Colômbia tenta se acostumar com as Farc na política
Manuel Rueda as
30 de janeiro de 2018
Guerrilha abandonou as armas e entrou para a política, com ex-líder guerrilheiro Timochenko como candidato à presidência. Mas nem todos os colombianos veem a transformação com bons olhos.
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Rodrigo Londoño foi condenado por colocar bombas em delegacias de polícia, sequestrar políticos e forçar crianças a se unir a sua guerrilha, as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc).
No fim de semana passado, ele subiu num palanque de um subúrbio pobre de Bogotá, vestindo uma camisa azul e um pulôver cinza que lhe conferiam um ar professoral. Numa tribuna de plástico, lançou sua candidatura à presidência da Colômbia, prometendo mudar a política nacional.
"Sabemos que não há confiança nos partidos políticos", afirmou Londoño para um público de cerca de 500 apoiadores, que se reuniu diante de um centro comunitário para ouvi-lo. "Estamos participando da eleição para barrar os políticos que se enriquecem com o dinheiro do povo", disse.
Com Londoño – mais conhecido como Timochenko – as Farc participam pela primeira vez de uma disputa presidencial desde que o grupo foi criado, em 1960. A antiga guerrilha virou um partido político no ano passado, depois de assinar um acordo de paz com o governo colombiano.
O acordo deixou o país mais perto de encerrar um conflito que já matou 220 mil pessoas e obrigou milhões a fugirem da regiões conflituosas. Um grupo menor, o Exército de Libertação Nacional (ELN), ainda tenta fechar um acordo semelhante com o governo.
Constrangimento
Mas a decisão de um ex-grupo guerrilheiro de baixar armas e aderir a uma campanha eleitoral não é bem-vista em toda a Colômbia. Na verdade, é uma questão controversa.
Muitos colombianos estremecem perante a ideia de um comandante guerrilheiro concorrendo ao cargo mais elevado do país. E uma boa parte deles preferiria ver Timochenko e seus líderes guerrilheiros atrás das grades. Na sua longa guerra contra o governo colombiano, as Farc destruíram infraestrutura e conduziram inúmeros ataques que mataram civis, enquanto lucravam com o comércio de cocaína.
"É constrangedor ver esse homem concorrer à presidência", afirmou Gladys Gutierrez, uma moradora de Ciudad Bolivar, nas proximidades de Bogotá. Ela disse que esbarrou por acaso no ato de campanha de Timochenko, no sábado. "Estas pessoas são terroristas e traficantes de drogas", assinalou, antes de ir embora, contrariada.
O jornalista Herbin Hoyos foi sequestrado pelas Farc em 1994 e levado para um acampamento remoto, onde permaneceu amarrado a uma árvore por mais de duas semanas. Hoyos, que foi salvo pelos militares, chama a campanha presidencial de Timochenko de "equívoco político" e "passo arrogante". "Eles deveriam responder pelos seus crimes antes de concorrer a um mandato", afirmou.
Assim como muitos outros países que negociaram o fim de uma guerra civil, a Colômbia se empenhou para fechar um acordo que acabasse com os conflitos e, ao mesmo tempo, garantisse algum grau de justiça para as vítimas. No caso da Colômbia, o presidente Juan Manuel Santos e as Farc concordaram em criar um sistema judiciário de transição que vai investigar crimes de guerra e emitir sentenças especiais – sem penas de prisão – para guerrilheiros e militares que colaborarem com o tribunal.
O acordo de paz também absolveu os membros das Farc de condenações prévias por cortes colombianas e permitiu que eles participassem da política, desde que entregassem suas armas. Isso abriu caminho para que Timochenko e outros líderes, antes condenados, pudessem concorrer.
Associação com a violência
Apesar de essa parte do acordo irritar alguns colombianos, outros estão dispostos a deixar o passado para lá e aceitaram o fato de que as Farc vão concorrer em eleições.
