Comunidade internacional parece estar perdendo a batalha contra o vírus do ebola na África. Faltam pessoal e roupas de proteção. Além disso, governos e instâncias responsáveis não têm reagido de forma adequada ao surto.
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Quando o pediatra Werner Strahl descreve a batalha contra o ebola em Serra Leoa, seu relato é marcado por um conceito: carência. O também presidente da organização humanitária Cap Anamur acaba de retornar à Alemanha, vindo da capital serra-leonense, Freetown, onde trabalhou duas semanas numa clínica.
"Esse é o único hospital pediátrico do país e ele não tem estrutura para atender a pacientes com febre", um dos sintomas do ebola, conta. "Os laboratórios ficam a quatro ou seis horas de distância, de carro. Nós precisávamos levar as amostras de sangue dos presumíveis pacientes e depois voltar com as informações. Chegava a demorar três dias até nós termos os resultados dos exames."
Até que os testes confirmassem que uma menina estava realmente infectada, já era tarde demais, revela Strahl à DW. Vários médicos e enfermeiros já haviam tocado a criança, e em consequência praticamente toda a equipe médica ficou em casa, Apenas dois médicos continuaram atendendo os pacientes.
Luvas, roupas e óculos de proteção: tudo faltava em Freetown. E os déficits nesse caso particular refletem um problema maior, pois a reação internacional à epidemia de ebola tem sido caracterizada por deficiências.
Erros da comunidade internacional
"Tanta coisa deixou de acontecer. Não só nós [da Cap Anamur], mas também a Médicos sem Fronteiras e outras organizações vêm alertando, desde abril: é preciso fazer mais, mais equipamento de proteção precisa vir para o país, a população tem que ser esclarecida intensivamente", conta Strahl. Na prática, porém, as campanhas de educação sobre o surto se arrastaram timidamente.
O médico presume que os governos tinham mais medo do pânico entre a população do que do vírus. Quanto às roupas de proteção, elas ainda são escassas em muitas regiões atingidas. "A comunidade internacional não tinha equipamento de proteção suficiente em estoque" e começou-se tarde demais a intensificar a produção.
Mais de 1.900 pessoas já morreram de ebola desde março, a maioria na Libéria, Guiné e Serra Leoa. Com as atuais taxas de infecção, estima-se que cerca de 20 mil casos possam surgir nos próximos seis a nove meses.
Margaret Chan, diretora geral da Organização Mundial da Saúde (OMS), que coordena os esforços internacionais de combate ao ebola, admite que todos os envolvidos subestimaram inicialmente o surto. Ainda assim, ela se mostra otimista. "Nós acreditamos que o surto pode ser e será controlado: sabemos o que é preciso e como fazê-lo."
Ainda é pouco
No fim de agosto, a OMS divulgou um plano de 490 milhões de dólares para conter a epidemia de ebola na África. Este enfatiza ações básicas contra a doença, como a necessidade de cautela em funerais. Chan agradeceu aos países que se comprometeram a contribuir com fundos e pediu que outros auxiliem na luta contra o ebola.
Entretanto, as medidas não serão suficientes, alerta Joanne Liu, presidente da Médicos sem Fronteiras (MSF), ONG que trata a maioria dos pacientes de ebola na África Ocidental. "O anúncio de fundos, planos, a descoberta de vacinas e tratamentos são bem-vindos, mas não conseguirão conter a epidemia."
Para tal, "é fundamental que os países organizem imediatamente ativos civis e militares com especialistas em contenção de acidentes biológicos. Para acabar com o fogo, é preciso que se entre na casa em chamas", comenta Liu.
O pediatra Werner Strahl concorda com a presidente da MSF. "A OMS só terá sucesso se tiver pessoal suficiente, e nós vimos que não é fácil encontrar essa gente." Criticar a comunidade internacional por não fazer o suficiente também não vai mudar a situação, acrescenta. Ao invés disso, os governos precisam fornecer verbas e pessoal para a OMS realizar um trabalho eficiente. "Eu não quero censurá-los. Nós precisamos definitivamente deles", contemporiza o médico alemão.
Maior surto de ebola da história
A África enfrenta a pior epidemia de ebola. Não existem medicamentos ou vacina para conter a doença. Perante surto, a Organização Mundial da Saúde liberou o uso de substâncias experimentais em pacientes infectados.
