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ConflitosSudão

Com renúncia de premiê, Sudão tem vácuo de poder

3 de janeiro de 2022

Militares voltam a controlar o país e ameaçam um retorno ao autoritarismo. Ex-premiê Abdalla Hamdok não conseguiu formar governo de unidade e era acusado de "traição" pelos manifestantes, que há meses ocupam as ruas.

Sudan Khartum | Demonstration & Protest gegen Militärjunta
Foto: AFP/Getty Images

A renúncia do primeiro-ministro do Sudão, Abdalla Hamdok, neste domingo (02/01) veio após uma série de fracassos em suas tentativas de reunir apoio político, e após meses de protestos violentamente reprimidos pelas forças de segurança.

Os confrontos entre policiais e manifestantes deixaram ao menos 57 mortos, e há temores de que a violência possa se agravar após a renúncia de Hamdok. Sua saída deixa os militares com o controle total do governo e poderá resultar em uma nova fase de autoritarismo, nos moldes do período em que o país era governado por Omar al-Bashir.

Hamdok atuou como primeiro-ministro por mais de dois anos, em um acordo de compartilhamento de poder entre civis e militares, até ser derrubado do poder pelas Forças Armadas em outubro do ano passado.

Ele voltou ao poder depois de um novo acordo que visava reverter a tentativa de golpe de Estado, com um governo provisório formado por tecnocratas que deveria permanecer até as eleições de 2023.

Mas esse acordo com os militares encontrou forte oposição dos principais partidos políticos sudaneses e do movimento popular que derrubara o governo de Bashir.

Hamdok havia dito anteriormente que somente ficaria no cargo se conseguisse mobilizar apoio político. Mas, em pronunciamento de despedida em rede nacional neste domingo, ele admitiu que não conseguiu unir a facções polarizadas de modo a prosseguir com a transição de poder.

O ex-premiê disse que tentou evitar uma "queda rumo ao um desastre" no Sudão, e alertou que o país se encontra em uma "perigosa encruzilhada que ameaça sua própria sobrevivência". "[Digo] às nossas Forças Armadas e à todo o aparato militar: o povo é a autoridade final", afirmou.

Alternância de governos militares

Desde a independência do Reino Unido e do Egito, em 1956, o Sudão, que é hoje um dos países mais pobres do mundo, esteve a maior parte do tempo sob governos militares, com raros intervalos democráticos.

O país vinha atravessando uma frágil transição para um governo inteiramente civil desde abril de 2019, após a queda de Bashir, em consequência de uma onda de protestos sem precedentes. O ex-líder, acusado pelo Tribunal Penal Internacional (TPI) de cometer crimes de guerra na região de Darfur, está preso.

Após sua queda, o Sudão vinha tentando retomar os laços com a comunidade internacional, de modo a obter ajuda financeira e investimentos estrangeiros.

O governo de Hamdok conseguiu garantir um alívio de mais de 56 bilhões de dólares na dívida externa, enquanto avançava uma dolorida reforma econômica que, segundo o próprio governo, começava a dar frutos, contra um histórico de escassez de recursos e da pobreza generalizada.

Ex-primeiro-ministro Abdalla Hamdok lideou governo provisório, mas não conseguiu apoio para governarFoto: Mohamed Khidir/Xinhua/Imago Images

As autoridades do governo haviam firmado um acordo parcial de paz com os rebeldes no sul do país e em Darfur. Porém, esses esforços caíram por terra com o golpe de 25 de outubro de 2021, liderado pelo general Abdel Fattah al-Burhan, que deteve Hamdok e seus ministros.

Após a tomada de poder e a enxurrada de críticas da comunidade internacional, Burhan recolocou Hamdok no poder no dia 21 de novembro, prometendo eleições gerais para meados de 2023.

Com isso, o governo provisório esperava o esfriamento dos protestos, mas os manifestantes, já descrentes nas duas lideranças, continuaram nas ruas. Eles acusavam Hamdok de traição e de "legitimar o regime golpista".

Diversos analistas afirmam que a renúncia de Hamdok sinaliza um retorno à forma de governo que prevaleceu no Sudão durante o regime de orientação islamista de Bashir.

O futuro da atual transição determinará o equilíbrio de poder no país de 46 milhões de habitantes, além de exercer influência sobre a instável região do Sahel e no Sudeste Africano.

rc (AFP, Reuters)

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