"Acho que é hora de deixar para lá nossos ressentimentos e começar uma vida nova para este país", disse José Antônio Sanchez, um operário da construção civil que foi assistir ao comício de Timochenko ao lado de parentes. A guerrilha matou um sobrinho dele que trabalhava para a polícia. Mesmo assim, ele está disposto a ouvir os ex-guerrilheiros para "saber o que eles propõem".
Para o analista político Ariel Ávila, vai levar algum tempo até que setores mais amplos da sociedade colombiana aceitem os antigos guerrilheiros como parte da democracia do país. Um sinal da impopularidade das Farc é que a maioria dos partidos políticos prefere se afastar delas durante a campanha eleitoral. Até mesmo aqueles que apoiaram o acordo de paz.
"Ninguém quer fazer uma coalizão com as Farc porque as pessoas as associam à violência, e isso afasta eleitores", comentou Ávila. "Essa é, na verdade, uma das razões para as Farc terem de concorrer com candidato próprio."
Assentos garantidos no Congresso
Timochenko adotou um tom mais moderado no início de sua campanha, deixando de lado o discurso revolucionário em troca de promessas de combate à corrupção, melhoria dos serviços sociais e melhor distribuição de renda. O grupo também trocou seu logotipo: em vez de dois rifles, ele mostra agora uma rosa vermelha, à semelhança de muitos partidos de esquerda da Europa.
Mas a plataforma moderada e as novas táticas de marketing não deram grande impulso às Farc. Timochenko continua sendo um candidato menor, com cerca de 2% nas pesquisas de intenção de voto.
O acordo de paz garante às Farc dez assentos no Congresso durante a próxima legislatura. E o grupo quer ampliar esse número lançando um número ainda maior de candidatos nas eleições de março. Mas Ávila duvida que os ex-guerrilheiros consigam mais do que o mínimo garantido. Segundo ele, o registro de eleitores em áreas antes controladas pelas Farc não aumentou.
No longo prazo, a atuação das Farc no Congresso pode mudar a imagem delas e ajudar a promover a reconciliação. Os antigos guerrilheiros se queixam de terem sido vítimas de uma campanha midiática para arruinar a sua reputação e acreditam que sua atuação no legislativo pode ajudar a mudar isso.
"Queremos legislar para as pessoas comuns", disse Sandra Ramirez, uma candidata ao Senado pelas Farc, ao lado de Timochenko no palanque. "Para aqueles que não acreditam em nós, eu digo: vamos conversar e dialogar."
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Cronologia do conflito e do processo de paz na Colômbia
Acordo com as Farc foi alcançado após décadas de luta armada e tensões sociais na Colômbia. País trabalha agora na implementação do pacto e na reintegração de ex-guerrilheiro à sociedade.
Foto: Imago/Agencia EFE
Longo caminho da violência à paz
As décadas de violentas tensões sociais, que chegam ao fim com o novo acordo de paz na Colômbia, têm origem na luta no campo, que opôs trabalhadores rurais e proprietários de terras desde os anos 1920. As hostilidades se intensificaram a partir da década de 1960.
Foto: Reuters/J. Vizcaino
1940-1950: A Violência
Enfrentamentos sangrentos entre liberais e conservadores provocam milhares de mortes. O assassinato do liberal Jorge Elíecer Gaitán (foto), em 1948, gera protestos que ficaram conhecidos como "El Bogotazo", dando início ao período denominado "La Violencia". Membros do Partido Comunista são perseguidos, o Exército ocupa povoados e reprime os "lavradores comunistas".
Foto: Public Domain
1964: Farc e ELN
São fundadas as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc), contra a concentração de terras, e o Exército de Libertação Nacional (ELN), fruto da radicalização do movimento estudantil e apoiado por adeptos da Teologia da Libertação, que prega a opção pelos pobres. O padre Camilo Torres (foto), guerrilheiro, é morto em combate. O governo colombiano recebe ajuda dos Estados Unidos.
