Com Trump de volta, empresas nos EUA desistem de diversidade
Laura Kabelka | Annika Sost de Washington
15 de janeiro de 2025
Ofensiva conservadora contra políticas de inclusão no mercado de trabalho ganha força no país. Mas especialistas asseguram que movimento veio para ficar – ainda que sob nova roupagem.
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Nos Estados Unidos, o jargão do mundo corporativo "diversidade, equidade e inclusão" (DEI) virou algo tão polarizador que grandes corporações como Meta, McDonald's, Walmart, Boeing e Ford começaram a rever suas políticas nessa seara.
Para especialistas, isso não necessariamente quer dizer que as empresas já não se importem mais com o tema, mas é um sinal de que elas estão repensando estratégias para se manter livre de encrencas. O recuo vem após o aumento de processos judiciais e de campanhas online de conservadores que alegam sofrer discriminação reversa – e parece ter ganhado força após a vitória eleitoral de Donald Trump.
"Cada líder corporativo agora lida com o fato de que DEI em 2025 vai ser algo muito mais controverso, vai ser um risco, e isso é algo que eles terão que gerenciar", diz à DW a estrategista em DEI Lily Zheng.
O que é DEI e quem se beneficia disso?
O conceito de DEI floresceu por todo o país nas últimas décadas – principalmente desde os protestos Black Lives Matter ("Vidas Negras Importam"), surgidos na esteira do assassinato de George Floyd por policiais em 2020.
Muitas companhias implementaram treinamentos para identificar vieses discriminatórios e programas de mentoria para incentivar grupos sub-representados. Também passaram a considerar critérios de diversidade na hora de contratar ou promover funcionários.
Políticas como essas visam não só criar ambientes de trabalho como também ambientes institucionais e de aprendizado mais justos.
Ao encorajar a representação e a participação de pessoas de diferentes gêneros, raças, habilidades, orientações sexuais, dentre outros marcadores de identidade, espera-se identificar e remediar desigualdades e discriminação sistêmica.
É sobre "criar um campo de jogo nivelado para todo mundo", resume David Glasgow, diretor-executivo do Meltzer Center para Diversidade, Inclusão e Pertencimento da Universidade de New York (NYU).
Ele explica que as políticas de DEI não são só uma questão moral, mas também de mercado: estudos mostram que priorizar a diversidade de talentos leva a mais inovação e criatividade, além de ajudar empresas a se conectar com uma base de consumidores mais plural.
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Ofensiva anti-DEI nos tribunais
Mas o DEI está longe de ser um consenso nas instituições e no ambiente corporativo.
Glasgow afirma que o número de processos contra ações afirmativas cresceu significativamente desde que uma decisão da Suprema Corte em junho de 2023 classificou como ilegais as seleções no ensino superior baseadas em critérios raciais. A decisão acabou impactando também outros setores.
Ativistas contrários às políticas de DEI não se cansam de atacá-las. Em novembro de 2024, um desses ativistas, Robby Starbuck, chegou até mesmo a atribuir o encerramento do programa de DEI do Walmart à sua militância.
Outro desses ativistas é Stephen Miller, ex-conselheiro em política externa que volta à Casa Branca como nomeado por Trump. Miller já processou a Meta e a Amazon, alegando que as políticas de diversidade dessas empresas discriminam brancos.
Algumas dessas ações judiciais surtiram efeito. Em setembro, o Fearless Fund, iniciativa de apoio a empreendimentos tocados por grupos marginalizados, anunciou que fecharia permanentemente seu programa de bolsas para mulheres negras como parte de um acordo com um grupo de conservadores liderados pelo ativista Edward Blum. Eles alegavam que o programa violava a Lei de Direitos Civis de 1866 por supostamente discriminar pessoas com base em critérios raciais.
Quando Trump assumir a Presidência dos EUA em 20 de janeiro, processos do tipo podem ganhar ainda mais tração, afirma Glasgow: "Ele vai indicar mais juízes com interpretações conservadoras da lei antidiscriminação. Então, alguns dos processos que estamos monitorando, eu espero que tenham um desfecho anti-DEI."
Empresas na berlinda
Glasgow diz entender algumas críticas às políticas de DEI, como as feitas contra as abordagens de teor mais acusatório, ou que não são consistentes nem efetivas. "Mas acho que há uma ofensiva mais ampla contra o progresso em questões de justiça social", pondera.
O maior empregador do livre mercado americano, a rede varejista Walmart, não respondeu à DW por que decidiu encerrar um programa de talentos que visava aumentar a diversidade racial e promover a equidade dentro da empresa.
Outra grande companhia que desistiu dessas práticas disse que não comentaria o assunto por causa da má repercussão.
