Chavismo retomará controle do Legislativo após aliança governista conquistar mais de dois terços dos votos. Em meio a convocação de boicote pela oposição, pandemia e desconfiança, abstenção chega a quase 70%.
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A aliança de partidos que apoiam o governo do presidente venezuelano Nicolás Maduro venceu as eleições parlamentares deste domingo (06/12), com 67,6% dos votos. O anúncio foi feito nesta segunda-feira pelo Conselho Nacional Eleitoral (CNE), após concluída a contagem de 82,35% das cédulas.
"Tivemos uma tremenda vitória eleitoral. Tudo o que ganhamos até hoje, ganhamos com votos, pois somos democratas", disse Maduro após o anúncio do CNE.
Os últimos dados atestam que foram contabilizados 5.264.104 votos, dos quais 3.558.320 foram para a coligação governista Grande Polo Patriótico (GPP). As eleições foram contestadas pela oposição, que apelou ao boicote.
O CNE não especificou quantos assentos parlamentares foram conquistados pela aliança partidária que apoia o presidente da Venezuela, que, segundo os resultados, será maioria na casa. Os resultados provisórios asseguram que figuras representativas do chavismo – como o ex-presidentes da Assembleia Nacional Diosdado Cabello e Fernando Soto Rojas, a primeira-dama Cilia Flores, a advogada María León, o apresentador de televisão Mario Silva – obtiveram cadeiras.
Nas eleições de domingo 277 assentos estavam em disputa – 110 a mais do que nas últimas eleições parlamentares. Para dominar a última instituição fora de seu controle, Maduro precisa de pelo menos 185 parlamentares na nova Assembleia Nacional, que tomará posse em 5 de janeiro, para ter a maioria qualificada de dois terços.
Com esse resultado, o chavismo retoma o controle do Legislativo, órgão que serviu aos opositores para lançar sua ofensiva contra o governo de Maduro, que governa o país desde 2013.
O chavismo controla 19 dos 23 estados, comanda 305 das 335 prefeituras, tem 227 dos 251 deputados das assembleias legislativas regionais. Além disso, quase nove em cada dez vereadores respondem às diretrizes do chavismo.
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Mais poder, mas menos legitimidade
No entanto, à medida que ganha poder, o chavismo perde legitimidade dentro do país e no exterior, algo que vem acontecendo desde 2017, quando a Assembleia Nacional Constituinte foi instaurada – uma entidade que não é reconhecida pela oposição e por parte da comunidade internacional.
O governo colombiano reiterou que não reconhecerá o resultado das eleições de domingo, que considera "fraudulentas" e promovidas por um "regime ilegítimo".
O ministro das Relações Exteriores do Brasil, Ernesto Araújo, qualificou o pleito deste domingo como uma "farsa eleitoral" e disse que o baixo comparecimento às urnas deixou claro que o resultado não representa a vontade da população.
O líder da oposição e autoproclamado presidente venezuelano Juan Guaidó reiterou que não reconhece as eleições, que qualificou como fraudulentas, e alertou que as divergências políticas entre o chavismo e a oposição vão se aprofundar após as eleições.
Guaidó proclamou um governo interino no final de janeiro de 2019, com base na sua interpretação de vários artigos da Constituição e protegeu em sua posição de chefe do Parlamento, o único corpo que era controlado pela oposição. Ele foi imediatamente reconhecido como presidente da Venezuela por cerca de 50 países, incluindo os EUA, Brasil e vários países da América Latina e da Europa.
Mas o boicote às eleições parlamentares deste domingo e a consequente derrota nas urnas significam que Guaidó perderá o status de chefe do Legislativo a partir do dia 5 de janeiro, quando os novos parlamentares serão empossados.
Uma aliança liderada pelos partidos tradicionais Ação Democrática (AD) e o Comitê de Organização Política Eleitoral Independente (Copei) ficou em segundo lugar, com 944.665 dos votos (17,95%). Tanto o AD como o Copei sofreram a intervenção do Supremo Tribunal de Justiça (STJ), que impôs como líderes de ambos os partidos antigos militantes que foram expulsos e acusados de corrupção pelos seus antigos colegas.
