Publicado 12 de dezembro de 2024Última atualização 12 de dezembro de 2024
Educação, sozinha, não dá conta do desenvolvimento saudável. Para ir à escola, crianças precisam viver sem desigualdade ou pobreza.
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Nos últimos dias, tive duas experiências envolvendo jovens aqui no Rio de Janeiro que me tocaram bastante.
Na primeira, estava na praia de Copacabana com dois sobrinhos e a noiva de um deles. Vieram duas crianças vendendo balas, o mais velho aparentava uns nove anos e duvido que o mais novo tivesse mais do que sete. O segundo parecia ser mais "desenrolado". Perguntei se estava indo para a escola. Ele não respondeu, mas disse uma frase que me chocou: "Tio, não tem umas mulheres para eu transar não? Pode ser essa loirinha que está com vocês mesmo". A loirinha, no caso, é a noiva do meu sobrinho.
A situação foi tão chocante que nem ficamos bravos com o desrespeito. Eu, pelo menos, fiquei muito triste em ver uma criança cuja realidade a impede de ser criança.
Ontem, pedalando pela Lagoa Rodrigo de Freitas, parei em um deck e vi uns sete meninos, todos com menos de dez anos, e uma menina que deveria ter 12, também vendendo balas. Naquele momento, porém, não estavam trabalhando. Estavam nadando na lagoa. Foi muito emocionante ver seus sorrisos de felicidade e a forma como interagiam uns com os outros. Na lagoa, tiveram poucos minutos de infância.
A menina veio conversar comigo e me perguntou se eu já tinha visitado o Cristo Redentor. Disse que sim e, naquele momento, todos se sentaram ao meu redor para perguntar sobre um dos pontos turísticos mais emblemáticos da capital fluminense. Eles, embora cariocas e moradores em uma cidade que hospeda uma das sete maravilhas do mundo, nunca visitaram o Cristo. E existe a possibilidade de nunca terem condições de ir.
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A escola não faz sentido para eles
São crianças que não podem ser crianças. Não há tempo para brincar ou ficar na sala vendo TV enquanto os pais preparam uma boa comida caseira. Não há espaço para pedir um brinquedo novo ou para chegar em casa feliz por ter aprendido algo na escola.
Assumiram responsabilidades de adulto. Não por escolha, mas por sobrevivência. Delas, a doce ingenuidade da infância é retirada e, no lugar, a vida insere responsabilidades e malícias que só adultos deveriam ter.
Dentro desse contexto, me peguei pensando que são crianças que, muito provavelmente, não estão na escola. Ou estão, mas não veem sentido algum nos colégios. É triste, mas é verdade. Para essas crianças, a escola simplesmente não irá ajudar em nada, pois há situações mais urgentes para lidar, como a fome e o frio.
Assim, aproximá-los da escola é um desafio hercúleo e, embora eu acredite que há melhorias para serem feitas no sistema educacional, temo que seja algo que extrapola em alguma medida o alcance do próprio colégio.
Educação é importante, mas outras políticas também são.
Lembro de uma aula que tive sobre Estado de bem-estar social. A professora compartilhou que há o seguinte consenso entre alguns autores: a educação representa uma fração importante, sim, do desenvolvimento de um país, mas não é a única variável. De modo simplista: ainda que esteja operando no melhor dos cenários, ainda pode haver desigualdade e pobreza.
Não estou minimizando seu poder, mas trazendo a luz para a importância de que todos os pilares para o desenvolvimento andem juntos.
Acredito que essa provocação caiba muito na reflexão que iniciou esta coluna. Há um limite do quanto a escola pode trabalhar sozinha com as crianças que descrevi. Primeiro porque estes, muito provavelmente, nem estarão verdadeiramente nela.
É urgente e necessário que haja políticas não somente de combate à extrema pobreza, mas também de combate à desigualdade. Crianças precisam ter condições e o privilégio de serem crianças – e isso é uma responsabilidade do Estado. Somente quando isso acontecer, terão a oportunidade de estar de corpo e alma nos colégios prontos para aprender, interagir e se desenvolver.
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Vozes da Educação é uma coluna semanal escrita por jovens do Salvaguarda, programa social de voluntários que auxiliam alunos da rede pública do Brasil a entrar na universidade. Revezam-se na autoria dos textos o fundador do programa, Vinícius De Andrade, e alunos auxiliados pelo Salvaguarda em todos os estados da federação. Siga o perfil do programa no Instagram em @salvaguarda1.
Este texto foi escrito por Vinícius De Andrade e reflete a opinião do autor, não necessariamente a da DW.
Os principais pontos da Declaração Universal dos Direitos Humanos
Proclamada em 1948, carta é válida para todos os Estados-membros das Nações Unidas. Mas ainda há um longo caminho até que o documento seja implementado para todos, em todo o mundo.
Foto: picture alliance/Photoshot
Direitos iguais para todos (Artigo 1°)
"Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e em direitos." Em 10 de dezembro de 1948, a Assembleia Geral das Nações Unidas proclamou em Paris a Declaração Universal dos Direitos Humanos. O ideal é claro, mas continua muito distante de encontrar aplicação concreta.
