Combate ao Aedes ainda é principal arma contra o zika
Roberta Jansen
1 de dezembro de 2016
Em um ano, houve avanços importantes na compreensão da infecção, mas luta contra o mosquito continua sendo único recurso disponível. Ministério da Saúde lança campanha nacional contra o vetor da doença.
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Pouco mais de um ano depois de o Brasil declarar emergência em saúde pública por conta de um surto de casos de microcefalia relacionados ao vírus zika, o combate ao mosquito transmissor, o Aedes aegypti, ainda é a única arma disponível para combater a doença. Houve avanços importantes na compreensão da infecção, mas nada capaz de evitar uma nova epidemia no verão que se aproxima.
Desde novembro passado, o país confirmou 2.079 casos de microcefalia e outros 3.077 seguem em investigação, a maioria no nordeste do país. Pela primeira vez, no entanto, os casos da malformação ganham mais destaque no sudeste. Dados recentes do Ministério da Saúde mostram que há 700 casos sendo investigados no Rio de Janeiro e em São Paulo. Ao todo, 67 países registram casos de zika, mas a pior situação segue sendo a do Brasil, em particular a da região Nordeste.
"Acho que a zika está conosco para ficar, e há uma preocupação muito grande com o próximo verão nas Américas", afirma a pesquisadora Maria Van Kerkhove, do Instituto Pasteur, na França. "Algo terrível está acontecendo no nordeste do Brasil e ninguém tem uma resposta satisfatória para isso."
Novos estudos
As explicações para a prevalência dos casos no nordeste, segundo a especialista, podem ser as mais diversas – desde desnutrição, passando por outras infecções, até a pobreza –, mas só poderão ser determinadas com segurança após estudos mais amplos apresentarem resultados.
Um dos mais promissores é um estudo internacional liderado pelo Instituto Nacional de Saúde nos Estados Unidos, o Zika in Infants and Pragnancy (Zip). A ideia é acompanhar 10 mil mulheres grávidas em diversas partes do mundo, 3 mil delas no Brasil. Todas as crianças nascidas – com malformação ou não – serão acompanhadas por um período de dois a cinco anos.
De acordo com especialistas, mesmo crianças nascidas sem microcefalia – de mães que tiveram zika durante a gravidez – podem apresentar problemas neurológicos ao longo de seu desenvolvimento, como outros estudos menores já demonstraram.
Algumas drogas para evitar que a mãe infectada passe o vírus para o feto também estão sendo estudadas tanto no Brasil quanto no exterior, bem como potenciais vacinas contra o vírus e métodos inovadores de erradicação do mosquito. Ao todo, são mais de 18 estudos em andamento hoje no mundo, tanto nas Américas, quanto na África e na Ásia. No entanto, até agora, os especialistas ainda têm mais perguntas do que respostas sobre a infecção.
"A Anvisa acaba de aprovar dois testes sorológicos para diagnóstico da doença, o que é muito importante", ressalta o diretor do Instituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz), Wilson Savino. "Também fizemos avanços do ponto de vista da compreensão da doença: sabemos que causa alterações no sistema nervoso de fetos, doenças oculares e auditivas."
"Ordem é se cuidar"
Também já está bem estabelecida a relação da infecção pelo vírus zika e a síndrome de Guillain-Barré – um problema autoimune. Está comprovado que o vírus é transmitido pelo Aedes aegypti e também por via sexual. Ele pode ser encontrado no sêmen até seis meses depois da infecção.
"Não sabíamos nada disso no verão do ano passado", frisa Savino. "Mas, por enquanto, a ordem para este verão é se cuidar. Todos devem usar repelente e as grávidas devem usar repelente e roupas que cubram todo o corpo. Além disso, temos que manter as casas limpas, sem espaço para a disseminação do mosquito".
Na falta de outra alternativa, o Ministério da Saúde dá início nesta sexta-feira (02/12), Dia nacional de combate ao Aedes aegypti, à Campanha Nacional de Combate ao Mosquito. A ideia é fazer em todo o país um mutirão para a erradicação do Aedes – que também transmite a dengue e a chicungunha.
"Temos salas de situação em todos os estados e em vários municípios do país", afirmou o ministro ao anunciar a campanha. "Ou seja, toda a infraestrutura está pronta para o combate ao mosquito, mas depende de cada brasileiro fazer a sua parte. A diminuição dos mosquitos vai impactar diretamente na redução do número de pacientes com essas doenças, por isso a importância dessas ações (de conscientização) nas escolas, empresas e casas."
O vírus zika e sua trajetória
O zika contaminou centenas de milhares de pessoas no Brasil e numa série de países a partir de meados de 2015. Conhecido desde 1947, o vírus nunca tinha feito um estrago tão grande.
Foto: picture-alliance/dpa/O. Rivera
Origem na floresta
O vírus zika foi identificado pela primeira vez em 1947, isolado no sangue de um macaco na floresta de Zika (foto), em Uganda.
