Colonialismo: Alemanha mapeia 17 mil restos mortais
30 de dezembro de 2023
Pesquisa nacional inédita pode ser o primeiro passo para devolução do material aos países de origem, a maioria na África e Oceania, em processo de reparação histórica.
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Museus e coleções universitárias na Alemanha abrigam 17 mil restos mortais de povos originários estrangeiros que foram parar ali por causa do colonialismo.
A conclusão é de uma pesquisa recente encomendada pelo governo federal alemão, pelos estados e pelos municípios.
Participaram do estudo 33 instituições que guardam coleções relevantes de restos humanos – incluindo arquivos antropológicos, anatômicos, médico-históricos, etnológicos e paleontológicos, principalmente os criados a partir de 1750.
De onde vieram esses itens?
Quase metade dos restos humanos (46%) não tem origem geográfica definida, segundo o levantamento. O restante veio, em sua maioria (71%), da África e da Oceania.
As coleções, porém, guardam materiais de todos os continentes, e o número pode ser ainda maior do que o detectado pelo estudo – isso porque mais de um terço das informações fornecidas aos pesquisadores representava um valor aproximado, e em apenas 68% das instituições esses itens estavam inventariados, número que cai para 48% se considerados apenas dados digitalizados.
"Forma como se lidou com restos humanos no passado é questionável"
O levantamento foi realizado pelo Escritório Alemão para Bens Culturais de Contextos Coloniais – uma instituição criada por decisão do governo, estados e municípios em 2019 para tratar do tema e cooperar com países estrangeiros –, e deve ser ponto de partida tanto para novas pesquisas quanto para a devolução desses itens.
Além disso, o escritório foi incumbido com a tarefa de elaborar diretrizes sobre como lidar com esses restos humanos do período colonial.
As consequências do levantamento deverão ser discutidas com especialistas, especialmente aqueles vindos dos países afetados. O Ministério das Relações Exteriores também disponibilizará os resultados da pesquisa à comunidade internacional.
"A forma como lidamos no passado com restos humanos de contextos coloniais na Alemanha foi muitas vezes questionável. Agora temos a chance de fazer melhor. Onde for possível, deve haver transparência e a organização de devoluções, com toda a sensibilidade necessária", afirma Falko Mohrs, presidente da Conferência de Ministros da Cultura (KMK), entidade que reúne encarregados na área de educação, cultura e pesquisa a nível nacional e estadual.
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"Países querem poder enterrar seus antepassados em casa"
A ministra da Cultura, Claudia Roth, defende que ossadas humanas de contextos coloniais não devem estar em museus e coleções na Alemanha. Para ela, encontrar uma abordagem adequada para lidar com esses itens e desenvolver medidas para repatriá-los aos países de origem é algo que deve fazer parte do processo de enfrentamento da história colonial alemã.
"O levantamento é um primeiro passo muito importante. Mostra que a origem dos ossos humanos guardados em coleções alemãs é incerta em muitos casos. Especialmente essa pesquisa de origem pode contribuir para esclarecimentos adicionais."
Secretária do Ministério do Exterior, Katja Keul afirma que representantes alemães têm constatado que há interesse no tema por parte da comunidade internacional.
"Em várias conversas no exterior – seja com os descendentes de combatentes da resistência contra a colonização alemã ou com famílias que nunca puderam enterrar seus antepassados – constatamos esse desejo por mais transparência e informações [sobre o destino desses itens]", explica Keul. "Assim como o desejo bem concreto de poder enterrar seus antepassados em casa."
Para Keul, a pesquisa pode ajudar a criar relações de mais confiança com a comunidade internacional. "Confiança na nossa promessa de que estamos confrontando o nosso passado colonial e de que queremos fazer de tudo para devolver essas ossadas humanas."
ra (dpa, ots)
Dez fatos sobre a Alemanha colonialista
Os dolorosos legados do passado colonial alemão.
Foto: Jürgen Bätz/dpa/picture alliance
"Nosso futuro está na água"
Sob o chanceler Otto von Bismarck, o Império Alemão estabeleceu colônias nos atuais territórios da Namíbia, Camarões, Togo, partes da Tanzânia e do Quênia. O imperador Guilherme 2°, coroado em 1888, procurou expandir ainda mais as possessões coloniais através da criação de novas frotas de navios. O império queria seu "lugar ao Sol", declarou Bernhard von Bülow, um chanceler posterior, em 1897.
