Como a Alemanha vê seus soldados que lutaram na 2ª Guerra
19 de julho de 2019
Em geral, não há condenação automática nem vitimização de veteranos. Para estudiosos, homenagem do Exército Brasileiro a major alemão mostra como debate histórico pode ser sequestrado por polarização na sociedade.
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Na Alemanha, a questão da responsabilidade da Wehrmacht (Forças Armadas da Alemanha nazista) por crimes de guerra foi discutida, basicamente, pela última vez em 1995. Naquela época, a Wehrmachtsausstellung (Exposição Wehrmacht, em tradução livre) chocou o público com suas fotos de massacres.
"Após os debates públicos e científicos sobre o envolvimento da Wehrmacht na guerra e nos crimes nazistas, faz parte do conhecimento histórico-político geral na Alemanha que a Wehrmacht, como instituição, e sua elite militar, bem como muitos 'soldados comuns', foram responsáveis por numerosos crimes", disse à DW o historiador Johannes Hürter, do Instituto de História Contemporânea de Munique.
A lista de crimes é longa, começando com a chamada "Ordem dos Comissários", segundo a qual os comissários políticos do Exército Vermelho deveriam ser executados imediatamente após sua prisão.
Também fazem parte da lista a morte de cerca de três milhões de prisioneiros de guerra soviéticos, o abuso e a exploração da população civil nos territórios ocupados, o cerco de vários anos a Leningrado (hoje São Petersburgo) com provavelmente um milhão de mortos, e a cumplicidade no Holocausto, o extermínio em massa de cerca de seis milhões de judeus.
Ao mesmo tempo, os soldados da Wehrmacht sofreram injustiças, a exemplo do tratamento desumano nos campos de prisioneiros de guerra soviéticos.
"Mas, em geral, não há uma condenação generalizada de todos os soldados da Wehrmacht como 'criminosos' ou até mesmo 'assassinos', assim como também não existe uma narrativa generalizada de vítima", apontou Johannes Hürter. "A visão dominante se acalmou a ponto de achar que qualquer simples soldado pode ter sido um criminoso em potencial, mas que é preciso verificar caso a caso", completou.
No início de julho, a homenagem do Exército Brasileiro ao ex-militar da Wehrmacht Eduard Ernst Thilo Otto Maximilian von Westernhagen provocou discussões no país.
Westernhagen foi morto a tiros em 1968, no Rio de Janeiro, por integrantes do movimento clandestino Comando de Libertação Nacional (Colina), após ser confundido com o militar boliviano Gary Prado. Prado teria sido responsável pela captura e execução de Che Guevara, um ano antes.
Pouco se sabe sobre o papel de Westernhagen na Segunda Guerra Mundial. A imprensa brasileira relatou que ele havia lutado na França e na Frente Oriental e havia sido condecorado pessoalmente por Hitler. Depois da guerra, nos anos 1950, ele entrou para a recém-criada Bundeswehr (Exército alemão) e participou, a serviço dela, de um curso no Rio de Janeiro. Várias dessas informações não foram realmente comprovadas.
Para o Exército brasileiro, no entanto, Westernhagen foi, em primeira linha, uma dupla vítima. Em 1º de julho, leu-se no Twitter do Exército que Westernhagen era um "sobrevivente da Segunda Guerra Mundial e das prisões totalitárias soviéticas, cuja vida foi encurtada por um terrorista insano e covarde".
Seguiram-se discussões acirradas na internet. A Confederação Israelita do Brasil demonstrou seu "estranhamento" frente à homenagem a um major alemão da Segunda Guerra Mundial. Outras publicações mostraram Westernhagen como vítima do "terrorismo de esquerda", enquanto órgãos mais esquerdistas da mídia chamaram Westernhagen de "major nazista".
Nas discussões, o que estava em jogo era a polarização política interna no Brasil, e não o nazismo alemão, explicou à DW o historiador Carlos Fico, da UFRJ. "A questão não é do nazismo, muito menos para o governo."
Inicialmente, a homenagem foi uma manifestação da Escola de Comando do Estado-Maior do Exército. "De início, não foi uma homenagem do governo. Mas, logo em seguida, o site do Exército Brasileiro, que é parte do Ministério da Defesa, deu a notícia, dizendo que era uma homenagem do Exército."
"Isso se insere no contexto do atual governo de valorizar as vítimas do lado dos militares no contexto da luta armada. É uma tradição de militares conservadores brasileiros sempre chamar atenção para esse aspecto", afirmou Fico.
Segundo o historiador, o grupo Colina tentou deslocar, em 1968, a luta armada do interior para os centros urbanos. "Foi uma opção de uma parte da esquerda brasileira pegar em armas na época da ditadura."
De acordo com Fico, no entanto, o episódio não mostra, de forma alguma, que a ditadura militar ou partes dos militares de hoje apreciem particularmente a Alemanha nazista e seus soldados. Sobre isso, ele não encontrou nenhuma evidência em seus muitos anos de estudos.
