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Com a palavra, Monsieur Houellebecq

Soraia Vilela22 de outubro de 2002

Escritor que desencadeou polêmica ao chamar o islã de religião estúpida é absolvido pela Justiça francesa. Segundo a sentença, Houellebecq, com suas declarações, não atacou os muçulmanos nem incitou a violência racial.

Michel Houellebecq quando esteve em Frankfurt em setembroFoto: dpa

Se a polêmica não rendeu a Houellebecq prisão por um ano ou pagamento de multa, com certeza deverá contribuir em muito para o sucesso comercial de seus livros. Em nome da liberdade de expressão, o escritor francês, nascido na Ilha de Reunião, foi absolvido por um tribunal parisiense nesta terça-feira (22).

A promotoria aceitou o argumento de Houellebecq durante o processo, de que ao chamar o islã de estúpido, o autor estaria se opondo a uma religião e não a seus seguidores. O que a justiça francesa fez foi confirmar o que constava de um documento assinado por escritores e artistas em prol do acusado: "Ter uma opinião sobre uma religião, preferir uma à outra ou rejeitar todas faz parte do direito à liberdade de expressão".

Silêncio da inteligentsia –

Na briga com representantes muçulmanos, o "escritor dos escândalos" teve, no entanto, que amargar a indiferença vinda de boa parte da inteligentsia francesa, incluindo aí os filósofos contemporâneos, sempre presentes em discussões do gênero. Da mesma forma, poucos jornalistas ousaram defender o escritor perante a opinião pública. Durante o processo, até mesmo a Flammarion – editora de Houellebecq – distanciou-se do escritor, tendo enviado à mesquita de Paris um pedido de desculpas oficial.

Do outro lado do Canal da Mancha veio, em princípio, a legitimação que faltava a Houellebecq em território francês. O escritor Salman Rushdie, em um ensaio publicado em setembro último, inicialmente pelo diário britânico The Guardian e reproduzido por outros jornais europeus, defendeu a liberdade de expressão de Houellebecq, comparando o processo contra o escritor francês à sua própria perseguição por causa dos seus Versos Satânicos.

Espelho francês –

Rushdie recomenda a leitura de Plataforma, o último romance de Houellebecq, "no qual deve-se mergulhar quando se quiser ter acesso à uma outra França que não a da inteligentsia liberal, mas àquela que, durante as últimas eleições presidenciais, deu uma bofetada na esquerda e de cujo descontentamento e preconceitos a extrema-direita bem soube se aproveitar".

É também do ensaio de Rushdie a informação preciosa de que o nome originário de Houellebecq é Michel Thomas e de que o escritor, após o casamento de sua mãe com um muçulmano e sua conversão ao islã, teria adotado o sobrenome de sua avó. Esse detalhe da biografia de Houellebecq, ainda segundo Rushdie, provoca um estrondoso "ah-ha". Mais uma prova de que, no caso do escritor, realidade e ficção não se mantêm muito distantes.

Mera coincidência –

Outro paralelo assustador é a semelhança entre o atentado à ilha de Bali, ocorrido no 12 de outubro último, e o cenário descrito por Houellebecq em Plataforma, no qual 117 turistas ocidentais são mortos em um na Tailândia. "Do ponto de vista literário, um romance fraco, mas como crítica social, forte", segundo o diário alemão Frankfurter Allgemeine, Plataforma foi o responsável pelo déjà vu trágico provocado entre seus leitores, ao serem confrontados com as notícias sobre o atentado em Bali.

Problemática latente –

O fato das declarações de Houellebecq – dadas por um autor, segundo consta, alcoolizado durante a entrevista – terem desencadeado tamanho debate, prova que o tema abordado não é de todo bem resolvido pela grande nation ou, muito provavelmente, por nenhum país do Velho Continente.

Para confirmar que a relação dos franceses com as minorias étnicas ou religiosas não é das mais exemplares, basta uma rápida visita a um dos banlieurs localizados na periferia de Paris. As críticas de Houellebecq, embora às vezes tortas e banais, servem para lembrar a quantas anda o choque entre as civilizações em pleno terceiro milênio.

Houellebecq, que não esteve presente durante a promulgação da sentença, já anunciou que não pretende dar mais entrevistas à imprensa francesa, em protesto contra a postura desta durante o processo. O escritor deverá continuar em seu retiro na Irlanda, onde vive, segundo dizem as más línguas, para fugir do fisco francês. Excêntrico oportunista e vulgar para uns ou visionário irônico para outros, Houellebecq sabe inegavelmente representar a si mesmo, desfilando na mídia o rosto melancólico do personagem Michel – "coincidentemente" também o nome do protagonista de seu Plataforma. Neste momento, ao lado do vinho e do queijo, os livros de Houellebecq serão certamente "o produto" de exportação francesa. De que o mercado não se aproveita...

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