Recrudescimento da violência no nordeste do país abre debate sobre fracasso das negociações de paz propostas pelo presidente colombiano, Gustavo Petro.
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A violência que eclodiu na região de Catatumbo, no nordeste da Colômbia, retomou uma rotina de conflitos armados no país e ameaça derrubar a política de "paz total" do presidente colombiano Gustavo Petro.
Apenas em Catatumbo, fronteiriça com a Venezuela, o saldo foi de, pelo menos, 80 mortos, entre os quais seis dos signatários do acordo de paz entre o governo colombiano e as Farc, em 2016. Outros 20 foram assassinados em Guaviare, região de floresta no sudeste do país.
Um dia após o início dos ataques, Petro ordenou a suspensão das negociações de paz com os guerrilheiros, iniciadas no seu governo, e acusou o ELN de cometer "crimes de guerra" por atacar civis.
Na segunda-feira, o presidente colombiano declarou "estado de comoção interna" e de "emergência econômica" para frear o recrudescimento da violência. "O ELN escolheu o caminho da guerra e guerra terá", escreveu no X.
Já nesta quarta-feira (22/01), Petro reconheceu o "fracasso" das negociações com o grupo guerrilheiro e reativou ordens de prisão contra 31 lideranças do ELN, que estavam suspensas desde 2022.
Cenário preocupante em Cúcuta
Até o momento, as forças armadas do governo ainda não entraram em confronto com a guerrilha e têm atuado para resgatar a população ameaçada pelo conflito. Muitos chegam em busca de refúgio no município de Cúcuta, na região de Catatumbo. Daniel Parra, pesquisador da fundação Paz y Reconciliación, vê um um cenário de risco para a cidade.
"Sem dúvida, é grave, não só pelo fato de que Cúcuta tem sido a maior receptora de deslocados do Catatumbo, mas também porque existe a possibilidade – e isso passou despercebido – de que a guerra chegue a Cúcuta e sua área metropolitana". Ele acrescenta que também no local há unidades da guerrilha e da dissidência Frente 33 das Farc.
Ainda não está claro o que desencadeou os conflitos. "Meios de comunicação nacionais disseram que, segundo fontes de inteligência militar, tudo começou com a perda de um carregamento de cocaína e o assassinato de um chefe financeiro do ELN", relata Parra. "Mas não temos certeza sobre o estopim desse confronto armado."
Narcotráfico: combustível da guerra
O que está claro até agora é o pano de fundo dos confrontos: o controle das rotas de tráfico de drogas. "A disputa pelo controle territorial e o narcotráfico, que sempre foram elementos centrais nesse conflito, estão aumentando a pressão nessa região, que além disso é fronteiriça com a Venezuela e é um corredor para o tráfico de drogas", aponta Roberto García Alonso, professor da Faculdade de Direito e Ciências Políticas da Universidade de La Sabana, na Colômbia.
"Por mais de cinco anos seguidos, o departamento de Norte de Santander [onde fica Catatumbo] e em específico o município de Tibú, esteve entre os lugares com o maior cultivo de coca do país. Isso também tem sido um combustível para a guerra, sem dúvida", concorda Daniel Parra. Uma situação que ele atribui, em parte, ao fracasso do Programa Nacional de Substituição de Cultivos Ilícitos.
O próprio presidente colombiano afirmou que o ELN está se transformando numa organização "narcoarmada". E não é a única, segundo García Alonso: "Um dos principais problemas que temos nessa região é a presença institucional do Estado muito precária. Várias organizações criminosas, entre elas vários grupos do ELN, assim como as próprias dissidências das Farc, e gangues criminosas, operam pelo controle das rotas do narcotráfico."
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Desconfiança em relação ao processo de paz
Desde que assumiu o governo, em agosto de 2022, Gustavo Petro instituiu uma política de "paz total" com todos os grupos armados, incluindo as dissidências das Farc e o próprio ELN. Seus opositores o acusam de ser leniente com os rebeldes, e afirmam que as organizações se fortaleceram por causa disso.
"Essa violência também pode ser entendida como uma estratégia dos grupos armados para tentarem pressionar ou ganhar posições na futura mesa de negociações", propõe o professor García Alonso.
No entanto, após os acontecimentos dos últimos dias, as perspectivas de negociação parecem ter se dissolvido: "O que acontece aqui corrói a pouca popularidade que o presidente Petro já tem. A isso se soma o fato de a política de paz total não estar dando resultados. Será necessário ver até que ponto o governo está disposto a continuar", acrescenta.
Para Daniel Parra, o diálogo ainda é necessário: "Inicialmente, o presidente Petro havia indicado que suspenderia as negociações com o ELN, e agora vemos com surpresa essa declaração de guerra contra a guerrilha. Isso nos preocupa bastante, porque um confronto armado entre guerrilheiros e forças públicas só resultaria em mais vítimas."