"O que houve, depois dessa homenagem, foi uma reação política da esquerda, tentando desqualificar essa homenagem acusando esse militar alemão de ter sido um nazista. Mas na verdade não sabemos se ele foi nazista ou não", colocou o historiador.
Polarização no Brasil
Segundo Fico, a atual polarização teria aumentado após os comentários positivos do presidente Jair Bolsonaro sobre a ditadura brasileira. Além disso, há muitos militares que integram o governo, o que torna muito atual um olhar em retrospecto sobre a ditadura, ponderou o estudioso.
Nesse contexto, houve recentemente uma acirrada discussão na internet sobre se o partido NSDAP (sigla em alemão para Partido Nacional-Socialista dos Trabalhadores Alemães), de Adolf Hitler, deveria ser classificado como de esquerda ou de direita. Em abril, Bolsonaro enfatizou durante uma visita a Israel que o NSDAP seria de esquerda, já que continha a palavra "socialista" em seu nome.
Na Alemanha, no entanto, reina um vasto consenso tanto entre historiadores quanto na opinião pública sobre essa questão, apontou Hürter. "O NSDAP era um partido extremamente nacionalista, 'étnico' e antissemita, e pertencia claramente ao espectro político de extrema direita do qual emergiu historicamente."
"Naturalmente, essa opinião não implica que o 'outro lado', ou seja, o espectro da extrema esquerda, tenha sido ou seja 'bom'. Também as ditaduras comunistas e, sobretudo, as stalinistas ainda continuam a ser vistas de forma crítica. No entanto, o extremismo de direita nacional-socialista é certamente a variante que causou o maior prejuízo para a história alemã e para além dela."
Em 1° de setembro de 1939, as Forças Armadas alemãs atacaram a Polônia, sob ordens de Hitler. A guerra que então começava duraria até 8 de maio de 1945, deixando um saldo até hoje sem paralelo de morte e destruição.
Foto: U.S. Army Air Forces/AP/picture alliance
1939
No dia 1° de setembro de 1939, as Forças Armadas alemãs atacaram a Polônia sob ordens de Adolf Hitler – supostamente em represália a atentados poloneses, embora isso tenha sido uma mentira de guerra. No dia 3 de setembro, França e Reino Unido, que eram aliadas da Polônia, declararam guerra à Alemanha, mas não intervieram logo no conflito.
1939
A Polônia mal pôde oferecer resistência às bem equipadas tropas alemãs – em cinco semanas, os soldados poloneses foram derrotados. No dia 17 de setembro, o Exército Vermelho ocupou o leste da Polônia – em conformidade com um acordo secreto fechado entre o Império Alemão e a União Soviética apenas uma semana antes da invasão.
Foto: AP
1940
Em abril de 1940, a Alemanha invadiu a Dinamarca e usou o país como base até a Noruega. De lá vinham as matérias-primas vitais para a indústria bélica alemã. No intuito de interromper o fornecimento desses produtos, o Reino Unido enviou soldados ao território norueguês. Porém, em junho, os aliados capitularam na Noruega. Nesse meio tempo, a Campanha Ocidental já havia começado.
1940
Durante oito meses, soldados alemães e franceses se enfrentaram no oeste, protegidos por trincheiras. Até que, em 10 de maio, a Alemanha atacou Holanda, Luxemburgo e Bélgica, que estavam neutros. Esses territórios foram ocupados em poucos dias e, assim, os alemães contornaram a defesa francesa.
Foto: picture alliance/akg-images
1940
Os alemães pegaram as tropas francesas de surpresa e avançaram rapidamente até Paris, que foi ocupada em meados de junho. No dia 22, a França se rendeu e foi dividida: uma parte ocupada pela Alemanha de Hitler e a outra, a "França de Vichy", administrada por um governo fantoche de influência nazista e sob a liderança do general Pétain.
Foto: ullstein bild/SZ Photo
1940
Hitler decide voltar suas ambições para o Reino Unido. Seus bombardeios transformaram cidades como Coventry em cinzas e ruínas. Ao mesmo tempo, aviões de caça travavam uma batalha aérea sobre o Canal da Mancha, entre o norte da França e o sul da Inglaterra. Os britânicos venceram e, na primavera europeia de 1941, a ofensiva alemã estava consideravelmente enfraquecida.
Foto: Getty Images
1941
Após a derrota na "Batalha aérea pela Inglaterra", Hitler se voltou para o sul e posteriormente para o leste. Ele mandou invadir o norte da África, os Bálcãs e a União Soviética. Enquanto isso, outros Estados entravam na liga das Potências do Eixo, formada por Alemanha, Itália e Japão.
1941
Na primavera europeia, depois de ter abandonado novamente o Pacto Tripartite, Hitler mandou invadir a Iugoslávia. Nem a Grécia, onde unidades inglesas estavam estacionadas, foi poupada pelas Forças Armadas alemãs. Até então, uma das maiores operações aeroterrestres tinha sido o ataque de paraquedistas alemães a Creta em maio de 1941.
