brasileira Petra Costa e pela dinamarquesa Lea Glob. O filme concorre com outros 14 títulos na seção Cineastas do presente, cujo júri é presidido pelo cineasta Júlio Bressane.
A 68ª edição do festival termina no dia 15 de agosto.
O cinema de Rainer Werner Fassbinder
Fassbinder realizou 44 filmes em 16 anos, um feito raríssimo para um diretor de cinema. Mas o poder criativo tem seus preço: ele morreu aos 37 anos, deixando grandiosas obras cinematográficas.
Foto: picture-alliance/Johanna Hoelz
O amor é mais frio que a morte
Amor, morte e frio – três termos que sintetizam a vida e a obra de Rainer Werner Fassbinder. Nascido em Bad Wörishofen, na Baviera, o jovem de apenas 23 anos fez sua estreia nos cinemas alemães com o longa-metragem "O amor é mais frio que a morte". E ele já começou brilhando: o longa foi exibido na Berlinale em 1969. Seu primeiro filme, porém, foi "This Night", de 1966, hoje dado como perdido.
Foto: picture-alliance/akg-images
Katzelmacher
O segundo filme de Fassbinder também foi um sucesso. "Katzelmacher" (1970) ganhou diversos prêmios no Deutscher Filmpreis (Prêmio Alemão do Cinema). No filme, o grupo de atores com o qual ele trabalhou durante anos começou a se formar. A obra gira em torno da relação entre quatro casais e conta com Hanna Schygulla, uma das muitas musas do diretor, no elenco.
Foto: AP
O comerciante das quatro estações
Mas nem todos os seus filmes foram êxito de bilheteria. Depois de um começo brilhante, Fassbinder teve que lidar com algumas decepções. Ele também realizou projetos na televisão e no teatro. A exposição "Fassbinder Jetzt", em cartaz em Berlim, exibe algumas imagens raras do cineasta – como esta durante as filmagens de "O comerciante das quatro estações".
Foto: DIF Frankfurt/Foto: Peter Gauhe
O medo consome a alma
No fundo do coração da plateia Fassbinder enterrou "O medo consome a alma". O filme fala sobre o amor e a amizade entre uma senhora alemã (Brigitte Mira) e um marroquino (El Hedi Ben Salem) vinte anos mais jovem que ela. O tocante longa-metragem de 1974 ainda é, mesmo 40 anos depois de sua estreia, extremamente atual.
Foto: Imago/United Archives
Effi Briest
Logo depois de "O medo consome a alma", Fassbinder surpreendeu novamente. O cineasta conhecido como grande cronista do presente e observador atento dos excluídos filmou um clássico da literatura. O romance "Effi Briest" de Theodor Fontane, estrelado por Hanna Schygulla, se tornou um requintado banquete para os olhos com belas imagens cinematográficas na mão do diretor alemão.
Roleta chinesa
O filme "Roleta chinesa" (1976) é novamente um "típico" filme do Fassbinder. Os personagens se encontram em um espaço confinado, as emoções se desdobram, se chocam e se empilham umas sobre as outras. O cineasta inflama um jogo de poder e paixão e acha sempre memoráveis imagens para seus temas: rostos e corpos refletidos em vidro, paredes lisas e muitos espelhos.
Foto: Rainer Werner Fassbinder Foundation
Bolwieser - A mulher do chefe de estação
Com o passar dos anos, Fassbinder também tratou de temas relacionados à história alemã. "Bolwieser" é uma adaptação do romance de Oskar Maria Graf de 1931. Livro e filme retratam uma cidade na Baviera nos anos 1920. O filme foi rodado para o cinema, mas paralelamente uma versão mais longa para a televisão também foi realizada. Desde o começo, Fassbinder sabia tirar o melhor dos dois meios.
Foto: Imago/United Archives
Desespero
Em meados do anos 1970, o sucesso de Fassbinder era internacional. Consequentemente, o orçamento de seus filmes também cresceu. Em "Desespero" ele trabalhou com estrelas como Dirk Bogarde e Andrea Ferréol. Apesar da estreia no Festival de Cannes em 1978 e do grande esforço para ser realizado, o filme foi um fracasso de bilheteria.
Berlin Alexanderplatz
Depois de alguns filmes menores e socialmente engajados, como "Alemanha no outono" que tratava do terrorismo na Alemanha Ocidental, Fassbinder dedicou 1979 para trabalhar em seu mais grandioso projeto. Em 13 partes, ele filmou para a televisão a adaptação de "Berlin Alexanderplatz" de Alfred Döblin. Muito antes da febre de séries de TV de hoje, Fassbinder se mostrou mais uma vez um revolucionário.
Foto: picture-alliance/KPA
Lili Marlene
Assim como em seu grande sucesso "O casamento de Maria Braun", Fassbinder trata também da história alemã em "Lili Marlene" (1980), usando uma estrutura popular para lidar com um tema sério. Nunca Fassbinder esteve tão próximo de Hollywood como aqui: cinema grandioso, atores famosos, dramaturgia eficaz. A tela se tornou, também em "Lili Marlene", um palco para a história do cinema.
Foto: picture-alliance/akg-images
Lola
Fassbinder retratou o milagre econômico da Alemanha Ocidental no filme "Lola" (1981). Na época, ele podia ter tudo que queria. Estrelas como Armin Müller-Stahl, Mario Adorf e Barbara Sukowa faziam parte do elenco. O espectadores lotavam as salas de cinema. No entanto, os bastidores de seus filmes eram um desastre, com Fassbinder se afundando em álcool, drogas e trabalho sem limites.
Foto: picture alliance/KPA
Kamikaze
Fassbinder não encontrou sucesso apenas como diretor de cinema. Ele também dirigiu diversas produções para a televisão e o teatro. Legendária foi sua mais controversa peça "O lixo, a cidade e a morte", que só estreou em 2009. Ele também atuou diante das câmeras de colegas como Wolf Gremm no filme "Kamikaze" (foto).
Foto: dapd
O desespero de Veronika Voss
Em 1982, poucos meses antes de sua morte, Fassbinder viveu outro triunfo. Seu filme "O desespero de Veronika Voss" ganhou o Urso de Ouro no Festival de Berlim – feito que há muito tempo não acontece com um filme alemão. Sua penúltima obra convenceu os críticos: grandiosamente encenado e com soberbas interpretações, "O desespero de Veronika Voss" também encantou o público.
Foto: picture alliance/KPA
Querelle e a morte
Fassbinder não estava mais vivo na estreia de seu último filme "Querelle", baseado em um livro de Jean Genet. Ele morreu em 10 de junho de 1982, em Munique, depois de uma parada cardíaca, possível resultado de uma combinação de álcool, cocaína e remédios para dormir. Fassbinder viveu em um frenesi criativo, realizando quase 50 filmes desde os anos 1960. Seu trabalho é reconhecido mundialmente.