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LiteraturaBrasil

"Com 'Pagu no metrô', quis ser fiel ao espírito modernista"

Alexis Parrot em Paraty
24 de novembro de 2023

Histórica personagem feminista, Patrícia Rehder Galvão é homenageada na Festa Literária de Paraty e tem revelados detalhes de suas passagens por Paris pela autora Adriana Armony.

Pagu em duas fotos preto-e-branco contidas em dossiê policial francês em 1934, quando foi detida em Paris.
Pesquisa de Adriana Armony revelou fotos inéditas de Pagu em dossiê policial em Paris. Emblemática autora foi presa em agosto de 1934 por distribuir panfletos do Comitê de Coordenação das Forças Antifascistas na cidade.Foto: French Police Archives

Homenageada da Festa Literária Internacional de Paraty (Flip), a escritora, jornalista e militante comunista Patrícia Rehder Galvão, também conhecida como Pagu, tornou-se musa do modernismo brasileiro no final dos anos 1920, após publicação do poema de Raul Bopp, "Coco de Pagu".

Descrita como "emblema da força feminista e vanguardista" pela organização do evento, sua vida, obra e impactos em movimentos sociais passados e consequências atuais são objeto de discussões críticas durante a Flip.

A autora Adriana Armony, participante da primeira mesa do evento, descortinou aspectos da biografia de Pagu até hoje desconhecidos. Sua obra Pagu no metrô se debruça especialmente sobre a passagem de Galvão por Paris entre 1934 e 1935, e também investiga sua volta à capital francesa em 1962 para tratar um câncer de pulmão.

Fruto de pesquisa de pós-doutorado realizada durante 2019 na capital francesa, o romance relata os passos da escritora na busca por detalhes da temporada parisiense de Pagu. Segundo biografias disponíveis, a icônica autora do que é considerado o primeiro romance proletário brasileiro, Parque industrial, teria sido expulsa da França em 1934.

A incongruência das datas conhecidas sobre a temporada de Pagu em Paris intrigou Armony, que encontrou imagens inéditas de Pagu no boletim policial após sua prisão, em agosto de 1934, por distribuir panfletos do Comitê de Coordenação das Forças Antifascistas na cidade. Pagu deixou a França apenas em 1935.

"Eu achei a estrutura do livro quando imaginei que eu era uma flâneuse, uma pessoa perambulando pelas ruas, pelos arquivos, mas principalmente pelos imaginários, que são meus, da Pagu e das mulheres em geral", disse Armony durante a Flip. Em entrevista à DW, Armony afirmou que "os dramas desta mulher nos anos 1920 e 1930 eram parecidos com os meus, de toda a minha geração e de outras que se seguiram".

DW: Como Pagu entrou na sua vida?

Adriana Armony: Meu primeiro encontro com ela foi o clichê da Pagu, aquela imagem da menina atrevida, do batom roxo e maquiagem cor de queijo Palmira, o pivô da separação do Oswald [de Andrade] e Tarsila [do Amaral – Oswald deixou Tarsila para se casar com Pagu] e tema do filme [Eternamente Pagu] da Norma Bengell.

Foto de 1929 mostra Pagu (primeira à esquerda), Anita Malfatti e Tarsila do Amaral em exposição da pintora. A Flip deste ano examina a obra da emblemática escritora e ativista e sua herança para o feminismo.Foto: Public Domain

Depois houve meu segundo encontro, aí com a Patrícia Galvão, quando me senti estimulada a procurar essas pecinhas dela, que eu chamo de caleidoscópio de Pagu, porque a cada vez que você gira se torna uma nova imagem. Com a leitura da carta que ela escreveu ao Geraldo Ferraz [seu marido] da prisão em que foi jogada na época do Estado Novo, descobri uma outra Pagu. Os dramas desta mulher nos anos 1920 e 1930 eram parecidos com os meus, de toda a minha geração e de outras que se seguiram.

Editada em livro com o título de Autobiografia precoce, esta carta revelou novas facetas da Pagu para você?

Na carta, ela se revela muito mais complexa e muito mais rica literariamente. A carta narra toda a viagem feita em 1934 em missão do Partido Comunista e termina, sem chegar a Paris, em uma passeata, com ela exaltando Stálin como "nosso líder, nosso chefe".

É um pouco irônico porque a gente sabe da desilusão dela naquele momento com o partido. Mas por que termina ali? Por que ela parou de escrever? Ou, na hipótese mais dramática que gosto de imaginar, Geraldo Ferraz queima as páginas do livro querendo esconder alguma coisa inconfessável... Enfim, a gente sabe algumas coisas soltas. [O poeta] Augusto de Campos coloca no livro Pagu, vida-obra [lançado em 1982 pela editora Brasiliense e relançado em 2014 pela Companhia das Letras, e no qual estão reunidas informações inéditas sobre a obra de Pagu até então desconhecidas], alguns acontecimentos. E aí eu comecei a rever esta Pagu e outras Pagus e fiquei com muita vontade de conhecer a Pagu de Paris.

Eu comecei relendo a Pagu, ia tomando notas e depois lendo a imagem dela, a imagem que ela quis fazer de si mesma nos vários momentos da vida e a imagem que fizeram dela. Fui fazendo a pesquisa e construindo um diário, mas um diário com várias camadas.

Um diário, mas também o relatório de uma investigação. O romance começa com o making off da própria construção do livro. Apesar da estrutura cronológica, o interior de cada capítulo é todo fragmentado, como a própria Pagu. Este entrelaçamento entre tema e linguagem é uma preocupação sua como escritora?

Claro. Se fosse só o tema, seria jornalismo. Com Pagu no metrô, eu não queria fazer uma narrativa convencional, mas um livro que fosse também uma montagem, até para ser fiel ao espírito modernista.

Além da referência direta ao livro do Queneau (Zazie no metrô), a precisão em listar endereços e detalhes das estações de metrô de Paris remetem ao [autor francês e vencedor do Nobel de Literatura de 2014, Patrick] Modiano. E também ao Paul Auster, no Diário de inverno, em que ele traça um esboço autobiográfico a partir dos endereços em que morou. Neles e no seu livro, esse mecanismo é a possibilidade de uma concretude da memória. Foi uma escolha consciente?

Acho que tem, sim, uma questão com a materialidade no livro todo. E Paris propicia isso, é uma cidade do século XIX, que tem o peso do passado. É a materialidade dos endereços, dos arquivos e do corpo, tanto da Pagu como do meu próprio corpo.

Ao testemunhar as manifestações dos coletes amarelos em 2019, você evoca as manifestações comunistas que a própria Pagu integrou na década de 1930, mas também as jornadas de 2013 que tomaram as ruas do Brasil. A literatura tem um compromisso político?

Acho que a política é uma inevitabilidade literária. Escrever já é um ato político. Se você escreve, já está escrevendo para a pólis, para a cidade, para estar no debate. Você está sempre imaginando um diálogo com o leitor e todo diálogo é político. A literatura que não é política é a má literatura, que vai repetir estruturas que já existem sem propor um debate.