Foto: picture-alliance/akg-images
1941
O ataque dos alemães à União Soviética no dia 22 de junho de 1941 ficou conhecido como Operação Barbarossa. Nas palavras da propaganda alemã, o objetivo da campanha de invasão da União Soviética era uma "ampliação do espaço vital no Oriente". Na verdade, tratava-se de uma campanha de extermínio, na qual os soldados alemães cometeram uma série de crimes de guerra.
Foto: Getty Images
1942
No começo, o Exército Vermelho apresentou pouca resistência. Aos poucos, no entanto, o avanço das tropas alemãs chegou a um impasse na Rússia. Fortes perdas e rotas inseguras de abastecimento enfraqueceram o ataque alemão. Hitler dominava quase toda a Europa, parte do norte da África e da União Soviética. Mas no ano de 1942 houve uma virada.
1942
A Itália havia entrado na guerra em junho de 1940, como aliada da Alemanha, e atacado tropas britânicas no norte da África. Na primavera de 1941, Hitler enviou o Afrikakorps como reforço. Por muito tempo, os britânicos recuaram – até a segunda Batalha de El Alamein, no outono de 1942. Ali a situação mudou, e os alemães bateram em retirada. O Afrikakorps se rendeu no dia 13 de maio de 1943.
Foto: Getty Images
1942
Atrás do fronte leste, o regime de Hitler construiu campos de extermínio, como Auschwitz-Birkenau. Mais de seis milhões de pessoas foram vítimas do fanatismo racial dos nazistas. Elas foram fuziladas, mortas com gás, morreram de fome ou de doenças. Milhares de soldados alemães e da SS estiveram envolvidos nestes crimes contra a humanidade.
Foto: Yad Vashem Photo Archives
1943
Já em seu quarto ano, a guerra sofreu uma virada. No leste, o Exército Vermelho partiu para o contra-ataque. Vindos do sul, os aliados desembarcaram na Itália. A Alemanha e seus parceiros do Eixo começaram a perder terreno.
1943
Stalingrado virou o símbolo da virada. Desde julho de 1942, o Sexto Exército alemão tentava capturar a cidade russa. Em fevereiro, quando os comandantes desistiram da luta inútil, cerca de 700 mil pessoas já haviam morrido nesta única batalha – na maioria soldados do Exército Vermelho. Essa derrota abalou a moral de muitos alemães.
Foto: picture-alliance/dpa
1943
Após a rendição das tropas alemãs e italianas na África, o caminho ficou livre para que os Aliados lutassem contra as potências do Eixo no continente europeu. No dia 10 de julho, aconteceu o desembarque na Sicília. No grupo dos Aliados estavam também os Estados Unidos, a quem Hitler havia declarado guerra em 1941.
Foto: picture alliance/akg
1943
Em setembro, os Aliados desembarcaram na Península Itálica. O governo em Roma acertou um armistício com os Aliados, o que levou Hitler a ocupar a Itália. Enquanto os Aliados travavam uma lenta batalha no sul, as tropas de Hitler espalhavam medo pelo resto do país.
No leste, o Exército Vermelho expulsou os invasores cada vez mais para longe da Alemanha. Iugoslávia, Romênia, Bulgária, Polônia... uma nação após a outra caía nas mãos dos soviéticos. Os Aliados ocidentais intensificaram a ofensiva e desembarcaram na França, primeiramente no norte e logo em seguida no sul.
1944
Nas primeiras horas da manhã do dia 6 de junho, as tropas de Estados Unidos,Reino Unido, Canadá e outros países desembarcaram nas praias da Normandia, no norte da França. A liderança militar alemã tinha previsto que haveria um desembarque – mas um pouco mais a leste. Os Aliados ocidentais puderam expandir a penetração nas fileiras inimigas e forçar a rendição de Hitler a partir do oeste.
Foto: Getty Images
1944
No dia 15 de agosto, os Aliados deram início a mais um contra-ataque no sul da França e desembarcaram na Provença. As tropas no norte e no sul avançaram rapidamente e, no dia 25 de agosto, Paris foi libertada da ocupação alemã. No final de outubro, Aachen se tornou a primeira grande cidade alemã a ser ocupada pelos Aliados.
Foto: Getty Images
1944
No inverno europeu de 1944/45, as Forças Armadas alemãs reuniram suas tropas no oeste e passaram para a contra-ofensiva em Ardenne. Mas, após contratempos no oeste, os Aliados puderam vencer a resistência e avançar inexoravelmente até o "Grande Império Alemão" – a partir do leste e do oeste.
Foto: imago/United Archives
1945
No dia 8 de maio de 1945, os nazistas se renderam incondicionalmente. Para escapar da captura, Hitler se suicidou com um tiro no dia 30 de abril. Após seis anos de guerra, grande parte da Europa estava sob entulhos. Quase 50 milhões de pessoas morreram no continente durante a Segunda Guerra Mundial. Em maio de 1945, o marechal de campo Wilhelm Keitel assinava a ratificação da rendição em Berlim.