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EducaçãoBrasil

Com abstenção acima de 50% neste ano, o que será do Enem?

18 de janeiro de 2021

Especialistas acreditam que prova não funcionará para medir a qualidade do ensino e universidades podem repensar seu peso no ingresso de alunos. Após fracasso, ministro culpa mídia pelo baixo número de participantes.

Brasilien Aufnahmeprüfung Enem
Enem foi criado em 1998 como ferramenta de mensuração do desempenho dos estudantes brasileiros na conclusão da educação básicaFoto: Agência Brasil/V. Campanato

Realizado no momento em que 13 estados brasileiros viviam alta no número de casos de coronavírus, o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) tinha 5,5 milhões de inscritos mas acabou com pouco mais de 2,6 milhões de participantes em seu primeiro dia de provas, no domingo (17/01). A abstenção, de 51,5% dos candidatos, é um recorde histórico da avaliação.

E nesta conta não entram os mais de 160 mil inscritos em 56 cidades do estado do Amazonas e duas em Rondônia, onde o Enem havia sido suspenso anteriormente em virtude da crise sanitária — os alunos dessas localidades devem realizar a prova em fevereiro.

Para especialistas ouvidos pela DW Brasil, a primeira consequência direta desse número alto de desistências vai ser um represamento dos candidatos. "Podemos supor um aumento nas inscrições do ano que vem", afirma o economista Reynaldo Fernandes, ex-presidente do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), autarquia federal responsável pela aplicação da prova.

Com número tão baixo de participantes, o exame deste ano também não será uma ferramenta acurada para avaliar a qualidade do ensino. O Enem foi criado em 1998 como ferramenta de mensuração do desempenho dos estudantes brasileiros na conclusão da educação básica — foi a partir de 2009 que passou a ser utilizado também como instrumento de seleção para o ingresso em instituições de ensino superior.

O diagnóstico do ensino médico ficará prejudicado justamente após um ano de grandes problemas educacionais causados pela pandemia e pelas aulas à distância acarretadas por ela. "Os resultados [da prova] serão de uma parcela muito menor de estudantes e, portanto, não comparáveis com os anos anteriores", argumenta a coordenadora da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, Andressa Pellanda.

Já a outra função do exame, ou seja, como forma de acesso a cursos de graduação, poderia ser reajustada de forma emergencial — ainda que apenas válida para este ano — pelas instituições de ensino, que têm autonomia para tanto. "Os critérios de ingresso não dependem do Ministério da Educação, mas sim das universidades", explica Fernandes. "Elas podem adotar outras medidas. Não está claro a essa altura quais seriam, mas pode vir a ser um caminho que algumas universidades venham a adotar."

Coordenador do curso de pedagogia da Universidade Presbiteriana Mackenzie, o pedagogo Ítalo Curcio lembra que, devido ao adiamento da prova, muitas universidades já haviam "estabelecido critério alternativo para este ano, considerando notas de edições anteriores". Mas, considerando as que pretendem aproveitar o Enem 2020 como critério seletivo, ele defende sejam criadas "medidas alternativas".

Balanço e problemas

De acordo com balanço divulgado em coletiva à imprensa realizada pelo Ministério da Educação e pelo Inep na noite de domingo, além das 160 mil pessoas dos estados do Amazonas e de Rondônia, outros 10.171 candidatos solicitaram participar da reaplicação prevista para fevereiro alegando sintomas de doenças infectocontagiosas — 8.180 pedidos foram deferidos. Outros cerca de mil alunos, de três escolas de São Sebastião do Passé, na Bahia, terão direto a participar da reaplicação — porque ali problemas com energia elétrica impediram a execução do exame.

Ainda no domingo, muitos candidatos usaram as redes sociais para reclamar que foram impedidos de fazer a prova por lotação na sala. A União Brasileira dos Estudantes Secundaristas chegou a postar alguns relatos, classificando de "absurdo" o fato de um "estudante sair de casa para realizar o Enem e não fazer a prova por conta da lotação dos locais". Por conta da pandemia, uma das medidas sanitárias foi que as salas utilizadas para a prova não tivessem mais do que 50% dos assentos ocupados.

"Verificou-se que, embora não em todos os locais de prova, muitos acabaram tendo superlotação", diz Curcio. "Uma pena, pois considero isto como falha elementar de logística, por parte dos responsáveis pelos espaços que seriam utilizadas para a realização do Enem."