Ao anunciar o fim de seus programas de diversidade, a Meta – empresa dona do Facebook, Instagram e WhatsApp – justificou a decisão alegando mudanças no "cenário legal e político em torno dos esforços de diversidade, inclusão e equidade nos Estados Unidos".
Zheng, que é estrategista em DEI, acha que alguns empresários ficaram assustados com um ambiente corporativo mais cheio de riscos. Para ela, eles temem que estejam "tomando decisões que infelizmente terão um impacto provavelmente grande sobre sua imagem, sua reputação, sua capacidade de reter funcionários, sua moral".
Questão de rebranding?
Por ora, a grande maioria do mundo corporativo americano ainda mantém políticas de DEI, segundo um estudo do centro de pesquisas de mercado The Conference Board, uma entidade sem fins lucrativos. Oito em cada 10 empresas ouvidas disseram ainda planejar manter ou expandir essas políticas pelos próximos três anos.
Zheng se mantém otimista. Ela acha que mesmo as empresas que estão revendo essas políticas e alardeando menos seus compromissos ainda podem manter seus valores. "Talvez eles agora chamem isso [DEI] de 'pertencimento'. Talvez estejam focando em justiça. De qualquer forma, boa parte desses compromissos já existentes não parece estar mudando", afirma.
E de fato, semanas depois de Trump ganhar as eleições, o Walmart atualizou seu site e rebatizou de "pertencimento" uma seção antes intitulada "pertencimento, diversidade, equidade e inclusão".
Indagado sobre as mudanças de estratégia do Walmart e de outras grandes empresas, Glasgow diz não achar que a mensagem passada seja de que eles "não se importam mais em ter um ambiente de trabalho diverso", e sim que não adotarão mais "certos tipos de programas de DEI".
Mas Zheng aponta que a falta de metas claras de DEI "pode levar a menos investimentos" na área e maior desprestígio dessas políticas perante a opinião pública.
O mês de janeiro em imagens
Reveja alguns dos principais acontecimentos do mês
Foto: MATTHEW HINTON/AFP
David Lynch, diretor de "Cidade dos sonhos", morre aos 78 anos
Conhecido por produções como "Cidade dos Sonhos", "Twin Peaks" e obras surrealistas, o renomado diretor americano acumulou quatro indicações ao Oscar durante sua carreira. Causa da morte não foi divulgada. Em 2024, ele afirmou que foi diagnosticado com enfisema pulmonar. (16/01)
Hamas e Israel chegam a acordo para encerrar conflito em Gaza
Israel e Hamas chegaram a um acordo de cessar-fogo para encerrar o conflito na Faixa de Gaza após 15 meses de combates, segundo informaram mediadores nesta quarta-feira. O texto prevê troca de reféns por prisioneiros e a retirada de militares israelenses. População foi às ruas em Gaza e em Israel para comemorar a decisão. (15/01)
Foto: Abdel Kareem Hana/AP/picture alliance
Procurador diz que havia evidências para condenar Trump
Em relatório tornado público, o procurador especial Jack Smith afirma que havia evidências suficientes para condenação do presidente eleito dos EUA por tentar anular o resultado da eleição de 2020. Parte do documento foi enviado ao Congresso pelo Departamento de Justiça – não sem que antes Trump tentasse impedir que isso acontecesse. Republicano reagiu tachando Smith de "perturbado". (14/01)
Foto: Jacquelyn Martin/AP Photo/picture alliance
Lula sanciona lei que proíbe uso de celular nas escolas
Lei restringe uso de aparelhos eletrônicos portáteis, sobretudo telefones celulares, nas salas de aula de escolas públicas e privadas em todo o país. Há exceções para uso pedagógico, sob supervisão dos professores, ou em casos excepcionais de acessibilidade ou necessidade de saúde. Medida ainda será regulamentada por decreto a tempo de entrar em vigor no início do ano letivo, em fevereiro. (13/01)
Sobe para 16 número de mortos em incêndios em Los Angeles
O número de mortos nos incêndios florestais que atingem a região de Los Angeles aumentou para 16, enquanto as equipes lutam para conter as chamas antes da chegada prevista de novas rajadas de ventos fortes capazes, potencialmente, de empurrar o fogo em direção a outras regiões da cidade. (12/01)
Foto: Jae C. Hong/AP Photo/picture alliance
Milhares protestam contra convenção da ultradireita na Alemanha
Mais de 10 mil pessoas participam de uma manifestação em uma pequena cidade do leste alemão contra a convenção nacional do partido ultradireitista Alternativa para a Alemanha (AfD). A convenção é parte da campanha do partido para as eleições federais de 23 de fevereiro, convocada após o colapso do governo de coalizão do chanceler federal, Olaf Scholz. (11/01)