Foto: Reuters
Conhecido desde 1976
O vírus do ebola foi descoberto em 1976 na República Democrática do Congo por uma equipe de pesquisadores da Bélgica. A doença foi batizada com o nome do rio que passa pelo vilarejo onde ela foi identificada pela primeira vez. Desde então, já houve 15 epidemias nos países africanos, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS).
Foto: Reuters
Chances mínimas
Há diversas variações do vírus, e apenas algumas causam a febre hemorrágica. Ainda não há vacina ou medicamentos aprovados para combater o ebola. A doença é fatal na maioria dos casos: a taxa de mortalidade é de 90%. O diagnóstico é feito através de exames laboratoriais.
Foto: AFP/Getty Images
Sintomas
Os sintomas, que aparecem entre 2 e 21 dias após a infecção, são fraqueza, dores de cabeça e musculares, calafrios, falta de apetite, dor de estômago e de garganta, diarreia, vômitos e febre hemorrágica. As principais regiões do corpo afetadas são o aparelho digestivo, o baço e o pulmão.
Foto: picture alliance/AP Photo
Contágio
A transmissão do ebola ocorre apenas através de fluídos corporais, ou seja, deve haver contato direto entre as pessoas ou animais infectados, e também por meio do contato com ambientes contaminados. Ele se propaga, por exemplo, em hospitais, entre enfermeiros e médicos que tratam de pessoas infectadas. Além disso, pode ser transmitido ao se tocar no corpo de pessoas que morreram dessa doença.
Foto: Reuters/Unicef
De animais para humanos
Animais infectados também transmitem a doença. O ebola foi introduzido na população humana através de contato com sangue, secreções, órgãos e fluídos corporais de animais que carregavam o vírus. Morcegos, por exemplo, são hospedeiros do vírus, mas eles não adoecem e podem carregar o ebola consigo até o fim da vida.
Foto: picture-alliance/dpa
Informação é o melhor remédio
Campanhas de esclarecimentos sobre o ebola são fundamentais para conter o avanço da epidemia. A única maneira de evitar uma infecção são medidas preventivas, como melhores condições de higiene nos hospitais, uso de luvas e a quarentena.
Foto: Sia Kambou/AFP/Getty Images
Atual epidemia
Os primeiros casos do atual surto de ebola foram confirmados em março deste ano na Guiné. Desde então, a pior epidemia dessa doença da história já se alastrou por seis países africanos. Casos já foram registrados na Libéria, em Serra Leoa, na Guiné, na Nigéria, na República Democrática do Congo e no Senegal.
Foto: picture-alliance/dpa
Fronteiras fechadas
Os governos de Serra Leoa, Libéria e Nigéria decretaram estado de emergência devido à epidemia. O surto levou alguns países africanos a colocar em quarentena regiões fortemente atingidas pela doença. Além disso, para tentar evitar a propagação da epidemia, países como Guiné, Libéria e Costa do Marfim fecharam suas fronteiras.
Foto: Reuters
Mais de mil mortes
A OMS considerou o atual surto de ebola com o maior e pior da história. Desde março, mais de 3 mil casos da doença já foram confirmados e mais de 1.500 pessoas morrem de ebola. Entretanto, a agência teme que mais de 20 mil pessoas possam ser infectadas até que a epidemia seja controlada.
Foto: DPA
Vida em risco
No atual surto há uma elevada taxa de infecção entre profissionais de saúde que cuidam de pacientes com ebola. Mais de 240 médicos e enfermeiros já foram infectados e mais de 120 morreram. A falta de roupas de proteção e o cansaço após jornadas exaustivas de trabalho são as razões para essas infecções. Alguns deles estão recebendo o tratamento em países europeus e nos Estados Unidos.
Foto: Getty Images/Afp/Seyllou
Medicamentos experimentais
O médico americano Kent Brantly foi tratado nos Estados Unidos com o soro experimental ZMapp. Após três semanas de isolamento ele foi curado. Mas a eficácia desse medicamento é controversa. Um padre espanhol tratado com esse soro não sobreviveu. Perante a gravidade da crise, a OMS aprovou em meados de agosto a utilização de substâncias experimentais contra o ebola.