Entre eventos meteorológicos extremos cada vez mais frequentes, a seca causa alarme. Com a semeadura de nuvens, ou "cloud seeding", pode-se fazer chover. Porém o método é controvertido e já foi mal empregado no passado.
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Em grande parte do Hemisfério Norte está chegando ao fim um verão extremamente seco e quente, com incidência inusual de incêndios. Em muitas regiões ainda impera a escassez d'água, quase não há como evitar a perda de safras: há áreas em que há meses não se veem chuvas abundantes. Uma sugestão para se obter mais água é a semeadura de nuvens (cloud seeding). Porém o procedimento é controvertido.
Em algumas províncias da China, os governos locais foram conclamados a fazer chover. Em Setsuan, há dois meses as temperaturas ultrapassam regularmente os 40º C – o mais longo período de calor já documentado no país. Em alguns trechos, o nível do Yangtzé, o rio chinês mais caudaloso, é o mais baixo em 150 anos.
Não só os frutos e o gado, mas também a existência da população humana das zonas rurais está ameaçada. Para que chova, contudo, primeiro é necessário que haja nuvens, as quais também estão praticamente ausentes nas áreas mais necessitadas. E nuvens são algo que o ser humano – pelo menos até agora – não é capaz de produzir.
Sais de prata para provocar chuva
A formação das nuvens começa quando moléculas de água esfriam na atmosfera, formando gotas estáveis ou cristais. Quando nessas nuvens continua a se condensar mais água do que se evapora, mais cedo ou mais tarde as gotas ficam grandes e pesadas demais e acabam caindo no solo – se na forma de chuva, neve ou granizo, depende da temperatura do ar e de outros fatores.
Na semeadura de nuvens, estas são "inoculadas" com certas partículas, geralmente sais como o iodeto de prata. Elas aceleram a condensação do vapor, que então cairá na forma de chuva. O procedimento se realiza com aviões, drones ou a partir do solo.
A ideia de fazer chover intencionalmente não é nova: as primeiras tentativas couberam a cientistas do General Electric Research Laboratory, na década de 1940. Na guerra do Vietnam, as Forças Armadas americanas usaram semeadura de nuvens a fim de amolecer o solo ainda mais após as monções, impedindo o reforço das tropas vietcongues inimigas.
A Aeronáutica soviética empregou o método após a catástrofe nuclear de Tchernobil, nas nuvens que se dirigiam para o norte, ameaçando Moscou. O regime considerou a operação um sucesso pois, em vez de se precipitar sobre a metrópole russa onde viviam milhões, a chuva radiativa caiu nas regiões rurais da Bielorrússia, então república soviética, com algumas centenas de milhares de habitantes.
A China dispersou nuvens desse modo antes dos Jogos Olímpicos de 2008, a fim de que não chovesse durante o evento. Consta que em 2016 o governo russo também empregou 86 milhões de rublos (cerca de 1,4 milhão de euros) numa operação de cloud seeding, para que no feriado de 1º de Maio houvesse bom tempo em Moscou. E assim foi.
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Os perigos de brincar de São Pedro
De fato, o método já foi também empregado para compensar a falta de precipitações naturais: nos últimos anos, houve grandes operações de semeadura de nuvens nos estados americanos de Idaho e Wyoming, por exemplo. Numa das ocasiões, a operadora de energia Idaho Power fez nevar no inverno para que mais tarde suas usinas hidrelétricas funcionassem com a água do derretimento.
No entanto a semeadura é controvertida. Um motivo é porque "a precipitação que se provoca numa região pode fazer falta em outra", explica o professor de física aplica da Universidade de Harvard David Keith. "Rouba-se de Pedro para pagar a Paulo. Assim, é inevitável que haja ganhadores e perdedores."
O meteorologista espanhol José Miguel Viñas alerta, ainda, que a tentativa de controlar o tempo pode sair pela culatra, provocando problemas ainda maiores do que os já causados pelas intempéries extremas – além de desviar o foco de outras medidas mais comprovadas.
"Se, precisamente no contexto do aquecimento da Terra, quisermos reduzir os efeitos das secas e temporais, devemos nos adaptar melhor aos perigos e nos proteger deles", aconselha.
Verão de extremos na Europa
Este ano já se anuncia como um dos mais quentes em quase um século e meio na Europa. Enquanto parte do continente enfrenta enchentes e tempestades de raios, outra sofre com seca e incêndios.