Foto: picture alliance/dpa/K-D.Gabbert
Colônias alemãs
Foram adquiridos territórios no Pacífico (Nova Guiné do Norte, Arquipélago de Bismarck, Ilhas Marshall e Ilhas Salomão, Samoa) e na China (Qingdao). Em 1890, uma conferência em Bruxelas determinou que o Império Alemão obtivesse os reinos de Ruanda e Burundi, unindo-os à África Oriental Alemã. Até o final do século 19, as conquistas coloniais da Alemanha estavam praticamente concluídas.
Foto: picture-alliance / akg-images
Um sistema de desigualdade
Nas colônias, a população branca formava uma minoria pequena e altamente privilegiada – raramente mais de 1% da população. Em 1914, por volta de 25 mil alemães moravam nas colônias. Desses, pouco menos da metade vivia no Sudeste Africano Alemão. Os 13 milhões de nativos nas colônias germânicas eram vistos como subordinados, sem acesso a nenhum recurso da lei.
Foto: picture-alliance/dpa/arkivi
O primeiro genocídio do século 20
O genocídio praticado contra os hereros e os namas no Sudeste Africano Alemão, hoje Namíbia, foi o crime mais grave da história colonial da Alemanha. Durante a Batalha de Waterberg, em 1904, a maioria dos rebeldes hereros fugiu para o deserto, com as tropas alemãs bloqueando sistematicamente seu acesso à água. Estima-se que mais de 60 mil hereros morreram na ocasião.
Foto: public domain
Crime alemão
Somente 16 mil hereros sobreviveram à campanha de extermínio. Eles foram aprisionados em campos de concentração, onde muitos morreram. O número exato de vítimas nunca foi constatado e continua a ser um ponto de controvérsia. Quanto tempo esses hereros debilitados sobreviveram no deserto? De qualquer forma, eles perderam todos os seus bens, seu estilo de vida e suas perspectivas futuras.
Foto: public domain
Guerra colonial de longo alcance
De 1905 a 1907, uma ampla aliança de grupos étnicos se rebelou contra o domínio colonialista na África Oriental Alemã. Por volta de 100 mil locais morreram na revolta de Maji-Maji. Embora tenha sido, posteriormente, um tema pouco discutido na Alemanha, este capítulo permanece importante na história da Tanzânia.
Foto: Downluke
Reformas em 1907
Na sequência das guerras coloniais, a administração nos territórios alemães foi reestruturada com o objetivo de melhorar as condições de vida ali. Bernhard Dernburg, um empresário bem-sucedido (na foto sendo carregado na África Oriental Alemã), foi nomeado secretário de Estado para Assuntos Coloniais em 1907 e introduziu reformas nas políticas do Império Alemão para seus protetorados.
Foto: picture alliance/akg-images
Ciência e as colônias
Junto às reformas de Dernburg, foram estabelecidas instituições técnicas e científicas para lidar com questões coloniais, criando-se faculdades nas atuais universidades de Hamburgo e Kassel. Em 1906, Robert Koch dirigiu uma longa expedição à África para investigar a transmissão da doença do sono. Na foto, veem-se espécimes microscópicas colhidas ali.
Foto: Deutsches Historisches Museum/T. Bruns
Colônias perdidas
Derrotada na Primeira Guerra Mundial, em 1919, a Alemanha assinou o tratado de paz em Versalhes, especificando que o país renunciaria à soberania sobre suas colônias. Cartazes como o da foto ilustram o medo dos alemães de perder seu poder econômico, como também o temor da pobreza e miséria no país.
Foto: DW/J. Hitz
Ambições do Terceiro Reich
Aspirações coloniais ressurgiram sob Hitler – e não somente aquelas definidas no Plano Geral de Metas para o Leste, que delineou a colonização da Europa Central e Oriental através do genocídio e limpeza étnica. Os nazistas também almejavam recuperar as colônias perdidas na África, como evidencia este mapa escolar de 1938. Elas deveriam fornecer matérias-primas para a Alemanha.