Com racha no PMDB, Planalto perde comissão do impeachment
Jean-Philip Struck8 de dezembro de 2015
Chapa formada por ala rebelde do partido e pela oposição vence votação para escolha de comissão que vai analisar pedido de afastamento de Dilma. Resultado é duro golpe para o governo.
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Após a deflagração do rito do impeachment da presidente Dilma Rousseff na semana passada, o Palácio do Planalto partiu para a ofensiva com o objetivo de assegurar uma maioria confortável na comissão responsável pela avaliação do pedido, que foi escolhida nesta terça-feira (08/11).
Parte da estratégia passava pela indicação de deputados do PMDB simpáticos à presidente e a eleição de uma chapa com maioria governista e neutra, mas o plano acabou esbarrando em mais um racha entre os membros do partido – que oficialmente continua sendo aliado do governo.
No final, a ala do PMDB favorável à saída da presidente – que havia liderado a criação de uma chapa concorrente para formar a comissão – acabou prevalecendo. O governo acabou perdendo a votação por 272 votos a 199. Em vez da maioria favorável que estava sendo costurada na comissão de 65 membros, o Planalto agora vai ter que enfrentar pelo menos 39 deputados manifestamente simpáticos ao impeachment de Dilma – entre eles oito membros do PMDB.
Antes de perder a votação, o Planalto levava em conta que a escolha dos nomes do partido aliado era uma prerrogativa do deputado Leonardo Picciani, uma figura favorável ao governo que já havia arrancado de Dilma a indicação de aliados para os ministérios da Saúde e da Ciência e Tecnologia na última reforma ministerial. Com as indicações de Picciani mais a eleição da chapa de maioria governista, o governo esperava que os membros da comissão publicamente favoráveis ao impeachment não passassem de 15.
Só que a parte do PMDB que é crítica ao governo se uniu à oposição e acabou lançando uma chapa avulsa para integrar a comissão, com oito nomes diferentes da lista de Picciani, entre eles deputados abertamente a favor do impeachment, além de outras figuras hostis de outros partidos. Nesta terça-feira, após uma sessão marcada por empurra-empurra e troca de ofensas entre os deputados, a chapa oposicionista com 39 membros acabou sendo eleita.
A chapa de oposição havia sido lançada após um grupo de deputados que se opõem a Picciani, entre eles Eduardo Cunha (presidente da Câmara) e Lúcio Vieira Lima (irmão do ex-ministro Geddel Vieira Lima), ter iniciado uma movimentação no último fim semana para tentar derrubar o líder do PMDB na Câmara.
Picciani, em quem Dilma passou a apostar desde o início da crise com Cunha, nunca foi unanimidade no partido, tendo ganhado a eleição para líder em fevereiro por apenas um voto. A estratégia de derrubada não deu certo até o momento, mas acabou por oficializar a chapa concorrente. "A comissão que estava sendo formada pela maioria dos líderes era uma comissão chapa-branca. Era apenas formar uma comissão para obstruir os trabalhos e dar um resultado favorável, como o Planalto quer", disse Lúcio Lima.
Cunha liderou todo o processo de votação nesta terça-feira. O deputado ordenou que a votação fosse secreta, para temor do PT, que temia que esse sistema favorecesse mais deserções na base aliada. O presidente da Câmara também determinou que todo o processo ocorresse rapidamente, ignorando questionamentos dos petistas, que passaram então a tentar obstruir sem sucesso o acesso às cabines de votação.
Como a chapa eleita tem apenas 39 membros, uma votação suplementar ainda deve ser organizada para escolher os 26 membros restantes. A disputa ainda pode ser judicializada, já que o PT ingressou com uma ação no Supremo Tribunal Federal (STF) para tentar impugnar a chapa concorrente.
Divisão no PMDB
A situação no PMDB já havia começado a ficar mais instável na semana passada, quando o ministro da Aviação Civil, Eliseu Padilha, pediu demissão do cargo, sinalizando que mais uma ala do partido havia começado a abandonar o governo. Ao falar sobre sua saída, Padilha disse que "o PMDB é um partido que está literalmente dividido sobre a questão [do impeachment]".