Foto: Fotolia/deber73
Ter e viver seus direitos (Artigo 2°)
Todos os direitos e liberdades da Declaração se aplicam a todos, que podem invocá-los independente de "raça, cor, sexo, língua, religião, opinião política ou de outra natureza, origem nacional ou social, fortuna, nascimento ou qualquer outra condição". No nível internacional, contudo, é quase impossível reivindicar esses direitos.
Foto: dapd
Direito à vida e à liberdade (Artigos 3°, 4°,5°)
"Todo indivíduo tem direito à vida, à liberdade e à segurança pessoal." (3°) "Ninguém será mantido em escravidão ou servidão." (4°) "Ninguém será submetido à tortura, nem a tratamento cruel, desumano ou degradante" (5°).
Foto: Leon Neal/AFP/Getty Images
Igualdade perante a lei (Artigo 6° a 12)
Toda pessoa tem direito a um julgamento justo e à proteção da lei (6°, 8°, 10, 12). Todos são considerados inocentes até que a sua culpabilidade seja comprovada (11). "Todos são iguais perante a lei" (7°) e "Ninguém pode ser arbitrariamente preso, detido ou exilado" (9°).
Foto: fotolia
Ninguém é ilegal (Artigos 13, 14, 15)
"Todo indivíduo tem o direito de livremente circular e escolher o seu domicílio dentro de um Estado". "Todos têm o direito de deixar qualquer país" (13). "Toda pessoa sujeita a perseguição tem o direito de procurar asilo em outros países" (14). "Todo indivíduo tem o direito a ter uma nacionalidade" (15).
Foto: picture-alliance/dpa
Contra os casamentos forçados (Artigo 16)
Homens e mulheres têm direitos iguais antes, durante e depois do casamento. Um casamento "será válido somente com o livre e pleno consentimento dos futuros esposos". A família tem direito à proteção da sociedade e do Estado. Mais de 700 milhões de mulheres em todo o mundo vivem em um casamento forçado, afirma o Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef).
Foto: picture-alliance/dpa
Direito à propriedade (Artigo 17)
"Toda pessoa tem direito, individual ou coletivamente, à propriedade. Ninguém pode ser privado arbitrariamente de sua propriedade." Ainda assim, seres humanos são expulsos de suas terras em todo o mundo, por não terem documentos válidos – a fim de abrir caminho para o desenvolvimento urbano, a extração de matérias primas, a agricultura, ou para uma barragem de hidrelétrica, como no Brasil.
Foto: AP
Liberdade de opinião (Artigos 18, 19, 20)
"Toda pessoa tem direito à liberdade de pensamento, de consciência e de religião" (18). "Todo indivíduo tem direito à liberdade de opinião e de expressão" (19). "Toda pessoa tem direito à liberdade de reunião e associação pacíficas" (20).
Foto: picture-alliance/dpa
Direito à participação (Artigos 21, 22)
"Todo indivíduo tem o direito de tomar parte no governo de seu país, diretamente ou por intermédio de representantes livremente escolhidos" (21). Há um "direito à segurança social" e garantia de direitos econômicos, sociais e culturais, "que são indispensáveis à dignidade" (22).
Foto: REUTERS/Saudi TV/Handout
Direito ao trabalho (Artigos 23 e 24)
"Toda pessoa tem direito ao trabalho". "Toda pessoa tem direito a igual remuneração por igual trabalho". "Toda pessoa que trabalha tem direito a uma remuneração justa e satisfatória" e pode participar de um sindicato (23). "Toda pessoa tem direito ao lazer" (24).
Foto: picture-alliance/dpa
Uma vida digna (Artigo 25)
"Toda pessoa tem direito a um padrão de vida capaz de assegurar a si e à sua família saúde e bem-estar, inclusive alimentação, vestuário, habitação, cuidados médicos e os serviços sociais necessários". "A maternidade e a infância têm direito a cuidados e assistência especiais." No mundo inteiro, mais de 2 bilhões estão subnutridos, mais de 800 milhões passam fome.
Foto: picture-alliance/dpa
Direito à educação (Artigo 26)
"Toda pessoa tem direito à educação". O ensino fundamental deve ser obrigatório e gratuito para todos. "A educação deve ser orientada no sentido do pleno desenvolvimento da personalidade humana e do respeito aos direitos humanos." Na prática, 750 milhões de pessoas no mundo são analfabetas, das quais 63% são mulheres e 14% são jovens entre 15 e 24 anos, afirma o relatório sobre educação da Unesco.
Foto: DW/H. Hashemi
Arte e ciência (Artigo 27)
"Toda pessoa tem direito de participar livremente da vida cultural da comunidade, de fruir as artes e de participar do progresso científico". Todos os "autores de obras de ciência, literatura ou arte" estão protegidos legalmente. Hoje, a distribuição digital de muitas obras é algo controverso. Muitos autores veem seus direitos autorais violados pela distribuição na internet.
Foto: AP
Direitos indivisíveis (Artigos 28, 29, 30)
"Toda pessoa tem direito a uma ordem social e internacional em que os direitos e liberdades possam ser plenamente realizados" (28). "Toda pessoa tem deveres para com a comunidade" (29). Nenhum Estado, grupo ou pessoa pode limitar os direitos humanos universais (30). Todos os Estados-membros da ONU assinaram a Declaração Universal dos Direitos Humanos.
A coluna quinzenal é escrita por jovens do Salvaguarda, programa social de voluntários que auxiliam alunos da rede pública do Brasil a entrar na universidade.