Comissão anistia Dilma Rousseff por perseguição na ditadura
23 de maio de 2025
Pedido chegou a ser rejeitado em 2022, durante o governo Bolsonaro, mas defesa recorreu. Decisão unânime prevê indenização de R$ 100 mil à ex-presidente, torturada durante o regime militar.
Ex-presidente Dilma Rousseff (centro) acompanhou a sessão da Comissão de Anistia da China, onde preside o banco do BricsFoto: Pilar Olivares/REUTERS
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Torturada e perseguida durante a ditadura militar (1964-1985), a ex-presidente Dilma Rousseff (PT) foi anistiada nesta quinta-feira (22/05) por decisão unânime da Comissão de Anistia do Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania.
Além do pedido de desculpas pelas injustiças a que foi submetida no período, por obra de agentes do Estado, Dilma terá direito a uma reparação econômica de caráter indenizatório no valor de R$ 100 mil, teto legal previsto na Constituição.
A anistia havia sido pedida em 2002, quando a Comissão de Anistia foi criada, mas o processo ficou parado por anos a pedido da própria ex-presidente, enquanto ela ocupou cargos públicos. Em 2016, após sofrer impeachment, o caso foi retomado, mas acabou rejeitado em 2022, durante o governo de Jair Bolsonaro (PL), pela então ministra Damares Alves. A defesa da ex-presidente recorreu.
A sessão da comissão foi transmitida ao vivo pelo YouTube. Dilma acompanhou à distância, da China, de onde exerce a presidência do banco do Brics.
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Prisão e tortura
Durante a juventude, Dilma integrou organizações de oposição à ditadura, entre elas o grupo de luta armada VAR-Palmares. Por causa disso, ela foi presa em 1970, aos 22 anos, e passou quase três anos detida. Nesse período, relatou ter sido submetida a interrogatórios violentos mediante choques elétricos, pau de arara, palmatória, socos, afogamento, nudez e privação de alimentos.
Após deixar a prisão, Dilma mudou-se para o Rio Grande do Sul e, em 1975, começou a trabalhar na Fundação de Economia e Estatística (FEE). Em 1977, foi demitida após seu nome aparecer em uma lista de "comunistas infiltrados no governo" divulgada pelo então ministro do Exército, Silvio Frota. O Serviço Nacional de Informações (SNI) seguiu monitorando-a até o final de 1988.
"Durante o período da ditadura, a requerente dedicou-se à defesa da democracia, da igualdade, da educação estudantil e dos direitos sociais, por meio de intensa atividade política e de oposição aos abusos cometidos pelo regime militar. Por tais motivos foi perseguida, monitorada por 20 anos, expulsa do curso universitário, demitida, além de ter sido presa e severamente torturada", diz o pedido de Dilma, que foi lido pelo relator do caso na comissão, Rodrigo Lentz.
Ao dar seu voto favorável à anistia, Lentz leu trechos de depoimento da ex-presidente sobre as sevícias que sofreu.
"Esta comissão, pelos poderes que lhe são conferidos, lhe declara [Dilma Vana Rousseff] anistiada política brasileira e, em nome do Estado brasileiro, lhe pede desculpas por todas as atrocidades que lhe causou o Estado ditatorial; causou à senhora, a sua família, aos seus companheiros de luta e, ao fim e ao cabo, a toda a sociedade brasileira", disse a presidente da comissão, a procuradora federal aposentada Ana Maria Oliveira, durante sessão em Brasília.
"Nós queremos também lhe agradecer pela sua incansável luta pela democracia brasileira, pela sua incansável luta pelo povo brasileiro", acrescentou Oliveira.
ra (Agência Brasil, ots)
A ditadura brasileira (1964-1985)
Regime militar que sufocou a democracia se estendeu por 21 anos. Período foi marcado por perseguições, tortura, censura, crescimento e derrocada econômica.
Foto: Arquivo Nacional
A perseguição política
A perseguição de adversários se concentrou nos meses após o golpe de 1964 e entre o final da década de 60 e início dos anos 70. Mais de 5 mil pessoas foram alvo de punições como demissões, cassações e suspensão de direitos políticos. Ao todo, 166 deputados foram cassados. O regime também perseguiu membros em suas fileiras. Pelo menos 6.951 militares foram presos, desligados e presos.
Foto: Arquivo Nacional
Assassinatos e desaparecimentos
Assim como a perseguição política, os assassinatos de opositores promovidos pelo regime se concentraram em algumas fases da ditadura. Mas todos os generais-presidentes foram tolerantes com a prática. A Comissão Nacional da Verdade (CNV) apontou a responsabilidade do regime militar pela morte de 224 pessoas e pelo desaparecimento de 210 – 228 delas morreram durante o governo Médici (1969-1974).