Parte da base aliada do governo no Congresso tem se mostrado rebelde desde o início do ano, com o movimento contra o governo sendo capitaneado pelo peemedebista Eduardo Cunha, presidente da Câmara.
A novidade nos últimos dias é que pemedebistas que haviam permanecido em silêncio ou que antes haviam cerrado fileiras com a presidente agora começam a tomar a posição contra Dilma. Após a saída de Padilha, na noite de segunda-feira foi a vez de o vice-presidente Michel Temer enviar uma carta à presidente na onde explicitou seu descontentamento com relação a sua posição no governo. Há poucos meses, tanto Padilha quanto Temer eram vistos como alguns dos membros mais fortes da tropa de choque capaz de esfriar a crise e acalmar as alas rebeldes da base aliada.
Peemedebistas que encampam o "Fora Dilma" calculam que pelo menos 30 dos 66 deputados da legenda são favoráveis ao impeachment. Já os peemedebistas governistas afirmam que os dissidentes não passam de 20. Sozinho, o PMDB não tem força para empurrar o impeachment – o partido só controla 15% das cadeiras da Câmara.
No entanto, para o cientista político Carlos Pereira, da Fundação Getulio Vargas (FGV), uma ruptura majoritária do PMDB com o governo pode servir de incentivo para partidos menores – vários deles com poder de indicar titulares para a comissão – apoiarem de vez o impeachment. O lançamento da chapa avulsa também já explicitou o racha em siglas menores da base aliada, como o PP, o PSD e o PTB, que também indicaram membros para a lista concorrente.
"Não resta dúvida que eles seriam atraídos. Por causa da sua dimensão, o PMDB tem essa capacidade de sinalizar outro caminho. Os partidos menores podem achar que é melhor ficar do lado dos peemedebistas para a formação de um novo governo, e assim obter mais benefícios", afirma.
Ainda que a posição de Temer sinalize uma ruptura com o governo e que a chapa dissidente do PMDB tenha ganhado a disputa pela comissão, o Planalto ainda conta por enquanto com o apoio incondicional de alguns núcleos da sigla, entre eles o fluminense, que tem entre seus membros o governador Luiz Fernando Pezão, o prefeito Eduardo Paes, além de Picciani e seu pai, Jorge, o presidente da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro.
Para Carlos Pereira, o mais novo racha no PMDB explicitou a guerra entre as duas forças antagônicas do partido, a que busca um papel coadjuvante na formação de um governo – em que os benefícios são menores, mas sem o desgaste de comandar a Presidência – e a que deseja que o PMDB use o seu tamanho para liderar o país – com maiores benefícios, mas também com mais riscos.
"Parte do PMDB, formada por figuras como os senadores Renan Calheiros e Jader Barbalho e o governador Pezão, tem receio dessa estratégia que prevê o PMDB assumir um maior protagonismo. Esse sempre foi um dilema entre as forças do partido. No momento, outras alas, formadas por membros de São Paulo e da Bahia, que agora estão se destacando, querem o contrário. Esse racha é mais um sinal de que essas forças estão brigando", afirma.
Altos e baixos da trajetória política de Dilma Rousseff
Ela foi a primeira mulher a ocupar a Presidência da República. Antes disso, lutou contra a ditadura militar e foi ministra de Lula. Eleita, o adversário passou a ser a crise econômica e a pressão pelo impeachment.
Foto: Cleia Viana/Câmara dos Deputados
Contra a ditadura
Dilma Rousseff começou a vida política ainda jovem. No final dos anos 60, integrou organizações de combate à ditadura, até ser presa em janeiro de 1970 e torturada por mais de 20 dias. Quando deixou a prisão, no final de 1972, abandonou a luta armada e se mudou para o Rio Grande do Sul – onde se formou em Economia e ajudou a fundar o Partido Democrático Trabalhista (PDT).