Em terceiro lugar ficou a aliança liderada pelo Vontade Popular (VP), o partido dos líderes oposicionistas Leopoldo López e Guaidó, que também sofreu a ingerência do STJ, e que inclui ainda o Venezuela Unida (VU) e o Primeiro Venezuela (PV). Esta aliança obteve 220.502 votos, o que representa 4,19%.
O Partido Comunista Venezuelano teve 143.917 votos (2,73%), enquanto as demais siglas obtiveram 357.609 votos (6,79%).
Abstenção de quase 70% dos eleitores
Mais de 20,7 milhões de venezuelanos foram convocados às urnas no domingo para renovar o Parlamento unicameral da Venezuela. Segundo o CNE, a taxa de participação foi de 31%, ligeiramente superior à de 2005, quando a oposição tradicional também não participou e o chavismo conquistou a maioria absoluta dos assentos parlamentares.
Nas últimas eleições parlamentares, de 2015, ganhas pela oposição, 74,25% dos eleitores cadastrados participaram, naquelas que foram as votações legislativas mais concorridas da história da Venezuela. Desde então, o país tem registrado um aumento na tendência de abstenção devido à desconfiança na votação. A pandemia de covid-19 também deve ter contribuído para a elevada abstenção.
As normas eleitorais da Venezuela não estabelecem um mínimo de participação popular. Desta forma, a elevada abstenção – após apelo da oposição, liderada por Guaidó – não fere a legalidade do pleito, embora possa não ser reconhecido pela União Europeia (UE) ou pela Organização dos Estados Americanos (OEA).
PV/efe/afp/ap
Venezuela: um país sacrificado
Em 6 de dezembro, os venezuelanos vão às urnas eleger uma nova Assembleia Nacional em meio a uma crise econômica e política que se arrasta há anos. O cotidiano no país é marcado pela fome e pobreza.
Foto: Cristian Hernandez/AFP/Getty Images
Geladeira vazia
Em 2018, a Venezuela registrou a maior inflação da história do país: 65.374%. O Fundo Monetário Internacional (FMI) chegou a calcular uma inflação de 1.370.000% naquele ano para o país. Devido à falta de divisas, quase nenhuma mercadoria pode ser importada. Fazer compras em supermercados é quase impossível para a maioria dos venezuelanos por causa dos preços altos dos produtos.
Foto: Alvaro Fuente/ZUMA Press/imago images
Escassez geral
Com frequência, apenas aqueles que trazem seu próprio prato recebem algo para comer em centros de distribuição de refeições, como o da cidade de Valencia. Embalagens descartáveis faltam também para organizações de ajuda. A Venezuela, outrora rica, vem sofrendo há anos com uma grave crise de abastecimento. Falta de tudo: alimentos, medicamentos e produtos de higiene.
Foto: Juan Carlos Hernandez/ZUMA Wire/imago images
Crianças com fome
Em Caracas, as crianças estendem os braços desesperadas quando a Caritas ou outra organização de ajuda distribui alimentos. Muitas passam dias sem comer. De acordo com um estudo da Universidade Católica Andrés Bello, 96% das famílias na Venezuela vivem na pobreza. Destas, 64% vivem na pobreza extrema. Poucas famílias consomem carne, peixe, ovo, frutas e legumes.
Foto: Roman Camacho/ZUMA Press/imago images
Sistema de saúde próximo do colapso
Quem precisa ser internado, como no Hospital San Juan de Dios, em Caracas, tem que pagar do próprio bolso os medicamentos e materiais hospitalares, como seringas e catéteres. Mais de um terço dos 66 mil médicos venezuelanos deixaram o país. O número de outros profissionais de saúde também diminuiu, o que deixou o sistema de saúde à beira do colapso.