"O ELN está há mais de 60 anos em luta armada, e está claro que tentar erradicar essa guerrilha por meio da violência direta não tem sido uma estratégia eficaz para o governo", conclui Parra.
Cronologia do conflito e do processo de paz na Colômbia
Acordo com as Farc foi alcançado após décadas de luta armada e tensões sociais na Colômbia. País trabalha agora na implementação do pacto e na reintegração de ex-guerrilheiro à sociedade.
Foto: Imago/Agencia EFE
Longo caminho da violência à paz
As décadas de violentas tensões sociais, que chegam ao fim com o novo acordo de paz na Colômbia, têm origem na luta no campo, que opôs trabalhadores rurais e proprietários de terras desde os anos 1920. As hostilidades se intensificaram a partir da década de 1960.
Foto: Reuters/J. Vizcaino
1940-1950: A Violência
Enfrentamentos sangrentos entre liberais e conservadores provocam milhares de mortes. O assassinato do liberal Jorge Elíecer Gaitán (foto), em 1948, gera protestos que ficaram conhecidos como "El Bogotazo", dando início ao período denominado "La Violencia". Membros do Partido Comunista são perseguidos, o Exército ocupa povoados e reprime os "lavradores comunistas".
Foto: Public Domain
1964: Farc e ELN
São fundadas as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc), contra a concentração de terras, e o Exército de Libertação Nacional (ELN), fruto da radicalização do movimento estudantil e apoiado por adeptos da Teologia da Libertação, que prega a opção pelos pobres. O padre Camilo Torres (foto), guerrilheiro, é morto em combate. O governo colombiano recebe ajuda dos Estados Unidos.
Foto: picture-alliance/AP Photo
1970-1980: M-19 e negociações fracassadas
Surgem outros movimentos clandestinos como o M-19, que protagonizou a trágica ocupação do Palácio da Justiça em 1985 (foto), com mais de 350 reféns. A retomada do prédio pelas Forças Armadas deixa 98 mortos e 11 desaparecidos. O governo abre negociação pela primeira vez com as Farc e o ELN, mas o entendimento fracassa devido ao assassinato do ministro da Justiça.
Foto: Getty Images/AFP
Meados dos anos 80: Paramilitares
Surgem numerosos grupos paramilitares de ultradireita, a serviço de grandes proprietários de terras, contra os ataques rebeldes. Ao longo do tempo, vários desses grupos se envolvem com cartéis de droga. Quatro candidatos presidenciais e numerosos políticos de esquerda são assassinados por paramilitares entre 1986 e 1990.
Foto: Carlos Villalon/Liaison/Getty Images
1989: Desmobilização do M-19
O movimento M-19 entrega as armas em outubro de 1989, optando por disputar o poder como um partido político. Seu líder, Carlos Pizarro, candidata-se a presidente. Em 1990, ele é morto durante a campanha eleitoral.
Foto: picture alliance/Demotix/K. Hoffmann
1996: Esquadrões da morte
Grupos paramilitares se reúnem no movimento Autodefesas Unidas da Colômbia (AUC) e formam "esquadrões da morte" com até 30 mil membros.
Foto: AP
1998-99: Presidente Pastrana tenta negociar
Eleito em 1998, o presidente Andrés Pastrana inicia negociação com as Farc. Conversa também com o ELN (foto) e a AUC. Um vasto território até então controlado pelas Farc, no sul do país, comemora o recuo do grupo. Um massacre interrompe as conversas com a AUC.
Foto: picture-alliance/dpa
2002: Ingrid Betancourt e Álvaro Uribe
Depois que as Farc sequestram um avião, o governo interrompe o diálogo. Em 23 de fevereiro é sequestrada a candidata à presidência Ingrid Betancourt (foto). Álvaro Uribe ganha as eleições em maio, intensifica o combate militar e repudia qualquer entendimento. Ele é reeleito em 2007 e Betancourt, libertada em 2008.
Foto: AFP/Getty Images
2003-06: Recuo dos paramilitares e anistia
Após longas negociações, aproximadamente 32 mil paramilitares da AUC se rendem (foto). Até 2014, cerca de 4.200 deles são julgados por violações dos direitos humanos. Muitos retomam as armas. Em junho de 2005 é aprovada a Lei de Justiça e Paz, uma ampla anistia para membros dos esquadrões da morte.
Foto: picture-alliance/dpa
2007-08: "Falsos positivos"
Políticos de direita, acusados de vínculo com os paramilitares, são detidos em 2007 pela primeira vez. Aliados de Uribe também são atingidos. Em setembro de 2008 é revelado o escândalo batizado de "falsos positivos": entre 2004 e 2008, mais de 3 mil pessoas foram mortas pelo Exército para adulterar a estatística de guerrilheiros eliminados. Centenas de militares foram julgados até agora.