Foto: AP/Arquivo Público do Estado de São Paulo
Ao lado de Lula
Dilma se filiou ao Partido dos Trabalhadores (PT) em 2001, enquanto era secretária de Minas e Energia do Rio Grande do Sul. Com a eleição de Luiz Inácio Lula da Silva em 2002, foi nomeada ministra de Minas e Energia. Em 2005, ela assumiu a chefia da Casa Civil no lugar de José Dirceu, após o escândalo do mensalão. A mudança marcou o início de uma reforma ministerial em meio à crise política.
Foto: Ricardo Stuckert/PR
"Ministra linha dura"
Enquanto era ministra-chefe da Casa Civil, Dilma anunciou a criação do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), em 2007 – que acabou não se desenvolvento tanto quanto o esperado –, e assumiu a direção de iniciativas como o programa Minha Casa, Minha Vida. Em 2009, apresentou o marco regulatório do pré-sal, definindo as regras para a exploração das recém-descobertas reservas de petróleo.
Foto: A. Nascimento/ABr
Luta contra o câncer
Em abril de 2009, a então ministra foi diagnosticada com câncer linfático. Após cirurgia para retirada do tumor e meses de radioterapia, Dilma anunciou estar curada em setembro do mesmo ano, já como pré-candidata do PT à sucessão de Lula. Na ocasião, falou à DW sobre o câncer: "Se você se desarmar diante da doença, ela vence. Mas, se não, percebe que a vida não acabou e que pode até ficar melhor".
Foto: AP
De coadjuvante a presidente
Em outubro de 2010, Dilma deixou se der coadjuvante no cenário político para se tornar sucessora das políticas do ex-presidente. Contra o tucano José Serra no segundo turno, ganhou a disputa com cerca de 55 milhões de votos válidos, e se tornou a primeira presidente mulher da história brasileira. Dilma assumiu o posto em 1º de janeiro de 2011.
Foto: AFP/Getty Images/Evaristo Sa
Primeiro discurso na ONU
"Pela primeira vez, na história das Nações Unidas, uma voz feminina inaugura o debate geral. É a voz da democracia e da igualdade se ampliando nesta tribuna", disse Dilma na abertura da 66ª Assembleia Geral da ONU, em setembro de 2011. Em seu discurso, exaltou o papel feminino na sociedade e na política, lamentou a ausência palestina e defendeu a reforma do Conselho de Segurança da ONU.
Foto: picture-alliance/dpa
Demissão de ministros
Dos 39 ministros que integravam a equipe da presidente eleita, oito deixaram seus cargos nos primeiros 14 meses de mandato, após escândalos deflagrados principalmente pela imprensa. Sete deles vinham do governo Lula, com exceção do ministro do Turismo, Pedro Novais. Dos oito que caíram, apenas Nelson Jobim, então ministro da Defesa, não estava envolvido em denúncias de corrupção.
Foto: AP
Inclusão social
Ao longo do primeiro mandato, Dilma deu continuidade a programas sociais do governo Lula, como Bolsa Família e Minha Casa, Minha Vida, e realizou o leilão do Campo de Libra, no pré-sal, destinando recursos para educação e saúde. Novos programas também foram criados, como Pronatec e Mais Médicos, este último alvo de duras críticas das entidades médicas, que responderam com protestos e paralisações.
Foto: picture alliance/AE
Corrupção na Petrobras
Em março de 2014, a Polícia Federal deflagou a Operação Lava Jato, que investiga um megaesquema de lavagem e desvio de dinheiro envolvendo a Petrobras, grandes empreiteiras do país e dezenas de políticos – entre eles, os ex-ministros Edison Lobão e Antonio Palocci. O escândalo na estatal serviu de munição aos candidatos de oposição contra Dilma durante a campanha eleitoral daquele ano.
Foto: AFP/Getty Images/K. Betancur
Eleições acirradas
Dilma foi reeleita presidente em 26 de outubro de 2014, com 54,5 milhões de votos no segundo turno. Foi uma das eleições mais disputadas da história, com diferença de apenas 3,5 milhões de votos para o segundo colocado, Aécio Neves (PSDB). A campanha eleitoral foi marcada por ataques, escândalos e a morte de um dos presidenciáveis, Eduardo Campos (PSB), substituído por Marina Silva.