Foto: picture-alliance/AP Photo
1970-1980: M-19 e negociações fracassadas
Surgem outros movimentos clandestinos como o M-19, que protagonizou a trágica ocupação do Palácio da Justiça em 1985 (foto), com mais de 350 reféns. A retomada do prédio pelas Forças Armadas deixa 98 mortos e 11 desaparecidos. O governo abre negociação pela primeira vez com as Farc e o ELN, mas o entendimento fracassa devido ao assassinato do ministro da Justiça.
Foto: Getty Images/AFP
Meados dos anos 80: Paramilitares
Surgem numerosos grupos paramilitares de ultradireita, a serviço de grandes proprietários de terras, contra os ataques rebeldes. Ao longo do tempo, vários desses grupos se envolvem com cartéis de droga. Quatro candidatos presidenciais e numerosos políticos de esquerda são assassinados por paramilitares entre 1986 e 1990.
Foto: Carlos Villalon/Liaison/Getty Images
1989: Desmobilização do M-19
O movimento M-19 entrega as armas em outubro de 1989, optando por disputar o poder como um partido político. Seu líder, Carlos Pizarro, candidata-se a presidente. Em 1990, ele é morto durante a campanha eleitoral.
Foto: picture alliance/Demotix/K. Hoffmann
1996: Esquadrões da morte
Grupos paramilitares se reúnem no movimento Autodefesas Unidas da Colômbia (AUC) e formam "esquadrões da morte" com até 30 mil membros.
Foto: AP
1998-99: Presidente Pastrana tenta negociar
Eleito em 1998, o presidente Andrés Pastrana inicia negociação com as Farc. Conversa também com o ELN (foto) e a AUC. Um vasto território até então controlado pelas Farc, no sul do país, comemora o recuo do grupo. Um massacre interrompe as conversas com a AUC.
Foto: picture-alliance/dpa
2002: Ingrid Betancourt e Álvaro Uribe
Depois que as Farc sequestram um avião, o governo interrompe o diálogo. Em 23 de fevereiro é sequestrada a candidata à presidência Ingrid Betancourt (foto). Álvaro Uribe ganha as eleições em maio, intensifica o combate militar e repudia qualquer entendimento. Ele é reeleito em 2007 e Betancourt, libertada em 2008.
Foto: AFP/Getty Images
2003-06: Recuo dos paramilitares e anistia
Após longas negociações, aproximadamente 32 mil paramilitares da AUC se rendem (foto). Até 2014, cerca de 4.200 deles são julgados por violações dos direitos humanos. Muitos retomam as armas. Em junho de 2005 é aprovada a Lei de Justiça e Paz, uma ampla anistia para membros dos esquadrões da morte.
Foto: picture-alliance/dpa
2007-08: "Falsos positivos"
Políticos de direita, acusados de vínculo com os paramilitares, são detidos em 2007 pela primeira vez. Aliados de Uribe também são atingidos. Em setembro de 2008 é revelado o escândalo batizado de "falsos positivos": entre 2004 e 2008, mais de 3 mil pessoas foram mortas pelo Exército para adulterar a estatística de guerrilheiros eliminados. Centenas de militares foram julgados até agora.
Foto: Jesús Abad Colorado
2012: Iniciados diálogos de paz com Farc
Ex-ministro da Defesa Juan Manuel Santos é eleito presidente da Colômbia em junho de 2010. Dois anos depois, entra em vigor a Lei de Vítimas e Restituição de Terras, para compensar os deslocados pelos combates. Em novembro têm início oficialmente os diálogos de paz entre governo (foto) e as Farc.
Foto: Reuters
2014-15: Santos reeleito e prazo para a paz
Santos se reelege em 2014. O governo colombiano anuncia conversações con o ELN. Enquanto isso, entendimentos com as Farc são interrompidos e reabertos devido a ações militares de ambos os lados. Em 23 de setembro de 2015, em Havana, Santos e Rodrigo Londoño Echeverri (Timochenko), líder das Farc, concordam com a meta de assinar um termo de paz em até seis meses.