Foto: Jesús Abad Colorado
2012: Iniciados diálogos de paz com Farc
Ex-ministro da Defesa Juan Manuel Santos é eleito presidente da Colômbia em junho de 2010. Dois anos depois, entra em vigor a Lei de Vítimas e Restituição de Terras, para compensar os deslocados pelos combates. Em novembro têm início oficialmente os diálogos de paz entre governo (foto) e as Farc.
Foto: Reuters
2014-15: Santos reeleito e prazo para a paz
Santos se reelege em 2014. O governo colombiano anuncia conversações con o ELN. Enquanto isso, entendimentos com as Farc são interrompidos e reabertos devido a ações militares de ambos os lados. Em 23 de setembro de 2015, em Havana, Santos e Rodrigo Londoño Echeverri (Timochenko), líder das Farc, concordam com a meta de assinar um termo de paz em até seis meses.
Foto: picture-alliance/dpa/A. Ernesto
2016: Diálogos de paz com ELN
Em 30 de março, Frank Pearl, representante do governo da Colômbia, e Antonio García, chefe da delegação do ELN (foto), anunciam em Caracas o início de um processo formal de diálogos de paz. Em relação às Farc, desacordos levam ao adiamento da assinatura do acordo de paz definitivo, cujo prazo expira em 23 de março.
Foto: Reuters/M. Bello
Junho de 2016 - Dia da paz
Acordo de paz entre o governo colombiano e as Farc foi finalmente concluído. A decisão foi recebida com entusiasmo tanto pela população do país, como pela comunidade internacional. O cessar fogo definitivo foi assinado em Cuba em 23 de junho com a presença do secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon, e outros presidentes e observadores.
Foto: picture-alliance/dpa/EPA/A. Ernesto
Agosto de 2016 - Acordo histórico
Em 24 de agosto, governo e Farc selaram o acordo final que encerra as negociações de paz realizadas em Havana nos últimos quatro anos. Ele foi assinado pelos chefes das equipes de negociação de ambas as partes, Humberto de la Calle, pelo governo, e Luciano Marín, conhecido como "Ivan Márquez", representando a guerrilha, assim como pelos embaixadores de Cuba e Noruega, fiadores no processo.
Foto: Reuters/E. de la Osa
Setembro de 2016 – Assinatura
Três dias após os líderes das Farc ratificarem por unanimidade o acordo de paz, o documento foi assinado pelo presidente colombiano, Juan Manuel Santos, e pelo número um do grupo armado Rodrigo Londoño Echeverri, conhecido como Timochenko, em Cartagena, em 26 de setembro. Numa cerimônia que lembrou as vítimas da guerra, o líder guerrilheiro pediu perdão pelo sofrimento causado durante o conflito.
Foto: Reuters/J. Vizcaino
Outubro de 2016 – Não
Em 2 de outubro, os colombianos foram às urnas decidir sobre o futuro do acordo de paz. Em resultado surpreendente, 50,22% dos eleitores rejeitaram o documento. Apenas 37% dos colombianos participaram do plebiscito, ou seja, cerca de 13 milhões dos 34 milhões de eleitores.
Foto: picture alliance/AP Photo/A. Cubillos
Outubro de 2016 - Nobel da Paz para Santos
Apenas cinco dias depois do referendo sobre o acordo as Farc, os apoiadores do processo de paz foram reconhecidos internacionalmente. O presidente colombiano Juan Manuel Santos foi homenageado com o Prêmio Nobel da Paz. A cerimônia de premiação foi realizada em dezembro de 2016 em Oslo.
Foto: Getty Images/AFP/T. Schwarz
Novembro de 2016 - Ratificação no Parlamento
Após uma série de alterações no texto original do acordo de paz, o Parlamento colombiano ratificou o pacto em 30 de novembro de 2016.
Foto: Getty Images/AFP/G. Legaria
Junho de 2017 - Desarmamento
A entrega das armas pelos guerrilheiros das Farc ocorreu em três fases sob a supervisão da ONU. Em 27 de junho de 2017, Santos declarou: "Hoje é, para mim e para todos os colombianos, um dia especial, um dia em que trocamos as armas por palavras."
Foto: picture-alliance/dpa/A. Pineros
Agosto de 2017 - As novas Farc
As Farc desarmadas selaram num congresso em 27 de agosto de 2017 o abandono da luta armada e sua reformulação como partido político. O ex-líder guerrilheiro Rodrigo Londoño (foto) foi eleito presidente do partido. Sua saúde fragilizada, no entanto, impediu que ele se candidatasse às eleições presidenciais.
Foto: picture-alliance/AP Photo/F. Vergara
Março de 2018 - Farc nas eleições
Pela primeira vez desde o fim da luta armada, representantes das Farc participam de eleições legislativas em 11 de março de 2018. Apesar de o partido das Farc só ter recebido 50 mil votos, ele obteve cinco assentos em cada uma das duas casas legislativas, como determinou o acordo de paz. O partido conservador do antigo presidente Álvaro Uribe foi o grande vencedor do pleito.