Foto: picture-alliance/dpa/Sebastião Moreira
Protestos e reprovação recorde
As manifestações de junho de 2013 apenas respingaram em Dilma. Em 2015, por outro lado, centenas de milhares de pessoas foram às ruas em todo Brasil para protestar especificamente contra o governo da presidente e os escândalos de corrupção. A gestão Dilma Rousseff, que chegou a ser aprovada por 73% dos brasileiros em pesquisa de 2011, viu essa taxa cair para 8% quatro anos mais tarde.
Foto: Getty Images/AFP/E. Sa
Orçamento com déficit
Em agosto de 2015, em guerra com o Congresso, o governo apresentou uma proposta de Orçamento para 2016 com previsão de déficit de 30,5 bilhões de reais, algo inédito. A decisão levou a agência de classificação de risco Standard & Poor's a retirar o grau de investimento do Brasil. Duas semanas depois, o governo anunciou o ajuste fiscal, aprovado pelo Congresso somente em dezembro.
Foto: picture-alliance/epa/F. Bizerra jr.
Pedaladas fiscais
No início de outubro, o Tribunal de Contas da União recomendou a rejeição das contas de 2014 do governo, devido às chamadas "pedaladas fiscais". A decisão é usada pela oposição para fundamentar um pedido de impeachment. Para reduzir despesas, Dilma anunciou o corte de oito ministérios, a extinção de 30 secretarias em todas as pastas e a redução em 10% do salário dos ministros e do seu próprio.
Foto: Reuters/U.Marcelino
Cunha: peça-chave do jogo político
Apesar de ser membro do PMDB, partido da base aliada, o presidente da Câmara, Eduardo Cunha, rompeu com o governo quando passou a ser investigado no escândalo da Petrobras. Em meio a denúncias de corrupção e ao aumento da pressão pela cassação de seu mandato, Cunha autorizou, em dezembro, o pedido de abertura de um processo de impeachment de Dilma. "Não me cabia outra decisão", afirmou ele.
Foto: reuters
Afastamento da presidência
Após cinco meses de debates acalorados e prolongadas sessões no Congresso – incluindo uma votação tumultuada na Câmara –, o processo de impeachment tem sua abertura aprovada pelo Senado em 12/05, marcando o ápice da mais grave crise política brasileira dos últimos tempos. Com isso, Dilma foi afastada da presidência por até 180 dias, enquanto enfrentaria julgamento por crime de responsabilidade.
Foto: Reuters/A. Machado
O impeachment
A etapa final do processo de impeachment – o julgamento no Senado – durou cinco dias, incluindo oitiva de testemunhas, a defesa pessoal de Dilma aos senadores e a votação final, que culminou no afastamento definitivo da petista da Presidência da República. Foram 61 votos favoráveis à cassação, ante 20 contrários. O Senado, porém, decidiu por manter o direito de Dilma de exercer cargos públicos.
Foto: Reuters/J. Marcelino
Discurso de despedida
"É o segundo golpe de estado que enfrento na vida. O primeiro, o golpe militar, apoiado na truculência das armas, da repressão e da tortura, me atingiu quando era uma jovem militante. O segundo, o golpe parlamentar desfechado hoje por meio de uma farsa jurídica, me derruba do cargo para o qual fui eleita pelo povo", disse Dilma, ao se despedir do cargo, em 31 de agosto de 2016.
Foto: Getty Images/AFP/E. Sa
Tentativa de se eleger ao Senado
Com os direitos políticos mantidos após o impeachment, Dilma concorreu ao Senado por Minas Gerais nas eleições de 2018. Ela recebeu 15,29% dos votos válidos, número insuficiente para se eleger, ficando em quarto lugar.
Foto: Reuters/W. Alves
Volta ao Congresso após o impeachment
Três anos após seu afastamento do cargo, voltou pela primeira vez ao Congresso em 4 de setembro de 2019, para o lançamento da Frente Parlamentar Mista em Defesa da Soberania Nacional, que tem entre as principais bandeiras a luta contra as privatizações de estatais.