Com ajuste fiscal, Brasil tenta atrair investidores em Davos
Karina Gomes21 de janeiro de 2015
Pacote para aumentar arrecadação deve centrar discurso do ministro da Fazenda no Fórum Econômico Mundial. Para especialistas, no entanto, medidas não serão suficientes para aumentar confiança do mercado internacional.
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O pacote de medidas para aumentar a arrecadação de impostos do governo federal em 20,6 bilhões de reais será um dos pontos defendidos pelo ministro da Fazenda, Joaquim Levy, durante o Fórum Econômico Mundial, com início nesta quarta-feira (21/01).
A intenção é mostrar aos investidores externos os esforços do país para aumentar as receitas do Tesouro Nacional, sem prejudicar o avanço dos programas sociais. Nos primeiros dias do segundo mandato, o governo fez um corte provisório de 22,7 bilhões de reais nos 39 ministérios, que vale até a aprovação do Orçamento de 2015.
Além da retenção de gastos, o Planalto tenta aumentar a arrecadação. O novo plano de ajuste fiscal, anunciado às pressas na segunda-feira, prevê a volta da Cide e o aumento do PIS/Cofins sobre os combustíveis e as importações; a elevação do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF), que incide sobre empréstimos e financiamentos a pessoas físicas; e a alteração da cobrança do IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados) no setor de cosméticos.
Para Fernando Zilveti, especialista em Direito Tributário e professor da FGV-SP, o temor do investidor estrangeiro em relação ao Brasil é a imprevisibilidade. O aumento de taxas sobre as importações e o maior preço dos combustíveis terão impacto, por exemplo, no custo logístico.
"O problema maior não é o aumento de impostos – porque isso pode ser repassado para o preço –, mas a oscilação, mudanças a qualquer momento. Os investidores reclamam dessa política fiscal errante. Não existe uma estabilidade", avalia Zilveti.
Já Edmund Amann, professor de Economia da Universidade de Manchester, acredita que as medidas devem ser bem recebidas pelo mercado. "Isso vai ajudar o governo a perseguir uma política fiscal mais restritiva, com a geração de superávits primários mais elevados", afirma.
Por outro lado, diz Amann, a população com renda mais baixa acaba sendo a mais afetada pelo aumento das taxas sobre os combustíveis e sobre o crédito ao consumidor.
O Fórum Econômico Mundial começa nesta quarta-feira e vai até sábado em Davos, na Suíça. A presidente Dilma Rousseff cancelou a ida ao evento para participar da cerimônia de posse do presidente reeleito da Bolívia, Evo Morales.
O especialista cita a Alemanha, onde quem ganha menos é isento do imposto de renda. Solteiros que tem rendimentos de até 7,5 mil euros anuais não pagam o tributo. O imposto é progressivo conforme a riqueza. A pessoa física com renda superior a 52 mil euros é taxada em 42%, de acordo com o ministério alemão das Finanças.
"Quem não paga imposto consome mais, e o mercado fica mais aquecido. A isenção aumenta a capacidade de compra da classe média", explica o advogado.
Para Zilveti, a reforma tributária no Brasil deveria levar em conta o raciocínio de justiça fiscal. “Poderiam ser feitos pequenos ajustes viáveis, como a correção da tabela do IR e mudanças nas regras de substituição do ICMS. Quando a reforma é muito grande não sai nada", diz.
Diante do atual cenário, as chances de realização de uma reforma tributária ficam cada vez mais distantes, segundo Amann. "É altamente necessário, mas mudanças profundas não estão perto de acontecer", acredita.
Os principais temas do Fórum de Davos
No Fórum Econômico Mundial, debate-se desde comércio e finanças ao terrorismo e o abismo crescente entre pobres e ricos. Sob o slogan "O novo contexto global", encontro com 2.500 participantes vai de 21 a 24 de janeiro.
Durante o Fórum Econômico Mundial (FEM), a suíça Davos se torna a cidade do mundo com maior densidade de ricos, poderosos e influentes. Em meio ao grande burburinho midiático, eles debatem os temas mais importantes do momento – para "melhorar o estado do mundo", segundo reza o marketing do encontro. Além disso, a portas fechadas realizam-se negócios de grande porte.