Foto: DW/S. Schlindwein
Primeiro paciente na Tanzânia
Em 1952 o zika foi diagnosticado pela primeira vez num paciente da Tanzânia. Acredita-se que o vírus tenha se espalhado pelos países vizinhos nos anos seguintes. Nesse processo, surgiram três cepas diferentes: duas identificadas na África e uma, na Ásia.
Foto: DW/M. Bello
Casos isolados
Entre o primeiro caso e 2007, só foram identificados 14 contágios pelo vírus zika. Não é fácil diagnosticar a doença: até 80% dos contaminados não desenvolvem qualquer sintoma, e os que se manifestam podem ser confundidos com gripe ou dengue. Entre os anos 1970 e 2000, observatórios médicos isolaram o vírus em cinco países da África, quatro da Ásia e um na Oceânia.
Foto: Reuters/I. Alvarado
Primeiro surto
Em 2007 um surto de zika alcançou grandes proporções, pela primeira vez. Na Micronésia, arquipélago com centenas de pequenas ilhas, 5 mil foram infectados pela doença. Por desconhecimento, muitos casos foram confundidos com episódios de dengue ou chikungunya, igualmente transmitidas por mosquitos do gênero Aedes e com sintomas semelhantes.
Foto: picture-alliance/dpa/O. Rivera
Surto no Pacífico
Um surto de zika entre 2013 e 2014 em ilhas do Pacífico fez 55 mil vítimas – 11 vezes mais do na Micronésia. A Polinésia Francesa foi a mais afetada. As ilhas Cook, Nova Caledônia e a da Páscoa (pertencente ao Chile) também tiveram casos confirmados.
Foto: Michael Marek
Sinal vermelho
Os primeiros casos de zika no Brasil foram detectados em abril de 2015. O número de infectados cresceu rapidamente, em pleno outono. Até então, os surtos de dengue, também transmitida pelo Aedes aegypti, costumavam ocorrer somente durante o verão.
Foto: EBC
Emergência no Brasil
Médicos brasileiros identificaram um aumento no número de casos de microcefalia congênita em áreas do Nordeste, que associaram à epidemia de zika. Em outubro de 2015, outros nove países da América do Sul e Central registram transmissão local do vírus.
Foto: picture-alliance/dpa/R. Fabres
Alerta da OMS
A rápida difusão do vírus levou a Organização Mundial de Saúde (OMS) a decretar estado de emergência para os casos de microcefalia em fevereiro de 2016. Um mês depois era confirmada a conexão entre a doença e os bebês nascidos com microcefalia.
Foto: Reuters/Centers for Disease Control
Proteção é melhor defesa
Não há vacina, só tratamento dos sintomas, sendo os mais comuns febre, dor de cabeça, coceira, cansaço e dor muscular e nas juntas. O mosquito costuma picar no começo da manhã e da noite. A recomendação da OMS é usar repelente e cobrir pernas, pés e braços. Ambientes refrigerados também são pouco atraentes para o mosquito. Preservativos previnem o contágio sexual.
Foto: Bayer CropScience
Expansão continua
No primeiro semestre de 2016, foram anotados na Europa cerca de 600 casos de zika em 18 países, todos em indivíduos que visitaram locais com surto da doença. Com a chegada do verão, porém, há risco de aumento de incidência. Desde setembro de 2015, 46 países no mundo registraram surtos de zika pela primeira vez. Só nos Estados Unidos havia 2.200 casos até o fim de junho de 2016.
Foto: picture-alliance/dpa
Polêmica sobre Jogos 2016
Mais de 100 cientistas divulgaram carta aberta pedindo o adiamento ou mudança de local dos Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro. Eles consideraram arriscada a exposição ao vírus e a possibilidade de que fosse levado a outros países. No dia seguinte, a OMS descartou a mudança de planos. O governo brasileiro prometeu aumentar o efetivo de médicos nos hospitais e de agentes de saúde durante os Jogos.
Foto: picture-alliance/dpa/M. Sayao
Risco no Rio
Por precaução, diversos esportistas desistiram de participar dos Jogos Olímpicos no Rio. Entre eles, os americanos Jordan Spieth, John Isner e Sam Querrey, e os australianos Bernard Tomic, Nick Kyrgios e Marc Leishman. Já Hope Solo, goleira da seleção americana de futebol, participará, mas publicou no Twitter seu "kit de proteção": um grande frasco de repelente e chapéu de apicultor.
Foto: https://twitter.com/hopesolo
Novas descobertas
O vírus está sendo intensamente estudado por equipes internacionais. Dez países registraram indícios de transmissão da doença de pessoa a pessoa, sem intervenção do inseto e, provavelmente, por via sexual. Disseminado normalmente por mosquitos do gênero Aedes, o zika foi também associado a um aumento dos casos da síndrome Guillain-Barré, que afeta o sistema neurológico.