Foto: picture alliance/AP Photo/V. Ghirda
Lúcifer ataca
Uma sufocante onda de calor apelidada de "Lúcifer" varreu o Sul da Europa, causando transtornos e destruição. Com temperaturas acima de 40 graus Celsius da Espanha, no oeste, aos países dos Bálcãs, no leste, safras secaram, reservas d'água evaporaram, e incêndios foram registrados.
Foto: picture-alliance/AP Photo/V. Ghirda
Um lugar à sombra
Em meio às temperaturas recorde da ilha espanhola de Maiorca, os turistas disputam um lugarzinho à sombra. Aqui eles encontraram abrigo sob a Catedral de Palma. Os hospitais estão lotados em diversos países europeus, com mortes por calor registradas na Itália, Espanha e Romênia.
Foto: picture-alliance/dap/P. Schirmer Sastre
Noites abafadas
As coisas não melhoram muito com o anoitecer. Nesta foto, tirada em Palma de Maiorca no meio da noite, um termômetro de rua marca 33 graus Celcius. Segundo cientistas, 2017 confirma a tendência global recente de calor extremo, e poderá contar entre os anos mais quentes já registrados.
Foto: picture-alliance/dpa/P. Schirmer Sastre
Calor romano
A ultraturística capital da Itália contou entre as metrópoles mais atingidas pela onda quente. O Vaticano foi forçado a desligar as fontes de água potável em julho. Por sorte, no início de agosto, quando as temperaturas entraram na casa dos 40 graus Celcius, havia algumas possibilidades para se refrescar no centro de Roma.
Foto: Reuters/M. Rossi
Nada como um banho de lama
Quando Madri chegou a incômodos 39 graus Celcius em junho, não só os habitantes humanos usaram de todos os meios possíveis para escapar do calor: para estes rinocerontes do zoológico madrileno, a resposta foi rolar na lama úmida.
Foto: picture-alliance/Pacific Press/J. Sanz
Brincadeiras e engarrafamentos
Para as crianças, refrescar-se é também um grande pretexto para brincadeiras. Por toda a Europa as fontes públicas atraíram multidões – como aqui, em Nice, no sul da França. Enquanto isso, em várias cidades tanto as autoestradas em direção ao litoral como as que levam a alguns aeroportos ficaram abarrotadas de moradores que tentam escapar do sufoco urbano.
Foto: Reuters/E. Gaillard
Céus eletrificados
Não é só o calor: julho de 2017 foi um dos mais úmidos desde os primeiros registros meteorológicos, em 1881, com relâmpagos cortando os céus e chuvas torrenciais frustrando os planos de churrasco ou banho de sol. Os cientistas confirmam que, além de ondas de calor e tempestades, a mudança climática global tem promovido condições meteorológicas extremas por todo o mundo.
Foto: picture-alliance/dpa/M. Kusch
Chuva e diversão
Enquanto outras cidades europeias sofriam com a seca, os participantes do desfile do Dia do Orgulho Gay em Berlim festejavam sob pesada chuva. Assim como o restante da Alemanha, a capital tem tido um verão inusitadamente chuvoso, com enormes pedras de granizo, raios e trovões.
Foto: Reuters/F. Bensch
Madeira!
Neste verão, o norte da Alemanha foi especialmente castigado por ventos com intensidade de tufão, deixando ruas inteiras recobertas de destroços. As tormentas derrubaram árvores inteiras, como este imponente castanheiro, atingido por um furacão em junho, em Hamburgo. O tráfego rodoviário, ferroviário e aéreo da metrópole sofreu distúrbios, e pelo menos duas pessoas morreram.
Foto: picture-alliance/dpa/D. Bockwoldt
Debaixo d'água
A Áustria tampouco foi poupada pelo dilúvio. Turistas que procuravam calma e lazer em Salzburgo em agosto foram surpreendidos por chuva e granizo. As enchentes isolaram completamente o apreciado vale Grossarltal, e pelo menos três pessoas morreram.
Foto: picture-alliance/dpa/E. Scheriau
Férias em chamas
No Sul da Europa, os incêndios florestais devastaram amplas áreas. Na foto, turistas da pitoresca Côte d'Azur observam as colinas em chamas, acima de suas cabeças. As autoridades tiveram que evacuar a área, retirando 10 mil pessoas.
Foto: Reuters/J.P. Pelissier
Terra queimada
O fogo também assolou diversas regiões de Portugal, Itália, Espanha e Croácia, danificando e destruindo casas, fazendas e florestas. Até o fim de julho, o continente registrou mais do que o triplo da média anual de incêndios, sendo parte comprovadamente criminosa. Em junho, eles fizeram 64 vítimas em Portugal.