Foto: Arquivo Nacional
Tortura
Na ditadura, a tortura virou uma prática de Estado. Já no governo Castelo Branco (1964-1967) foram apresentadas 363 denúncias de tortura. Na fase de Médici (1969-1974), seriam mais de 3.500. O relatório "Brasil: Nunca Mais" lista 283 formas de tortura aplicadas pelo regime, como afogamentos, choques elétricos e o pau de arara. Ao longo de 21 anos, houve mais de 6 mil denúncias de tortura.
Foto: Arquivo Nacional
A luta armada
Ao dar o golpe, os militares citaram a corrupção e o esquerdismo do governo Jango. A luta armada, às vezes apontada como razão de ser da ditadura, nem foi mencionada. Só em 1966 ocorreram as primeiras ações relevantes de grupos de esquerda, que cometeriam atentados e assaltos com o objetivo de promover uma revolução. Em 1974, todos já haviam sido aniquilados, mas a ditadura duraria mais uma década
Foto: Arquivo Nacional
Os atos institucionais
O regime militar recorreu a uma série de decretos chamados atos institucionais para manter seu poder. Entre 1964 e 1969 foram promulgados 17 atos, que estavam acima até da Constituição. Alguns promoveram a cassação de adversários (AI-1) e a extinção dos partidos políticos existentes (AI-2). O mais duro deles, o AI-5, instituiu em 1968 a censura prévia na imprensa e a suspensão do "habeas corpus".
Foto: Arquivo Nacional
A censura
Boa parte da imprensa apoiou o golpe, mas vários jornais passaram a criticar o regime, alguns mais cedo, outros mais tarde. Com o AI-5, passou a vigorar uma censura prévia em vários meios de comunicação. O regime censurava até más notícias, promovendo uma imagem fictícia da realidade do país. Epidemias, desastres e atentados eram temas vetados. Músicas, filmes e novelas também foram censurados.
Foto: Arquivo Nacional
Colaboração com outras ditaduras
Junto com os regimes da Argentina, Bolívia, Chile, Paraguai e Uruguai, a ditadura brasileira integrou a Operação Condor, uma aliança para perseguir opositores no Cone Sul. O regime também ajudou a treinar oficiais chilenos em técnicas de tortura. Um dos casos mais notórios de colaboração foi o sequestro em 1978 de dois ativistas uruguaios em Porto Alegre, que foram entregues ao país vizinho.
Foto: Biblioteca da Presidência da República
O milagre econômico...
Após três anos de ajustes, os militares promoveram a partir de 1967 investimentos e oferta de crédito. A fórmula deu resultados. Entre 1967 e 1973, a expansão do PIB brasileiro foi de 10,2% ao ano. O país passou a ser a décima economia do mundo. O crescimento aumentou a popularidade do regime durante a fase mais repressiva da ditadura. Mas o "milagre brasileiro" duraria pouco.
Foto: Arquivo Nacional
... e a derrocada econômica
A conta do "milagre" chegou após os dois choques do petróleo e uma série de decisões desastradas para manter a economia aquecida. Ao fim da ditadura, o país acumulava dívida externa 30 vezes maior que a de 1964 e inflação de 225,9% ao ano. Quase 50% da população estava abaixo da linha de pobreza. Os militares pegaram um país com graves problemas econômicos e entregaram um quebrado.
Foto: Biblioteca da Presidência da República
Corrupção
A censura e a falta de transparência favoreceram a corrupção. O período foi marcado por vários casos, como o Coroa-Brastel, Delfin, Lutfalla e a explosão de gastos em obras. O regime promoveu e protegeu figuras como Paulo Maluf e Antônio Carlos Magalhães, que já nos anos 70 eram suspeitos em casos de corrupção. Também abafou casos, como a compra superfaturada de fragatas do Reno Unido nos anos 70.
Foto: Biblioteca da Presidência da República
Grandes obras
A ditadura promoveu obras faraônicas, divulgadas com propaganda ufanista, como Itaipu e a ponte Rio-Niterói. Algumas foram marcadas por desperdícios e erros, como a Transamazônica e as usinas de Angra. Em 1969, o regime criou uma reserva de mercado para as empreiteiras nacionais ao proibir a atuação de estrangeiras. É nessa época que empresas como a Odebrecht passam a dominar as obras no país.
Foto: Arquivo Nacional
Anistia e falta de punições
Em 1979, seis anos antes do fim da ditadura, foi promulgada a Lei da Anistia, perdoando crimes cometidos por motivação política. Mas ela tinha mão dupla: garantiu também a impunidade para agentes responsáveis por mortes e torturas. No Chile e na Argentina, dezenas de agentes foram condenados por violações de direitos humanos após a volta da democracia. No Brasil, ninguém foi punido.