Colômbia anuncia cessar-fogo com ELN e grupos paramilitares
1 de janeiro de 2023
Petro afirma que medida fica em vigor inicialmente por seis meses. Governo colombiano quer avanço nas negociações de paz para conter violência no país.
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O presidente da Colômbia, Gustavo Petro, anunciou neste sábado (31/12) um "cessar-fogo bilateral" com a guerrilha do Exército de Libertação Nacional (ELN), dissidentes das FARC e grupos paramilitares. A pausa nos confrontos começa em 1º de janeiro de 2023 e ficará em vigor inicialmente a até 30 de junho.
Segundo Petro, o cessar-fogo será "prorrogável em função dos progressos realizados nas negociações". Além do ELN, a medida foi acordada com outros quatro grupos: o Estado-Maior General Central dos dissidentes das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc), a Segunda Marquetalia, as Forças de Autodefesa Gaitanista da Colômbia (AGC) e os paramilitares da Serra Nevada.
O presidente fez o anúncio nas redes sociais pouco antes da meia-noite. Seu gabinete acrescentou quer o governo recebeu cartas da sociedade civil, Igreja e de várias organizações comunitárias pedindo o fim da violência no país. "A paz total será uma realidade", disse Petro na mensagem.
Desde que assumiu o governo da Colômbia em agosto, Petro defende uma política de "paz total", que já conseguiu retomar as negociações com o ELN em novembro, em Caracas. Apesar da dissolução das Farc e do histórico acordo de paz com a guerrilha, em 2016, o conflito armado ainda persiste no país.
"É meu desejo, no final do ano, que a paz seja possível. Este é um ato ousado. O cessar-fogo bilateral obriga as organizações armadas e o Estado a respeitá-lo. Haverá um mecanismo de verificação nacional e internacional. Que a paz esteja entre nós. Feliz Ano Novo", acrescentou o presidente.
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ONU monitorará cessar-fogo
De acordo com a Presidência colombiana, o cessar-fogo bilateral será monitorado pela Missão de Verificação da ONU, pela Missão de Apoio ao Processo de Paz da Organização dos Estados Americanos (MAPP/OEA), pela Defensoria Pública e Igreja Católica.
A presidência informou ainda que, no momento, "não está previsto um cessar-fogo com outras organizações", mas o governo vai rever os resultados dos processos em curso e outros cessar-fogos unilaterais para tomar decisões futuras.
O anúncio não demorou muito tempo para receber reações positivas, incluindo a do chefe da Missão de Verificação da ONU na Colômbia, Carlos Ruiz Massieu. "As Nações Unidas apoiam todos os esforços no sentido de reduzir a violência nos territórios, proteger as comunidades afetadas pelo conflito e construir a paz na Colômbia", disse Massieu.
Quem são os grupos que acordaram o cessar-fogo
Além das negociações com o ELN, o governo de Petro mantém conversas com o Estado-Maior General Central e a Segunda Marquetalia, que se recusaram a assinar o acordo de paz negociado entre o país e as Farc.
Liderados no passado pelo narcotraficante Otoniel, que foi extraditado para os Estados Unidos em maio de 2022, as AGC são a maior quadrilha de traficantes da Colômbia. Como a Serra Nevada, o grupo é formado por remanescentes dos paramilitares de extrema direita que se desmobilizaram no início dos anos 2000.
Todos os cinco grupos do cessar-fogo somam mais de 10 mil integrantes armados, que se enfrentam em disputas pela renda do narcotráfico e de outros negócios ilícitos no país que é o maior produtor de cocaína do mundo, segundo o Instituto para o Desenvolvimento e a Paz (Indepaz).
Apesar da aproximação com os diferentes grupos armados, Petro ainda não conseguiu conter a espiral de violência quer assola o país. Segundo o Indepaz, quase uma centena de massacres ocorreu na Colômbia em 2022.
cn (Efe, Lusa, Afp)
Colômbia: 5 anos após acordo com Farc, paz segue distante
Em 26 de setembro de 2016, Bogotá assinou tratado de paz com as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia. Ao longo de sua existência, o grupo passou de esquerda idealista a sequestradores e, por fim, partido político.
Foto: picture-alliance/dpa
De rebelião de farrapos a potência militar
Em meados do século 20, a Colômbia foi palco de uma batalha acirrada entre campos políticos rivais. Grupos rebeldes de esquerda fundaram repúblicas independentes em zonas remotas, gradualmente tomadas pelas forças governamentais. Mas dois dos líderes da República de Marquetalia escaparam. Em 1966 Manuel Marulanda e Jacobo Arenas (esq.) fundaram as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc).