Foto: dapd
Questão de confiança
Klaus Schwab, fundador e presidente do FEM, o vê como uma "plataforma para cooperação pública e privada". Diante de numerosas crises, conflitos e problemas econômicos, é importante restabelecer a confiança numa ordem mundial estável, enfatiza o economista de 76 anos. Ele espera que o encontro em Davos possa contribuir para isso.
Foto: Reuters/P. Albouy
Muitos VIPs e temas
A chanceler federal alemã, Angela Merkel, está em Davos, assim como seu homólogo chinês Li Keqiang, os presidentes da França, François Hollande, e da África do Sul, Jacob Zuma, e o secretário de Estado dos EUA, John Kerry. Além deles, os chefes de grandes bancos e multinacionais. Na pauta, estão temas que vão do terrorismo à mudança climática global, passando, claro, por comércio e finanças.
Foto: Getty Images
Terror e crises
Terrorismo, guerras civis e a instabilidade política e social nas regiões árabes encabeçam a pauta do FEM. Também são discutidos a crise da Ucrânia e o continuado conflito entre a Rússia e o Ocidente. O presidente ucraniano, Petro Poroshenko, comparece a Davos, mas não o seu homólogo russo, Vladimir Putin. Na foto, militantes do grupo "Estado Islâmico" na Síria.
Foto: picture alliance/ZUMA Press/M. Dairieh
Mudança climática e suas consequências
Em Paris, na conferência climática da ONU do fim de 2015, se deverá estabelecer o primeiro acordo vinculativo para proteção do clima em mais de 20 anos. Essa é, pelo menos, a esperança. Sondando as chances para tal, estarão em Davos o ex-vice-presidente americano Al Gore e a secretária-geral da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre a Mudança do Clima, Christiana Figueres.
Foto: PATRICK KOVARIK/AFP/Getty Images
Ebola e diabetes
A epidemia de ebola na África lembra a importância do combate aos vírus. No entanto, doenças não transmissíveis como o diabetes são muito mais mortais: somente em 2014 ele fez 5 milhões de vítima, em todo o mundo. Debatendo o tema no 45º FEM, estarão os presidentes da Guiné e do Mali, a presidente da Organização Mundial da Saúde, Margaret Chan, e vários especialistas.
Foto: picture-alliance/AP Photo/J. Delay
Política financeira e zona do euro
Quando o Federal Reserve dos EUA elevará as taxas de juros, quando o Banco Central Europeu vai comprar títulos de dívida pública? E o que será da zona do euro, se na Grécia a aliança de esquerda Syriza vencer as eleições? Diversos chefes de bancos centrais debatem a respeito, também com a participação de Christine Lagarde, diretora do Fundo Monetário Internacional (FMI).
Foto: Louisa Gouliamaki/AFP/Getty Images
Questões de energia
A queda dos preços do petróleo representa dificuldades para os países produtores, e coloca em questão o futuro da extração por fraturamento hidráulico ("fracking"). Para outros, a tendência é uma bênção: as montadoras registram faturamento recorde. A diretora-executiva da GM, Mary Barra, estará em Davos, assim como os chefes de conglomerados de petróleo e energia e o secretário-geral da Opep.
Foto: picture-alliance/dpa
Tecnologia do futuro
Tecnologia do futuro Em 2014, com sua plataforma de "e-commerce" Alibaba, o chinês Jack Ma estreou na Bolsa de Valores com o maior capital da história do mercado de ações. Em Davos ele conversará, com representantes de outras firmas de TI, sobre como a tecnologia transforma a vida contemporânea. Estão altamente representadas no fórum a Microsoft, Yahoo, Google e Facebook, entre outras.
Foto: picture-alliance/dpa
Desigualdade crescente
O Fórum Econômico Mundial não quer ser visto apenas como o encontro anual dos ricos e poderosos. Assim, se discutirá tanto sobre o abismo crescente entre pobres e ricos, como sobre o número cada vez maior de refugiados (na foto: africanos chegados de barco à costa italiana). Outras presenças: os presidentes do Banco Mundial e da Organização Mundial de Comércio, e o multibilionário Bill Gates.
Foto: picture-alliance/dpa
A portas fechadas
Em Davos não se tomam decisões politicamente vinculativas – embora não esteja excluída a possibilidade de os participantes saírem levando algumas ideias novas consigo. Certo é que, a portas fechadas, se realizam ou pelo menos se iniciam negócios de peso. "Três dias em Davos poupam meses de viagens", resume – incógnito – o representante de um grande banco de investimentos.