Foto: EHL Media/IMAGO
Trump é sentenciado e será 1º presidente condenado dos EUA
O presidente eleito dos EUA, Donald Trump, foi sentenciado por sua condenação criminal decorrente do pagamento em dinheiro para silenciar uma atriz pornô. A penalidade, porém, não inclui multa, prisão ou liberdade condicional. O juiz aplicou ao republicano uma sentença de "dispensa incondicional", que reconhece a culpa do réu, mas não impõe uma pena específica. (10/01)
Foto: Brendan McDermid-Pool/Getty Images
"Sinceramente, estou morrendo", diz ex-presidente do Uruguai José Mujica
Mujica, de 89 anos, revelou que o câncer em seu esôfago se espalhou para o fígado e que a progressão da doença não pode mais ser interrompida. "Não posso fazer nem um tratamento bioquímico nem uma cirurgia porque meu corpo não aguenta", disse. "O que eu peço é que me deixem em paz. O guerreiro tem direito ao descanso." (09/01)
Foto: Santiago Mazzarovich/AFP
Incêndios deixam rastro de destruição na Califórnia
Incêndios florestais de enormes proporções atingiram a Califórnia e deixaram ao menos cinco mortos e dezenas de feridos. No condado de Los Angeles, cerca de 180 mil pessoas tiveram que deixar suas casas por ordem das autoridades, com as chamas consumindo uma área de 117 quilômetros quadrados. (08/01)
Foto: Ringo Chiu/REUTERS
Morre o extremista francês Jean-Marie Le Pen
Líder histórico da extrema direita francesa e pai da ultradireitista Marine Le Pen morreu aos 96 anos. Ele foi um dos fundadores do partido Frente Nacional, renomeado em 2018 para Reunião Nacional. Figura polarizadora na política francesa, Le Pen era conhecido por sua retórica inflamada contra a imigração e o multiculturalismo. (07/01)
Congresso dos EUA certifica vitória eleitoral de Trump
O Congresso dos EUA certificou Donald Trump como vencedor da eleição de 2024. A cerimônia aconteceu sem interrupções – em contraste à violência de 6 de janeiro de 2021, quando, com pelo menos aquiescência de Trump, uma multidão invadiu o Capitólio para impedir certificação de Joe Biden. Os legisladores se reuniram sob forte segurança para cumprir a data exigida pela lei eleitoral. (06/01)
Foto: Chip Somodevilla/Getty Images/AFP
Neve traz caos à Europa e aos Estados Unidos
Após um fim de ano com temperaturas relativamente amenas, nevou no Reino Unido e em outras partes da Europa. Pistas congeladas geraram transtorno nas estradas e levaram ao cancelamento de voos e fechamento de aeroportos, inclusive na Alemanha. Nos Estados Unidos, algumas áreas devem ter a pior nevasca da década. (05/01)
Foto: Danny Lawson/PA Wire/dpa/picture alliance
Trens de longa distância operados pela alemã Deutsche Bahn batem recorde de atraso
Em 2024, 37,5% dos trens de longa distância registraram atraso superior a seis minutos – a maior taxa em 21 anos. Empresa atribuiu piora no desempenho à "infraestrutura ultrapassada e sobrecarregada", obras na rede ferroviária, aumento do tráfego, falta de mão de obra e eventos climáticos extremos, mas disse trabalhar em um plano de ação para melhorar sua pontualidade. (04/01)
Foto: Sebastian Gollnow/dpa/picture alliance
Milhares de alemães assinam petição contra uso de fogos de artifício
Mais de 270 mil alemães assinaram uma petição online pedindo a proibição de fogos de artifício particulares em todo o país, após um Ano Novo marcado por cinco mortes e dezenas de feridos pelo uso incorreto dos fogos. Em várias cidades, equipes de emergência foram atingidas pelos explosivos. Em Berlim, um policial ficou gravemente ferido e precisou ser operado. (03/01)
Foto: Christian Mang/REUTERS
Multidão protesta contra prisão de presidente afastado da Coreia do Sul
Uma centena de pessoas se reuniram em Seul para protestar contra o mandado de prisão imposto ao presidente deposto da Coreia do Sul, Yoon Suk Yeol, acusado de insurreição. Apoiadores se posicionaram em frente à residência de Yoon, que se propôs a "lutar até o fim". Agentes já se posicionam no local para cumprir a ordem judicial. (02/01)
Foto: Philip Fong/AFP
Homem atropela multidão em Nova Orleans e deixa 10 mortos
Ataque ocorreu na Bourbon Street, uma rua turística com bares e clubes noturnos. Condutor do veículo morreu em confronto com policiais e FBI investiga "ato de terrorismo". Suspeito, um cidadão americano do Texas, carregava bandeira do Estado Islâmico. (01/01)