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Vida dedicada à luta armada
Na quase inacessível região amazônica, agricultores que conheciam bem o terreno eram taticamente superiores ao menos flexível exército colombiano. As Farc adotaram estratégias de outros grupos de guerrilha latino-americanos e passaram a recrutar estudantes e moradores de favelas das cidades, alegadamente totalizando 18 mil menores. As mulheres que aderiam eram estritamente proibidas de ter filhos.
Foto: ALATPRESS/AFP
Mercenários, traficantes, gângsters
Para se financiar, os guerrilheiros entraram para o narcotráfico, primeiro trabalhando como mercenários para os cartéis da cocaína, e mais tarde participando do cultivo. Embora o Exército colombiano tenha destruído plantações e laboratórios de drogas, os rebeldes acumularam grandes somas. Em certa época, controlavam uma área do tamanho da Suíça, onde também coletavam um "imposto revolucionário".
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Sequestros, negócio lucrativo
Calcula-se que as Farc ganhavam centenas de milhões de dólares por ano, em parte graças a um outro modelo de negócios lucrativo: segundo estimativas, o grupo participou de quase 10 mil sequestros entre 1970 e 2010. A vítima mais famosa foi a candidata presidencial Ingrid Betancourt, em 2002. Só seis anos mais tarde o exército nacional conseguiu libertá-la, juntamente com 14 outros reféns.
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Lutando pela paz
Já na década de 1980, as Farc negociaram um frágil armistício inicial com o governo. Alguns de seus membros tentaram influenciar as tomadas de decisões a partir de siglas políticas, e nos anos 1990 apresentaram um programa político de dez pontos. Em 2001, o líder rebelde Manuel Marulanda (dir.) encontrou-se com o presidente Andrés Pastrana para novas negociações de paz, mas sem muito sucesso.
As Farc e Bogotá não alcançaram um acordo, em parte por os rebeldes ampliarem sua campanha de terror durante as conversações, investindo contra postos militares e delegacias policiais com artefatos explosivos e ataques de surpresa. Eles não mostravam consideração por vítimas civis, como neste atentado com um carro-bomba em Medellín, que deixou 30 feridos e seis mortos, inclusive uma criança.
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Terror de esquerda e direita
Até hoje não está esclarecido quem esteve por trás do massacre de 119 civis nesta igreja, em maio de 2002. Além da Farc, suspeitas recaíram sobre grupos paramilitares de extrema direita. A maioria dos 250 mil mortos no conflito continuado foi de civis apanhados entre os dois fronts, opositores políticos e seus familiares ou suspeitos de colaboração com o governo.
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Guerrilha debilitada
Eleito em 2002, o presidente Álvaro Uribe intensificou a luta contra os rebeldes: até o fim de seu mandato, seis anos mais tarde, o contingente das Farc caíra dos 20 mil, nos anos 90, para apenas 8 mil. Em 1º de março de 2008, soldados mataram o vice-líder da Farc Raúl Reyes. Pouco depois, morreu Manuel Marulanda. Seu sucessor foi igualmente morto numa escaramuça em 2011. Muitos também desertaram.
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Acordo de paz controverso
Debilitadas por tantas perdas, as Farc iniciaram negociações de paz em Cuba com o novo presidente colombiano, Juan Manuel Santos (esq.). Em 26 de setembro de 2016, ele e o líder rebelde Timoleón Jiménez (dir.) assinaram o tratado de paz. Apenas uma semana mais tarde, contudo, uma maioria apertada do colombianos votou contra, num referendo não vinculativo.
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Desarmando os rebeldes
Ao assinar o tratado, as Farc concordaram em se desarmar. Embora umas poucas centenas de rebeldes tenham se recusado, os demais 7 mil se prontificaram a reintegrar-se na vida civil. Apenas aqueles sob suspeita de ter violado os direitos humanos foram julgados por um tribunal especial. No começo de 2021, pela primeira vez foram também indiciados membros da liderança, inclusive Timoleón Jiménez.
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Reconciliação entre rebeldes e vítimas
Alguns antigos guerrilheiros das Farc trabalham ativamente pela reconciliação com o povo colombiano, em especial com as vítimas do conflito. Na foto, os ex-rebelde Rodrigo Granda se encontra com a irmã de duas vítimas de sequestro para pedir desculpas. Antigos reféns também têm se engajado em projetos de reintegração.
Foto: Fernando Vergara/AP Photo/picture-alliance
Paz duradoura ainda fora de vista
As Farc agora se transformaram num partido político. No entanto, muitos de seus membros sustentam que a paz foi violada por o governo não ter cumprido compromissos centrais. Alguns rebeldes retornaram à resistência armada, entre os quais, os dois principais negociadores do acordo de paz, Iván Márquez e Jesús Santrich. Em 2019, ambos anunciaram em vídeo que a "segunda Marquetalia" começara.