De acordo com o Inep, casos assim ocorreram em apenas 11 dos quase 15 mil locais de aplicação da prova. Na coletiva à imprensa, o presidente da autarquia, Alexandre Lopes, afirmou que essas situações serão averiguadas e, se comprovadas, os alunos barrados terão direito de participação da reaplicação. Lopes disse, contudo, que há "divergências" entre o que teria acontecido de fato e o que foi noticiado.

Apesar da abstenção recorde e dos problemas relatados, o ministro da Educação, Milton Ribeiro classificou o Enem 2020 como "um sucesso". Ele atribui o número de faltosos ao "medo da contaminação" e a "um trabalho de mídia contrário ao Enem muito grande".

Originalmente previsto para ocorrer em novembro, o Enem foi adiado para 17 e 24 de janeiro por conta da pandemia. Ao longo da última semana diversas entidades se mobilizaram e houve ações judiciais para que o Enem fosse suspenso mais uma vez, já que o Brasil vive um momento particularmente crítico, com aumento no número de casos de covid-19. Ribeiro declarou que "eventualmente, se nós disséssemos que não teria Enem neste ano, para mim, seria um insucesso, uma derrota da educação brasileira."

"A abstenção recorde foi motivada pela insistência do Ministério da Educação em seguir com o Enem mesmo no momento de alta de casos e de mortes da pandemia no país", argumenta Pellanda. "Poderia ter sido evitada caso tivesse havido adiamento da prova para ser realizada em um momento mais seguro." Para ela, os dados desta edição da prova serão "um reflexo da exclusão, fruto da péssima gestão e do espírito genocida deste governo".

Pellanda defende que o ministério seja "duramente responsabilizado pela falta de respeito e de garantia de isonomia para com os estudantes". E que medidas sejam tomadas para mitigar os danos "com urgência". "Muitos estudantes foram impedidos de fazer a prova por conta de salas lotadas, outros faltaram por falta de segurança e de informações, e estes precisam ter garantidos seus direitos de realização da prova", cobra.

Fernandes não vê possibilidade de o Inep oferecer nova chance aos faltosos. "Acho muito difícil, muito pouco provável", comenta. Curcio defende que todos os candidatos "que não puderam fazer a prova ontem [domingo], independentemente da causa", possa fazer o Enem em fevereiro.

Prioridades

Professor da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (USP), Nilson José Machado defende "virar a página" e esquecer desta edição do Enem. "É como se estivéssemos preocupados em acertar um calendário em uma casa que está pegando fogo. É preciso começar a pensar o que fazer, no rumo e nas ações para a educação do Brasil. Isso está travado, está parado", comenta. "Estamos esquecendo o fogo e querendo acertar a agenda, o calendário. Não dá para gastar energia com isso."

Para ele, depois de um ano de pandemia, é preciso planejar de forma cautelosa o retorno dos alunos às aulas presenciais e pensar em eventuais ajustes metodológicos para reduzir o déficit desse longo período de ensino à distância. "É preciso regularizar o sistema, colocá-lo para funcionar", defende. "Depois pensamos nos processos de avaliação."

Machado, contudo, vê com pessimismo os rumos da educação no país nos últimos anos. Acredita faltar uma discussão mais ampla acerca da política educacional e vê o ministério sendo ocupado, seguidamente, por "pessoas que realizam trabalhos notáveis de contabilidade prática". "Gente que pensa apenas no fluxo de caixa, em entrada e saída na distribuição da miséria educacional", critica.  calendário. Não dá para gastar energia com isso.”

Para ele, depois de um ano de pandemia, é preciso planejar de forma cautelosa o retorno dos alunos às aulas presenciais e pensar em eventuais ajustes metodológicos para reduzir o déficit desse longo período de ensino à distância. "É preciso regularizar o sistema, colocá-lo para funcionar”, defende. "Depois pensamos nos processos de avaliação.”

Machado, contudo, se autointitula um pessimista ao observar os rumos da educação no país nos últimos anos. Acredita faltar uma discussão mais ampla acerca da política educacional e vê o ministério sendo ocupado, seguidamente, por "pessoas que realizam trabalhos notáveis de contabilidade prática”. "Gente que pensa apenas no fluxo de caixa, em entrada e saída na distribuição da miséria educacional”, critica.

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