Foto: picture-alliance/dpa/A. Ernesto
2016: Diálogos de paz com ELN
Em 30 de março, Frank Pearl, representante do governo da Colômbia, e Antonio García, chefe da delegação do ELN (foto), anunciam em Caracas o início de um processo formal de diálogos de paz. Em relação às Farc, desacordos levam ao adiamento da assinatura do acordo de paz definitivo, cujo prazo expira em 23 de março.
Foto: Reuters/M. Bello
Junho de 2016 - Dia da paz
Acordo de paz entre o governo colombiano e as Farc foi finalmente concluído. A decisão foi recebida com entusiasmo tanto pela população do país, como pela comunidade internacional. O cessar fogo definitivo foi assinado em Cuba em 23 de junho com a presença do secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon, e outros presidentes e observadores.
Foto: picture-alliance/dpa/EPA/A. Ernesto
Agosto de 2016 - Acordo histórico
Em 24 de agosto, governo e Farc selaram o acordo final que encerra as negociações de paz realizadas em Havana nos últimos quatro anos. Ele foi assinado pelos chefes das equipes de negociação de ambas as partes, Humberto de la Calle, pelo governo, e Luciano Marín, conhecido como "Ivan Márquez", representando a guerrilha, assim como pelos embaixadores de Cuba e Noruega, fiadores no processo.
Foto: Reuters/E. de la Osa
Setembro de 2016 – Assinatura
Três dias após os líderes das Farc ratificarem por unanimidade o acordo de paz, o documento foi assinado pelo presidente colombiano, Juan Manuel Santos, e pelo número um do grupo armado Rodrigo Londoño Echeverri, conhecido como Timochenko, em Cartagena, em 26 de setembro. Numa cerimônia que lembrou as vítimas da guerra, o líder guerrilheiro pediu perdão pelo sofrimento causado durante o conflito.
Foto: Reuters/J. Vizcaino
Outubro de 2016 – Não
Em 2 de outubro, os colombianos foram às urnas decidir sobre o futuro do acordo de paz. Em resultado surpreendente, 50,22% dos eleitores rejeitaram o documento. Apenas 37% dos colombianos participaram do plebiscito, ou seja, cerca de 13 milhões dos 34 milhões de eleitores.
Foto: picture alliance/AP Photo/A. Cubillos
Outubro de 2016 - Nobel da Paz para Santos
Apenas cinco dias depois do referendo sobre o acordo as Farc, os apoiadores do processo de paz foram reconhecidos internacionalmente. O presidente colombiano Juan Manuel Santos foi homenageado com o Prêmio Nobel da Paz. A cerimônia de premiação foi realizada em dezembro de 2016 em Oslo.
Foto: Getty Images/AFP/T. Schwarz
Novembro de 2016 - Ratificação no Parlamento
Após uma série de alterações no texto original do acordo de paz, o Parlamento colombiano ratificou o pacto em 30 de novembro de 2016.
Foto: Getty Images/AFP/G. Legaria
Junho de 2017 - Desarmamento
A entrega das armas pelos guerrilheiros das Farc ocorreu em três fases sob a supervisão da ONU. Em 27 de junho de 2017, Santos declarou: "Hoje é, para mim e para todos os colombianos, um dia especial, um dia em que trocamos as armas por palavras."
Foto: picture-alliance/dpa/A. Pineros
Agosto de 2017 - As novas Farc
As Farc desarmadas selaram num congresso em 27 de agosto de 2017 o abandono da luta armada e sua reformulação como partido político. O ex-líder guerrilheiro Rodrigo Londoño (foto) foi eleito presidente do partido. Sua saúde fragilizada, no entanto, impediu que ele se candidatasse às eleições presidenciais.
Foto: picture-alliance/AP Photo/F. Vergara
Março de 2018 - Farc nas eleições
Pela primeira vez desde o fim da luta armada, representantes das Farc participam de eleições legislativas em 11 de março de 2018. Apesar de o partido das Farc só ter recebido 50 mil votos, ele obteve cinco assentos em cada uma das duas casas legislativas, como determinou o acordo de paz. O partido conservador do antigo presidente Álvaro Uribe foi o grande vencedor do pleito.