Foto: Dora Maier/Le Pictorium/imago images
Casas precárias
Uma criança brinca em sua casa construída com pedaços de madeira e barro. Esse tipo de construção remete ao período pré-colombiano. Com um aumento da pobreza extrema nas regiões rurais, esse método de construção está se tornando cada vez mais comum no país. Essas casas não têm eletricidade e nem água encanada.
Foto: Jimmy Villalta/UIG/imago images
Sem energia elétrica
Apagões paralisam o país frequentemente. A oposição cita a falta de investimentos, corrupção e escassez de manutenção de usinas como motivos para os apagões. Para economizar energia, o governo tomou medidas parcialmente drásticas. Ocasionalmente, a semana de trabalho de funcionários públicos é reduzida a dois dias úteis. A medida, porém, não surte efeito.
Foto: Humberto Matheus/ZUMA Press/imago images
Vida na rua
Quando falta energia, as casas ficam sem ventiladores e ar condicionado. Para suportar o calor, a população costuma passar o tempo na rua, como em Maracaibo. Apagões regionais ou nacionais são comuns no país há anos. O presidente Nicolás Maduro alega que eles são causados por atos de sabotagem da oposição contra a infraestrutura do país.
Foto: Humberto Matheus/ZUMA Press/imago images
Falta de água
No distrito Santa Rosa, em Valencia, o abastecimento de água foi interrompido mais uma vez. Venezuelanos usam a água acumulada numa poça na rua para se lavar. Em algumas regiões da Venezuela, há água encanada apenas três dias por semana e somente por algumas horas. Muitas famílias enchem todas as garrafas e baldes disponíveis para ter um pouco de água quando as torneiras secarem novamente.
Foto: Elena Fernandez/ZUMA Wire/imago images
Energia e água
Esgoto e produtos químicos tóxicos são jogados no rio Guaire. Água e eletricidade têm uma relação de dependência no país. Devido à falta de manutenção e energia, paredes de reservatórios do país racharam e o nível da água caiu. Com menos água, menos energia pode ser gerada nas hidrelétricas. Assim ocorrem apagões. Um círculo vicioso.
Foto: Adrien Vautier/Le Pictorium/imago images
Contaminado com petróleo
Os venezuelanos nadam em petróleo, mas não no bom sentido. No Lago de Maracaibo, pescadores utilizam como boias câmaras de ar de caminhões velhos cheias de óleo. A costa também é atingida por esse tipo de poluição: devido a vazamentos em oleodutos e uma pane numa refinaria próximo a Puerto Cabello, no nordeste do país, cerca de 20 mil barris de petróleo bruto teriam vazado no mar.
Foto: Miguel Gutierrez/Agencia EFE/imago images
Falta gasolina
Em Guacara, no estado de Carabobo, carros fazem filas há mais de duas semanas num posto de combustíveis e esperam por gasolina. A Venezuela precisa importar petróleo do Irã porque suas refinarias em péssimo estado quase não conseguem mais explorar o combustível fóssil. Há dez anos, eram produzidos no país 2,3 milhões de barris de petróleo ao dia. A atual produção, porém, caiu para menos da metade.
Foto: Juan Carlos Hernandez/ZUMA Wire/imago images
Em busca de gás
Em Caracas, alguns moradores esperam na rua com botijões de gás na esperança de que eles sejam reabastecidos em breve. Devido à escassez de gasolina e falta de eletricidade, muitos passaram a usar o gás de cozinha como fonte de energia. O aumento da demanda tornou o produto escasso.
Foto: Miguel Gutierrez/Agencia EFE/imago images
Heróis enfraquecidos
Imagens de Hugo Chávez, Fidel Castro, Evo Morales e Rafael Correa adornam o muro de uma casa em Caracas. Muitos venezuelanos adoram os líderes socialistas da Venezuela, Cuba, Bolívia e Equador como santos. Mas na Venezuela o socialismo do século 21 não foi capaz de cumprir sua promessa de prosperidade para todos.