Como a Alemanha pode banir extremistas estrangeiros?
2 de fevereiro de 2024O extremista de direita austríaco Martin Sellner passou esta segunda-feira (29/01) provocando importantes políticos da Alemanha que haviam proposto bani-lo do território alemão. Ele transmitiu ao vivo sua viagem de duas horas em um carro alugado até a fronteira alemã depois de ter prometido tomar um café na cidade bávara de Passau, já do lado alemão da fronteira.
A façanha, aplaudida por apoiadores, culminou em um breve encontro com a polícia alemã, que o deixou passar para a Baviera. Logo depois, ele gravou outro vídeo no qual agradeceu sarcasticamente à ministra do Interior da Alemanha, Nancy Faeser, e ao chanceler federal Olaf Scholz.
Sellner, de 35 anos, ganhou a atenção do público quando foi revelado que ele havia sido um dos principais oradores em uma reunião da extrema direita em Potsdam, em novembro passado, da qual também participaram membros do partido Alternativa para a Alemanha (AfD), de ultradireita. Na reunião, ele apresentou um "plano" para "remigrar" à força estrangeiros da Alemanha, inclusive cidadãos alemães com histórico de imigração.
Uma nova onda de interesse em Sellner foi desencadeada na semana passada, quando uma porta-voz do partido alemão A Esquerda (Die Linke), Martina Renner, perguntou ao governo se estava considerando proibir Sellner de entrar na Alemanha. Funcionários do Ministério do Interior confirmaram à parlamentar do Bundestag que a proibição estava sendo considerada. O governo da cidade de Potsdam também informou que suas autoridades de registro de estrangeiros estão avaliando se a reunião na cidade constituiu um "perigo para a segurança e para a ordem pública".
Medidas legais contra o fascismo
A ideia de proibição foi bem recebida por políticos de todos os principais partidos. "Em nossa democracia bem defendida, não devemos tolerar qualquer agitação contra nossa ordem constitucional, especialmente de extremistas estrangeiros como Martin Sellner", disse Philipp Amthor, da União Democrata Cristã (CDU), à agência de notícias DPA.
Martina Renner, que é a favor da proibição, não se intimidou com a audácia de Sellner na segunda-feira. "O fato de ele ter conseguido entrar no país não invalida essa possibilidade, que pode resultar em uma proibição de entrada de longo prazo", disse ela à DW por e-mail. "Não devemos deixar de lado nenhum recurso legal que nos ajude a dificultar o envolvimento de neonazistas e fascistas em atividades políticas."
A Lei da Livre circulação de pessoas da UE permite que os Estados-membros neguem a entrada de pessoas com base na "ordem ou segurança pública". Mas a lei acrescenta: "Deve haver uma ameaça real e suficientemente séria à ordem pública, que afete os interesses básicos da sociedade".
Renner acredita que Sellner representa essa ameaça: "A participação em reuniões no território da República Federal da Alemanha para planejar e implementar milhões de deportações de pessoas da Alemanha viola esses interesses fundamentais de forma clara", afirma.
Mas Stefan Martini, pesquisador em direito público da Universidade de Kiel, é cético quanto à existência de motivos suficientes para proibir a entrada de Sellner no país. "Depende do grau de concretude desses planos de remigração", disse ele. "Pode ser considerado um apelo à subversão na Alemanha? Se sim, então a proibição pode ser justificada, mas se for considerado que ele apenas descreveu alguns cenários abstratos, então a entrada de Sellner provavelmente não será vista como perigosa o suficiente."
Suspensão da liberdade de ir e vir na UE
Outros países já consideraram Sellner uma ameaça no passado. Tanto o Reino Unido quanto os Estados Unidos negaram a entrada de Sellner nos últimos anos. No caso dos EUA, isso aconteceu depois que se descobriu que ele havia tido contato direto com Brenton Tarrant, o terrorista australiano que assassinou 51 muçulmanos em uma mesquita em Christchurch, Nova Zelândia, em março de 2019. A organização de Sellner, Movimento Identitário, também recebeu uma doação de Tarrant.
Mas a UE tem critérios mais rigorosos, especialmente para cidadãos da UE como Sellner, que tem direito à liberdade de ir e vir. "Por causa das regulamentações europeias, a Alemanha é muito mais estrita", disse Martini. "O indivíduo deve ter uma audiência, os motivos pelos quais a proibição é imposta devem ser esclarecidos – as restrições legais para tal decisão são muito mais rigorosas na Alemanha do que em outros países."
E os critérios para impor uma proibição de entrada também são relativamente rigorosos. "Um interesse fundamental da sociedade precisa estar sob ameaça, como a coexistência pacífica das pessoas", disse Martini. "Mesmo que o indivíduo tenha cometido um crime no passado, ainda é preciso examinar se a proibição seria proporcional."
No entanto, as proibições de extremistas não são incomuns na UE, embora geralmente estejam vinculadas a eventos reais. Em 2020, a Alemanha negou a entrada do político dinamarquês-sueco Rasmus Paludan depois que o ativista anti-Islã queimou uma cópia do Alcorão em uma manifestação em Copenhague. Seu grupo estava planejando um protesto no distrito de Neukölln, em Berlim, onde vivem muitos muçulmanos.
Da mesma forma, em 2019, as autoridades do estado alemão da Renânia do Norte-Vestfália garantiram que o extremista russo Denis Kapustin fosse impedido de entrar em todo o espaço Schengen depois de ter organizado eventos de artes marciais para grupos neonazistas em toda a Europa.
Martini diz que, embora nesses casos o Ministério Federal do Interior geralmente realize uma avaliação de risco e, em seguida, emita ordens para a polícia, mesmo que os oficiais de controle de fronteira não tenham nenhuma ordem de cima, eles também podem usar seu próprio critério.
"No caso de Sellner, aparentemente foi realizada uma entrevista na fronteira", disse ele à DW. "Perguntaram a ele qual era o propósito de sua estadia na Alemanha, e então eles tiveram que decidir na hora: Existe alguma ameaça à segurança pública na Alemanha?" Em resumo, se Sellner disse na noite de segunda-feira, como declarou aos seus seguidores, que estava indo tomar um café, os oficiais não viram motivos para recusar sua entrada.